A COLHEITA MALDITA
O nome, por si só, já inspirava constrangimento. Pavilhão 9. Lembrava divisão de penitenciária ou campo de concentração. Estava perfeito. Não podia haver lugar melhor para acontecer tudo aquilo. Ele abriu os lábios num sorriso malicioso, que revelava uma íntima satisfação. Adorava fazer aquilo. Mesmo sendo quem era, não se lembrava de quando tinha se iniciado naquela profissão. Seguramente fazia muito tempo. Milênios incontáveis, desde que se desentendera com o seu Mestre. Mas por causa dele, quanto trabalho o Mestre já tinha tido desde então. Quantas vezes o velho e temível Vasto Semblante, o Ancião dos Dias, o Senhor dos Tempos e outros títulos bombásticos que o Mestre gostava de ser chamado, tivera que reconstruir o que ele, o Anjo Rebelde, o Grande Desencaminhador, destruíra.
Ah! mas o que ele mais gostava era daquilo que ele estava fazendo naquele momento. O sorriso malévolo que tinha nos lábios foi despertado por doces lembranças. Tinha reivindicado um status superior aos demais discípulos justamente pela relevância que assumira na obra que o Mestre estava construindo. Fora nomeado o supervisor geral de todos os aprendizes e estava fazendo bem o seu trabalho, ensinando-os a trabalhar na sua obra. Merecia a distinção que estava reivindicando, mas o Mestre, temeroso que ele tomasse, no futuro, o seu lugar, resolveu rebaixá-lo e destituí-lo da função. Ele então se revoltou, e por vingança passou a espalhar a rebelião entre os aprendizes. O Mestre se aborreceu de vez e expulsou do seus quadro. E ele agora se ocupava em desvirtuar tudo o que Mestre ensinava.
Passou pela sua lembrança algumas das suas mais memoráveis façanhas, feitas de ações que ele inspirara aos aprendizes. Auschwitz, Jonestown, Carandiru, Candelária, só para lembrar as mais recentes.
Sentou-se na penumbra do salão soturno e assustador e esperou. Os doze indivíduos que estavam ali, conversando animadamente nem suspeitaram da sua presença entre eles. Eram onze horas da noite quando os três sujeitos que ele agenciara entraram no salão. Os doze indivíduos estavam pintando uma bandeira e demoraram para perceber a intrusão. Ele não deixou de perceber a ironia daquilo tudo. O nome Corinthians puxou a sua memória para outro nome tão odiado: o daquele maldito rabino judeu que tanto o prejudicara há muito tempo atrás, roubando de sua influência praticamente meio mundo. .
Quatro dos sujeitos que estavam ali perceberam o perigo e saíram correndo. “Sorte deles,” pensou o estranho indivíduo sentado nas sombras. Mas logo se esqueceu deles e passou a contemplar, com satisfação, o que estava acontecendo dentro do salão. Os três assassinos que haviam invadido o salão sabiam trabalhar bem. Pareciam profissionais que tinham aprendido com os alunos que ele instruíra no Oriente Médio, aqueles caras do Estado Islâmico. Eram matadores frios, cuja alma já estavam completamente comprometidas com ele.
Os três assassinos, portando armas de fogo mandaram os oito corintianos se ajoelharem no chão. Ouviu as súplicas deles. Ele adorava isso. Era movido a dor e sofrimento. Desde o início dos tempos era só o que havia feito. Provocar dor e sofrimento. Era através disso que ele realizava as suas colheitas malditas.
Se não fosse quem fosse teria tido um orgasmo de prazer ao ouvir as espocadas das pistolas nove milímetros, o barulho dos cartuchos batendo no cimento frio do salão e a vista dos oito corpos estrebuchando, o sangue manchando de um vermelho ocre o cimento do piso. Aquele oito mortos e os três assassinos eram exatamente o tipo de almas que ele precisava. Gente que já estava a meio caminho do seu reino.
Rindo diabolicamente ele tocou os oito corpos deitados no chão e enfiou a mão na boca de cada um deles. De cada boca sua mão voltou com uma pequena centelha de luz que ele guardou em uma bolsa. Depois ergueu os olhos para cima em sinal de desafio. Tinha vencido mais uma queda de braço com o Mestre. Podia agora, voltar para o seu reino de eterna danação e descansar um pouco, entre serpentes, brasas vivas e indizíveis horrores, da mesma forma que seu velho e odiado velho Senhor tinha descansado depois de construir toda essa empresa que ele, há milhões de anos, estava empenhado em levar á falência. Tinha cooptado mais onze almas para o seu exército de danados. Sua risada demoníaca ecoou no tempo e no espaço. Estremeceu o céu. Afinal, era assim que ele ganhava a sua vida..