PRIMEIRO LUGAR
- O GATO MERWEL - DTRL 29
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A CASA NA FLORESTA
...Maria foi comprar sabão
e na estrada avistou um cão
em sua cesta pôs o cãozinho
seguiu contente o seu caminho
ela não sabe explicar, de fato
mas o cãozinho
virou um gato...
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A CASA NA FLORESTA
...Maria foi comprar sabão
e na estrada avistou um cão
em sua cesta pôs o cãozinho
seguiu contente o seu caminho
ela não sabe explicar, de fato
mas o cãozinho
virou um gato...
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Padre Tobias olhou para o crepúsculo pela janela da sacristia. Estava guardando as pequenas galhetas da última celebração no armário e ainda não havia tirado a estola, quando ouviu fortes pancadas em sua porta. Lá fora seu velho amigo Jonas o esperava, apreensivo.
- Precisamos ir para a casa da senhora Martha.
- O que houve com ela?
- Venha comigo - Falou - E traga a água benta.
A velha morava sozinha em uma clareira na floresta, numa casinhola feia com a madeira apodrecendo, carcomida pelas brocas, com algumas tábuas se soltando e grandes pregos de pontas retorcidas e enferrujadas.
Não gostava de ir até lá. Martha era uma mulher muito estranha, seu aspecto era desagrável, repulsivo, e morava em um lugar êrmo e sombrio. A anciã tinha fama de usar ervas para fazer feitiços. Muitas moças andavam por lá procurando mandingas para arrumar marido, ou beberagens para se livrar de bebês indesejados. Talvez por isso fosse tolerada pelas beatas que moravam na vila. Todo mundo de alguma forma já havia usado seus serviços.
Enquanto caminhavam pelas estreitas e sombrias veredas, o sol ia morrendo e dando espaço a uma escuridão povoada pelos pios agourentos das corujas.
Finalmente a casinha apareceu para eles. Era apenas o início da noite, mas um véu negro já havia caído sobre a floresta. O único ponto de luz naquele breu vinha de um lampião pendendo da madeira que sustentava as telhas da casa. O vento estava muito forte, e as folhas coloridas do outono faziam volteios espectrais em torno dos visitantes. As árvores balançavam e seus galhos produziam chiados infaustos, como o murmúrio de mil almas lamentando suas dores.
No pequeno rasgo cinzento de céu que podia ser visto acima das copas das árvores, nuvens negras se juntavam anunciando tempestade.
Estavam a menos de um metro da porta quando um grito desumano cortou o ar, seguido de alguns guinchos e estalos, fazendo com que os dois homens recuassem alguns passos.
Outro grito foi ouvido e a casa oscilou como se fosse se partir em pedaços.
Padre Tobias abriu a bolsa e, com as mãos trêmulas, tirou o crucifixo e um vidro de água benta, enquanto a porta da casa se abria lentamente.
Um estrondo foi ouvido e a cabeça da velha bruxa foi rolando até parar nos pés de Tobias, o rosto virado para cima com os olhos arregalados mirando o nada.
- Precisamos ir para a casa da senhora Martha.
- O que houve com ela?
- Venha comigo - Falou - E traga a água benta.
A velha morava sozinha em uma clareira na floresta, numa casinhola feia com a madeira apodrecendo, carcomida pelas brocas, com algumas tábuas se soltando e grandes pregos de pontas retorcidas e enferrujadas.
Não gostava de ir até lá. Martha era uma mulher muito estranha, seu aspecto era desagrável, repulsivo, e morava em um lugar êrmo e sombrio. A anciã tinha fama de usar ervas para fazer feitiços. Muitas moças andavam por lá procurando mandingas para arrumar marido, ou beberagens para se livrar de bebês indesejados. Talvez por isso fosse tolerada pelas beatas que moravam na vila. Todo mundo de alguma forma já havia usado seus serviços.
Enquanto caminhavam pelas estreitas e sombrias veredas, o sol ia morrendo e dando espaço a uma escuridão povoada pelos pios agourentos das corujas.
Finalmente a casinha apareceu para eles. Era apenas o início da noite, mas um véu negro já havia caído sobre a floresta. O único ponto de luz naquele breu vinha de um lampião pendendo da madeira que sustentava as telhas da casa. O vento estava muito forte, e as folhas coloridas do outono faziam volteios espectrais em torno dos visitantes. As árvores balançavam e seus galhos produziam chiados infaustos, como o murmúrio de mil almas lamentando suas dores.
No pequeno rasgo cinzento de céu que podia ser visto acima das copas das árvores, nuvens negras se juntavam anunciando tempestade.
Estavam a menos de um metro da porta quando um grito desumano cortou o ar, seguido de alguns guinchos e estalos, fazendo com que os dois homens recuassem alguns passos.
Outro grito foi ouvido e a casa oscilou como se fosse se partir em pedaços.
Padre Tobias abriu a bolsa e, com as mãos trêmulas, tirou o crucifixo e um vidro de água benta, enquanto a porta da casa se abria lentamente.
Um estrondo foi ouvido e a cabeça da velha bruxa foi rolando até parar nos pés de Tobias, o rosto virado para cima com os olhos arregalados mirando o nada.
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O LIVRO DE SOPHIA
O LIVRO DE SOPHIA
...Não era um gato
preto ou branco
Nem ardiloso
tampouco, manco
era um gato de todo jeito
para Maria
era perfeito...
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Nem ardiloso
tampouco, manco
era um gato de todo jeito
para Maria
era perfeito...
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Sophia arrastou o banco até encostá-lo na estante, subiu com certa dificuldade quase tropeçando no longo vestido, e esticou as pequenas mãos para um livro grosso de capa negra que se projetava um pouco além da borda da prateleira. A mãe estava na cozinha, mexendo em uma panela fumacenta, logo estaria em sua pequena cama e a mãe leria para ela.
- Conte uma história, mamãe! - Falou Sophia, entregando o volume para Hannah.
- Qual história desta vez? A Borboleta Azul? Senhora Dona Joaninha?
- O Gato Merwel! O Gato Merwel!
Hannah Hauser suspirou, passando as mãos molhadas no avental muito branco. Pegou o livro de contos de fadas que sua filha entregava, sentou na cadeira da cozinha e pôs a menina no colo.
- Meu bem, já falamos sobre isso...
- O Gato Merwel, mamãe, por favor.
- Não existe esta história, meu amor.
- Procure, mamãe, no fim do livro.
- Olhe você mesma, meu bem.
- Está aqui, mamãe, olhe - Dizia a menina enquanto passava, com seus dedinhos,várias páginas em branco.
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A MENINA, O PAI, O BEBÊ E UM GATO
...Um dia gato
um dia porco
um dia bode
no outro, corvo
Como é que pode?...
um dia porco
um dia bode
no outro, corvo
Como é que pode?...
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A pessoa que Sophia mais amava na vida era Pedro, o seu pai. Um homem alto e forte, de cabelos castanhos. O Sr. Hauser era lenhador e sempre que saía para trabalhar, levava um lindo machado vermelho em uma bolsa de couro pendurada em suas costas. Sophia queria muito brincar com o machado, mas ninguém deixava.
Sophia, sua mãe, e seu pai se gostavam muito. Quando ele voltava da floresta trazia para ela uma grinalda de flores e colocava em sua cabeça cheia de cachinhos dourados, e frutas frescas para Hannah fazer doces.
A vida dos três era perfeita e feliz.
A menina achava engraçada a barriga grande de sua mãe, e ria quando o pai ficava alisando e dizendo que dali sairia uma surpresa.
Um dia fizeram Sophia ir para a casa da sua avó, e quando ela voltou, quase duas semanas depois, havia um novo habitante. Era um bebê, mas parecia um porco, gordo e rosado, gritando e grunhindo no colo da mãe.
Seus pais, no entanto, pareciam encantados. Pedro até esquecia de trazer presentes para a menina quando chegava do trabalho. Então Sophia levava suas bonecas dentro da cesta de doces da mãe, para brincar entre as árvores. Um dia resolveu seguir o barulho da pancada do machado do pai nas árvores e fazer uma surpresa para ele, mas acabou desistindo ao perceber um pequeno gato entre os arbustos.
Resolveu levar o animal para casa. Colocou na cesta entre as bonecas de pano e foi correndo para mostrar a sua mãe.
Deu ao gato o nome de Merwel, o mesmo do conto de fadas imaginário preferido dela. Passava o dia inteiro levando o bicho para todos os cantos. Hannah só a proibia de entrar com o gato no quarto de Pedrinho. Um pena, pois Merwel vivia pedindo.
Depois do nascimento de Pedrinho, Sophia passava muitas tardes em seu quarto ou na floresta. Quase não participava da vida em família. Quando não havia ninguém por perto, ela e o gato conversavam. Ele lhe ensinava muitas coisas.
Os pais de Sophia não deram muita importância às esquisitices da menina, acharam que era a maneira da filha reagir diante do ciúme que sentia do irmão. Com o tempo tudo ficaria bem.
Uma noite o gato ensinou uma brincadeira para Sophia, e falou que ela devia mostrar para seu irmãozinho, então ela levou uma de suas bonecas para o berço do bebê. Ia mostrar como ela ficava bonita com os cabelos cortados. Na outra mão a menina levava a tesoura da mamãe.
Hannah estava com o marido na cozinha quando viu a filha passando para o quarto de Pedrinho com uma de suas bonecas e a tesoura e correram até lá.
A vida dos três era perfeita e feliz.
A menina achava engraçada a barriga grande de sua mãe, e ria quando o pai ficava alisando e dizendo que dali sairia uma surpresa.
Um dia fizeram Sophia ir para a casa da sua avó, e quando ela voltou, quase duas semanas depois, havia um novo habitante. Era um bebê, mas parecia um porco, gordo e rosado, gritando e grunhindo no colo da mãe.
Seus pais, no entanto, pareciam encantados. Pedro até esquecia de trazer presentes para a menina quando chegava do trabalho. Então Sophia levava suas bonecas dentro da cesta de doces da mãe, para brincar entre as árvores. Um dia resolveu seguir o barulho da pancada do machado do pai nas árvores e fazer uma surpresa para ele, mas acabou desistindo ao perceber um pequeno gato entre os arbustos.
Resolveu levar o animal para casa. Colocou na cesta entre as bonecas de pano e foi correndo para mostrar a sua mãe.
Deu ao gato o nome de Merwel, o mesmo do conto de fadas imaginário preferido dela. Passava o dia inteiro levando o bicho para todos os cantos. Hannah só a proibia de entrar com o gato no quarto de Pedrinho. Um pena, pois Merwel vivia pedindo.
Depois do nascimento de Pedrinho, Sophia passava muitas tardes em seu quarto ou na floresta. Quase não participava da vida em família. Quando não havia ninguém por perto, ela e o gato conversavam. Ele lhe ensinava muitas coisas.
Os pais de Sophia não deram muita importância às esquisitices da menina, acharam que era a maneira da filha reagir diante do ciúme que sentia do irmão. Com o tempo tudo ficaria bem.
Uma noite o gato ensinou uma brincadeira para Sophia, e falou que ela devia mostrar para seu irmãozinho, então ela levou uma de suas bonecas para o berço do bebê. Ia mostrar como ela ficava bonita com os cabelos cortados. Na outra mão a menina levava a tesoura da mamãe.
Hannah estava com o marido na cozinha quando viu a filha passando para o quarto de Pedrinho com uma de suas bonecas e a tesoura e correram até lá.
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UMA SOMBRA NA PAREDE
...O gato estava em toda parte
e em parte alguma, estava não
No telhado
Na janela
No fogão
Ele estava
flutuando
sobre o chão...
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Hannah andava dormindo pouco. Desde o episódio com a tesoura não conseguia mais ficar tranquila. À noite trancava a porta do quarto da filha e passou a observá-la com atenção. Pensou em mandar Sophia novamente para a casa de sua mãe, mas a menina não gostava da avó, e o marido não permitia, era muito apegado à filha.
Mesmo sob as criticas de Pedro, a mulher ficava sempre seguindo os passos de Sophia, especialmente quando a menina estava em sua cama, conversando com aquele gato preto. Era um animal comum: pequeno, de pelos longos e olhos verdes, mas Hannah não era indiferente a ele, como era aos coelhos que criava no viveiro.
Embora estivesse sempre com a sua filha, o gato também parecia estar em todas as partes da casa, como uma presença insidiosa, maligna, observando sua família, rondando o quarto do bebê...
Uma noite, enquanto estava macerando caroços de milho para fazer um pão, percebeu o gato deitado sobre o fogão, olhando para ela. Por um momento rápido achou que seus olhos a fitavam vermelhos, incandescentes e cheios de ódio. A luz do candeeiro, balançando com a leve brisa que entrava pela janela, projetava uma sombra assustadora como se o gato fosse um demônio de longos chifres se movendo pela parede branca da cozinha.
Dias depois, Hannah acordou com uma sede terrível, esticou o braço até a mesinha para pegar o pequeno pote de barro, mas ele estava vazio. Com cuidado para não acordar o marido, deslizou para fora da cama e saiu com passos leves até o grande pote de água.
De passagem pelo quarto da filha percebeu que a porta, que ela havia trancado no começo da noite, estava aberta e que a vela ao lado da cama estava acesa.
- Pedro! - Pensou, imaginando que aquilo era obra do esposo, que sempre discordou em manter a menina trancada durante a noite.
Ao se aproximar do quarto da filha, viu que a menina estava sentada de pernas cruzadas e conversava com Merwel. Já ia entrar, colocá-la para dormir e apagar a vela, quando percebeu, estarrecida, que o gato estava respondendo à conversa da menina.
O gato sussurrava numa língua estranha, com uma voz semelhante ao cicio de uma serpente. Hannah ficou tão apavorada que deixou cair o copo da mão fazendo com que os dois virassem para ela.
Horas depois ela acordou na própria cama. A sede fazia a sua garganta arder. Afinal, parecia que a cena da noite anterior havia sido um terrível pesadelo. Tudo estava normal, a não ser pelas marcas de unhas em suas costas e braços.
Mesmo sob as criticas de Pedro, a mulher ficava sempre seguindo os passos de Sophia, especialmente quando a menina estava em sua cama, conversando com aquele gato preto. Era um animal comum: pequeno, de pelos longos e olhos verdes, mas Hannah não era indiferente a ele, como era aos coelhos que criava no viveiro.
Embora estivesse sempre com a sua filha, o gato também parecia estar em todas as partes da casa, como uma presença insidiosa, maligna, observando sua família, rondando o quarto do bebê...
Uma noite, enquanto estava macerando caroços de milho para fazer um pão, percebeu o gato deitado sobre o fogão, olhando para ela. Por um momento rápido achou que seus olhos a fitavam vermelhos, incandescentes e cheios de ódio. A luz do candeeiro, balançando com a leve brisa que entrava pela janela, projetava uma sombra assustadora como se o gato fosse um demônio de longos chifres se movendo pela parede branca da cozinha.
Dias depois, Hannah acordou com uma sede terrível, esticou o braço até a mesinha para pegar o pequeno pote de barro, mas ele estava vazio. Com cuidado para não acordar o marido, deslizou para fora da cama e saiu com passos leves até o grande pote de água.
De passagem pelo quarto da filha percebeu que a porta, que ela havia trancado no começo da noite, estava aberta e que a vela ao lado da cama estava acesa.
- Pedro! - Pensou, imaginando que aquilo era obra do esposo, que sempre discordou em manter a menina trancada durante a noite.
Ao se aproximar do quarto da filha, viu que a menina estava sentada de pernas cruzadas e conversava com Merwel. Já ia entrar, colocá-la para dormir e apagar a vela, quando percebeu, estarrecida, que o gato estava respondendo à conversa da menina.
O gato sussurrava numa língua estranha, com uma voz semelhante ao cicio de uma serpente. Hannah ficou tão apavorada que deixou cair o copo da mão fazendo com que os dois virassem para ela.
Horas depois ela acordou na própria cama. A sede fazia a sua garganta arder. Afinal, parecia que a cena da noite anterior havia sido um terrível pesadelo. Tudo estava normal, a não ser pelas marcas de unhas em suas costas e braços.
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O CONTO EM BRANCO
...Uma noite o gato
virou um lobo
disse: ninguém
me faz de bobo
O CONTO EM BRANCO
...Uma noite o gato
virou um lobo
disse: ninguém
me faz de bobo
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Quando Hannah tocou na pele do filho para retirá-lo do berço, percebeu que estava queimando em febre. Era um domingo, e todos deveriam ir para a missa, mas com Pedrinho daquele jeito era melhor pedir para o marido trazer um benzedor para ver o bebê, quando voltassem da vila.
Pedrinho deu trabalho para se alimentar. Ainda conseguiu fazer com que a criança bebesse três dedos do mingau e não insistiu mais, com receio de que ele vomitasse o pouco que havia bebido.
Ficou passeando pela casa com o bebê, e dando pequenos tapinhas em suas costas. Quando entrou na sala, viu que o livro de contos da filha estava caído no chão. Achou engraçado que nunca conseguisse lembrar de como aquele livro havia chegado em sua casa. Pegou o livro e já ia colocá-lo em sua estante quando se lembrou da história que a filha vivia insistindo para que ela contasse: O Gato Merwel.
Colocou Pedrinho já adormecido em seu berço e sentou perto da mesa da cozinha para procurar a tal história. Mas já sabia que não iria encontrar. De acordo com o índice deveriam haver treze contos no livro, mas apenas doze apareciam, no lugar do décimo terceiro, apenas três folhas brancas, sem palavras ou imagens.
Ouviu o bebê chorar muito alto, correu até seu quarto e lá estava o gato, dentro do berço, mordendo os dedinhos ensanguentados do seu filho.
Hannah tirou o gato de cima do filho e o atirou contra a parede, então ele saiu correndo para fora da casa, sumindo por entre as árvores da floresta.
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LEMBRE-SE DE MIM
e quando em casa
Maria chegou
o seu paizinho
ela não encontrou...
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e quando em casa
Maria chegou
o seu paizinho
ela não encontrou...
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O ensopado de coelho esfriava na panela sobre o fogão. Hannah olhava, insistentemente, para a janela, esperando a chegada do marido, da filha e do benzedor.
Eram três horas da tarde e normalmente, aos domingos, Pedro voltava da missa antes do meio-dia.
Hannah se levantou para pegar o bebê no berço, quando ouviu fortes pancadas em sua porta, como se alguém desse pontapés nela. Não podia ser o seu marido. Pegou o machado que Pedro guardava atrás do armário, e olhou lá para fora por uma pequena falha na madeira da porta.
Era Sophia. E ela estava sorrindo.
Hannah abriu a porta para a filha e estranhou que estivesse sozinha. A menina trazia um ramalhete de flores e o entregou para a mãe.
- Estas flores são do seu pai? Onde ele está?
- Não sei, mamãezinha...
- Quem colheu estas flores?
- Foi o Merwel...
- O gato?
- Não... O lobo...
...
- Ele me mandou um recado para você.
- Que recado?
-Lembre-se de mim.
Oh, sim, Hannah lembrava. Finalmente ela lembrava de tudo. Um oceano de imagens terríveis passava com uma velocidade de folhas de um livro viradas por um vendaval...
Eram três horas da tarde e normalmente, aos domingos, Pedro voltava da missa antes do meio-dia.
Hannah se levantou para pegar o bebê no berço, quando ouviu fortes pancadas em sua porta, como se alguém desse pontapés nela. Não podia ser o seu marido. Pegou o machado que Pedro guardava atrás do armário, e olhou lá para fora por uma pequena falha na madeira da porta.
Era Sophia. E ela estava sorrindo.
Hannah abriu a porta para a filha e estranhou que estivesse sozinha. A menina trazia um ramalhete de flores e o entregou para a mãe.
- Estas flores são do seu pai? Onde ele está?
- Não sei, mamãezinha...
- Quem colheu estas flores?
- Foi o Merwel...
- O gato?
- Não... O lobo...
...
- Ele me mandou um recado para você.
- Que recado?
-Lembre-se de mim.
Oh, sim, Hannah lembrava. Finalmente ela lembrava de tudo. Um oceano de imagens terríveis passava com uma velocidade de folhas de um livro viradas por um vendaval...
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O FEITIÇO DO ESQUECIMENTO
O FEITIÇO DO ESQUECIMENTO
Gritou: mamãe!
e nada dela
viu sua cabeça
numa janela
E o irmãozinho
Numa panela
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As primeiras luzes da manhã entravam pelas frestas das telhas, espalhando pontos brilhantes pelo chão empoeirado da casa marrom, a jovem que dormia abriu os olhos com relutância e pensou em tudo que ainda tinha para fazer. Deixou dolorosamente a maciez de sua cama, prendeu o longo cabelo e levantou, afinal, caminhando com os pés descalços sobre o piso gelado até a cozinha.
Em pouco tempo a lenha já estalava sob uma panela de cobre - àgua para o banho antes que as crianças acordassem. Pegou uma grande toalha branca, e despiu toda a roupa. Era o final do outono e o vento frio entrava como pequenas lâminas se espalhando pela casa, fazendo com que seu corpo estremecesse até entrar completamente na tina de ferro e se abandonar ao conforto da água fumegante.
Logo que a água começou a esfriar, ela se enxugou, vestiu a longa bata branca rendada, afiou a faca no fundo de uma xícara e foi até o porão.
Sete pares de olhos brilharam na escuridão. Quando o alçapão abriu, as crianças se agitaram com aquela súbita explosão de luminosidade no quarto e fizeram caretinhas franzindo o semblante.
O odor do confinamento contrastava com o cheiro dos cabelos recém lavados de Maria. Chegara a hora. Depois de três dias sem comer ou beber água as crianças estavam bastante fracas e não iriam oferecer resistência. Chamou primeiro a mais velha das sete. Subiram as escadas em silêncio. Maria fechou o alçapão encerrando as outras lá embaixo.
Algumas horas depois a moça com as vestes ensopadas de sangue mexia um tacho com um caldo vermelho e borbulhante, onde flutuavam sete corações puros.
A velha bruxa Martha ao seu lado aguardava enquanto ela bebia o conteúdo aos poucos com evidente asco.
- Beba menina, beba, e tudo será esquecido.
- Será esquecido por ele?
- Não, apenas por você. Mas será o suficiente, ele não pode cobrar a dívida de uma alma inocente.
Logo que a água começou a esfriar, ela se enxugou, vestiu a longa bata branca rendada, afiou a faca no fundo de uma xícara e foi até o porão.
Sete pares de olhos brilharam na escuridão. Quando o alçapão abriu, as crianças se agitaram com aquela súbita explosão de luminosidade no quarto e fizeram caretinhas franzindo o semblante.
O odor do confinamento contrastava com o cheiro dos cabelos recém lavados de Maria. Chegara a hora. Depois de três dias sem comer ou beber água as crianças estavam bastante fracas e não iriam oferecer resistência. Chamou primeiro a mais velha das sete. Subiram as escadas em silêncio. Maria fechou o alçapão encerrando as outras lá embaixo.
Algumas horas depois a moça com as vestes ensopadas de sangue mexia um tacho com um caldo vermelho e borbulhante, onde flutuavam sete corações puros.
A velha bruxa Martha ao seu lado aguardava enquanto ela bebia o conteúdo aos poucos com evidente asco.
- Beba menina, beba, e tudo será esquecido.
- Será esquecido por ele?
- Não, apenas por você. Mas será o suficiente, ele não pode cobrar a dívida de uma alma inocente.
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Maria acordou no meio da floresta sem saber quem era. Prendeu os longos cabelos que se espalhavam sobre a relva e percebeu uma sacola ao seu lado com algumas roupas, um odre de água e estranho livro preto. Na capa havia uma figura de árvore ressequida em alto relevo e acima dela a gravura de um gato de olhos verdes.
Estava começando a folhear as páginas quando uma sombra se projetou sobre o seu corpo. Olhou para cima e viu um homem alto segurando um machado.
- Meu nome é Pedro e o seu?
- Hannah - falou Maria inventando um nome qualquer pois não sabia mais qual era o verdadeiro.
Maria acordou no meio da floresta sem saber quem era. Prendeu os longos cabelos que se espalhavam sobre a relva e percebeu uma sacola ao seu lado com algumas roupas, um odre de água e estranho livro preto. Na capa havia uma figura de árvore ressequida em alto relevo e acima dela a gravura de um gato de olhos verdes.
Estava começando a folhear as páginas quando uma sombra se projetou sobre o seu corpo. Olhou para cima e viu um homem alto segurando um machado.
- Meu nome é Pedro e o seu?
- Hannah - falou Maria inventando um nome qualquer pois não sabia mais qual era o verdadeiro.
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O ACORDO
O ACORDO
Falou
- Oh gato
isso não se faz!
Quem é você?
- Sou satanás!
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- Oh gato
isso não se faz!
Quem é você?
- Sou satanás!
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A jovem orfã caminhava pela praça apinhada de carroças. Por todos os lados homens vestidos com roupas coloridas anunciavam seus produtos: garrafas contendo remédios milagrosos, animais estranhos em suas gaiolas, fitas, tecidos, e comida.
As bancas com tortas de linguiça e apfelstrudel acabadas de assar espalhavam cheiros variados e deliciosos por todos os lados. Mas sempre que tentava se aproximar de algum tabuleiro, sua aparência miserável fazia com que fosse enxotada. Rodou entre as carroças inebriada, um pouco tonta de fome e sede. Acabou se cansando e deitando em um banco de madeira feito de tronco que estava, milagrosamente, desocupado e adormeceu.
Acordou na manhã seguinte com a pressão da ponta de uma bengala de um homem com roupas espalhafatosas cutucando o seu rosto.
- Está com fome? - Falou o homem, estendendo para ela uma grossa fatia de torta de leitão e um grande copo de água fresca.
A menina nem se deu ao trabalho de responder, pegou a comida e foi dando mordidas nervosas e grandes goles, quase engasgando durante a refeição.
Depois ele esquentou a água para que ela se banhasse e oferceu o próprio quarto forrado de almofadas de cetim bordadas com fios dourados para que trocasse os velhos trapos por um vestido verde da cor de musgo, apanhado na cintura por um cinto com um alfinete de esmeraldas.
Quando o homem entrou, mal reconheceu a mendiga a quem dera abrigo.
- Belíssima!
- Nada disso seria possível sem a sua generosidade. Infelizmente logo o senhor partirá com as outras carroças e eu voltarei a minha vida desgraçada.
- E o que me daria em troca de uma vida de confortos e prazeres?
- Minha alma! - Falou a garota, gargalhando.
- Realmente? Sorriu o estranho pegando um rolo de papel de dentro de um vaso de cristal.
Cinco anos, era o que estava escrito no papel. Cinco anos. Parecia muito tempo, mas passou voando. A vida de luxos e festas encantou a moça. Tudo era farto e brilhante. Odres de vinho, salvas de prata cheias de finas iguarias, muitos aduladores falando de sua graça, inteligência, cultura. Quando Maria deu por si, tinha apenas um mês para saldar sua dívida.
Já não era a mesma. O encontro com seu fatídico fim a apavorava. Aos poucos as pessoas iam deixando de frequentar a sua casa, como se adivinhassem a aproximação da desventura. Passou a temer a solidão e os olhos do mal que a espreitavam no escuro. Quinze dias antes do prazo final, foi à procura da única pessoa que poderia lhe ajudar.
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O DIA DO GATO
O que quer, gato?
Vim te pegar
e a tua alma
ao inferno, arrastar.
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O DIA DO GATO
O que quer, gato?
Vim te pegar
e a tua alma
ao inferno, arrastar.
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Depois de lembrar de quem realmente era, Hannah saiu de seu torpor. Ela sabia que não havia mais nada a ser feito, mas ainda assim resistiria. Olhou pela janela e viu várias aves negras pousadas do lado de fora. Aqueles corvos crocitando em sua cerca eram um vaticínio de morte. Pegou um saco de sal e saiu espalhando ao redor da casa. Soltou todos os coelhos para que tivessem alguma chance. Pegou a madeira que havia no quintal e pregou nas janelas e portas. Saiu procurando Sophia pela casa, mas não a encontrou. Devia estar brincando de se esconder em algum lugar.
Então foi ao quarto do filho pequeno e o tirou do berço. Não havia para onde correr. Cedo ou tarde Merwel chegaria, varreria todo o sal espalhado com o primeiro sopro, e com o segundo arrancaria as tábuas das portas.
Os minutos passavam e ela apenas desejava que o marido não aparecesse. Ele nunca soube quem era a própria esposa, e não tinha culpa de nada, assim como seus pequenos filhos.
Percebeu que o monstro havia chegado. Lá fora ele rondava a casa ruidosamente, derrubando árvores e arranhando o chão com suas garras. Seus passos produziam tremores nas estruturas da casa e seu urro gelava a espinha de Hannah.
Faltava pouco.
Ouviu, então, um barulho de algo se rachando, e viu que a luz do sol entrava em sua casa. O telhado foi arrancado todo de uma vez como se fosse feito de papel. A mão com garras gigantescas puxou seu corpo para o alto fazendo com que derrubasse o bebê no chão. Ainda teve tempo de ver a filha chegar no quarto e olhar para cima, sorrindo.
Um pouco mais tarde Pedro chegou. Sophia o esperava no que sobrara da porta da cozinha. Hannah havia sumido, e pelo estado da casa ele imaginou que não iria vê-la novamente. O bebê havia sofrido algumas escoriações e tinha um edema feio na testa, mas, milagrosamente, seus filhos ainda estavam vivos. Como a casa não tinha mais telhado e eles tiveram que dormir no viveiro dos coelhos. No dia seguinte, logo cedo, a menina acordou o pai.
- Bom dia, filhinha, você está com fome?
- Não, paizinho.
- O que você quer, meu amor?
- Pode ler uma historinha para mim?
- Claro, princesa, qual você quer?
- O Gato Merwel - Disse a menina entregando o livro preto de contos de fadas para o pai.
Então foi ao quarto do filho pequeno e o tirou do berço. Não havia para onde correr. Cedo ou tarde Merwel chegaria, varreria todo o sal espalhado com o primeiro sopro, e com o segundo arrancaria as tábuas das portas.
Os minutos passavam e ela apenas desejava que o marido não aparecesse. Ele nunca soube quem era a própria esposa, e não tinha culpa de nada, assim como seus pequenos filhos.
Percebeu que o monstro havia chegado. Lá fora ele rondava a casa ruidosamente, derrubando árvores e arranhando o chão com suas garras. Seus passos produziam tremores nas estruturas da casa e seu urro gelava a espinha de Hannah.
Faltava pouco.
Ouviu, então, um barulho de algo se rachando, e viu que a luz do sol entrava em sua casa. O telhado foi arrancado todo de uma vez como se fosse feito de papel. A mão com garras gigantescas puxou seu corpo para o alto fazendo com que derrubasse o bebê no chão. Ainda teve tempo de ver a filha chegar no quarto e olhar para cima, sorrindo.
Um pouco mais tarde Pedro chegou. Sophia o esperava no que sobrara da porta da cozinha. Hannah havia sumido, e pelo estado da casa ele imaginou que não iria vê-la novamente. O bebê havia sofrido algumas escoriações e tinha um edema feio na testa, mas, milagrosamente, seus filhos ainda estavam vivos. Como a casa não tinha mais telhado e eles tiveram que dormir no viveiro dos coelhos. No dia seguinte, logo cedo, a menina acordou o pai.
- Bom dia, filhinha, você está com fome?
- Não, paizinho.
- O que você quer, meu amor?
- Pode ler uma historinha para mim?
- Claro, princesa, qual você quer?
- O Gato Merwel - Disse a menina entregando o livro preto de contos de fadas para o pai.
Iolanda Pinheiro
B
B
TEMAS: CRIATURAS DO INFERNO, CONTOS DE FADAS E ANIMAIS DOMÉSTICOS.