O Quadro Vermelho

"Um gênio não copia nada,de lugar algum,e se quer saberia dar explicações a respeito de suas criações,de como faz os seus quadros,como elabora suas obras-como atua diante de suas criações... os seus desenhos...simplesmente faz,feito Deus..Um gênio,é um gênio...um Deus que cria..."

Refletia assim,enquanto circulava pelo seu atelié improvisado no modesto,porém,largo apartamento herdado de sua mãe,num bairro popular da grande metrópole.Uma revoada de morcegos desfilava diante de uma das janelas.A igreja-num estilo copiado do gótico da idade média- ficava adiante reforçando a imagem sombria da noite.Era alta,de torres elevadas e tinha um aspecto sombrio na textura de sua composição estrutural.Todas as noites,dali partia uma grande nuvem de morcegos negros,que revoava,de forma circular suas torres,o telhado, e seguia em direção desconhecida em busca de alimentos-talvez,sangue fresco dos incautos.

Estava desempregado.Sem ter como manter a casa.A conta de água,a conta de luz,o mercado.A namorada havia ido embora com um dos seus melhores amigo.Pensava,com os seus botões:" quero ser um gênio da pintura.Mesmo que tenha que pagar um preço elevado."

Estava pagando.Vivia isolado,afastado da família.Tinha necessidades-mas,nada pedia.Sofria,de forma orgulhosa-calado e solitário.Ninguém via as suas lágrimas,ninguém ouvia o soluço dos seus choros.

" Belo é o objeto de uma satisfação desinteressada"." Dizia Kant."

Havia deixado a bebida de lado.Frequentava as reuniões semanais de uma irmandade internacional que promovia a abstinência alcóolica. Não bebia mais refrigerantes.Dizia que tomar um refrigerante de 250 ml era o mesmo que consumir cerca de 7 colheres de açúcar.A maconha,também havia sido deixada de lado.Não cheirava mais pó.Comparecia às semanais reuniões do NA( narcóticos anônimos-uma irmandade internacional que ajuda as pessoas a se manterem limpas,livres do consumo de drogas.Não bebia,não usava drogas mais,e se quer namorava.Nada de abraços, e apertos numa mulher.O cheiro de tinta fresca tomava o ambiente. Havia alguns quadros pintados,com o secante ainda fresco." O gênio produz sem regras.Não imita,é original."

Sorveu fartos goles de água.A tensão era visível na sua expressão facial.O quadro que estava sendo elaborado foi jogado ao chão,com fúria.Era uma imitação barata de uma tela representativa de marinha. Barcos,o mar,a areia da praia,o céu azul.Pisou,com fúria no quadro.Quebrava a tela.Esfregava o solado do calçado na superfície,e dizia aos berros:"não há mais nada para se fazer...não há mais nada de novo. Ja criaram tudo,tudo...tudo.... pintar uma praia,barcos,o mar,um céu azul...uma merda,uma bosta. Pintar um retrato,um casario,uma natureza morta...pintar um casario,o interior de uma igreja secular...ALMEIDA." Gritava,de forma estridente o nome do grande artista que pintara inúmeras igrejas-interiores formidáveis-de pincelas seguras,rítmcas feito a mais talentosa bailarina.

Mormurava,de forma desequilibrada os nomes dos maiores da pintura ao longo dos séculos:" "Renoir...Miguelângelo..Rembrant...Loutrec...Degas...e,depois surgem Picasso...Até mesmo Leonardo Da Vince...."

Olhou para a janela.A imitação da igreja gótica permanecia incólume,diante dos seus olhos que lacrimejavam.O suor lhe banhava o cenho.Mãos nervosas,de punhos fechados. Os pincéis caiam pelo chão.Tubos de tintas se espalharam.A exposição estava marcada.Seria mais uma exposição-"como as demais".Não passaria de mais um operário do traço,das cores em busca do pão.Diria o mesmo para a imprensa.As mesmas fotos das telas.Uma página de jornal que seria lido por poucos.Uma matéria de televisão que seria vista por quase ninguém." O público de televisão so assiste porcarias:novelas e programas policiais,de baixa qualidade..."

" O Gênio produz sem que se tenha uma regra determinada-com explicações fáceis,aceitáveis."

"Dizia Kant."

"Não se aceita uma regra que explique a criação da bela arte.Bela arte so é possível como produto de gênio-uma genialidade inata( ingenium)."

Jogou as latas de tintas pela janela do apartamento,de forma nervosa.Deu preferência pelas embalagens maiores.As tintas caiam num espaço único no chão formando um espaço colorido.O apartamento estava a poucos metros de altura,sendo assim conseguia controlar o espaço a ficar colorido.Bastante cores se esporravam no solo formando centenas de gotas coloridas.

" Bela arte é coisa considerada de gênio."

"Kant, o filho da puta assim considerava."

Atirou-se no centro das tintas.Caiu de forma seca,e ali morreu.Foi uma boa queda.Tinha mais de 70 kg,em queda livre em cerca de mais ou menos 12 m de altura,o seu peso quase dobrou numa morte eficiente e indolor.Ali morreu sujo de sangue e de tintas.De várias cores.Era uma cena sinistra ,mórbida e bela.Sabia que jamais seria imitado por outro pintor.Havia o consolo da certeza de que seria original o bastante na sua opção de morte artística,com bastante cores ao redor,fosse bem original,uma bela arte.O vermelho do sangue tingia o chão em volta do cadáver. Formou o desenho de duas asas que ficaram em volta do seu cérebro que havia voado para fora da caixa craniana-devido o choque com o solo-formando o desenho de uma borboleta cinza,de asas vermelhas.Uma obra de arte,de valor considerável.A revoada de morcegos se apresentava,talvez quisesse o seu sangue- ou seria uma simples volta para a morada das torres de imitação de igreja gótica.A lua cheia,num clichê óbvio,desnudou-se de cinzas nuvens e ilustrava aquela noite sinistra que retratava a mais original bela obra de arte daquele exigente artista plástico.Um quadro vermelho, cuja cor ocre era do seu sangue. Uma verdadeira obra de arte monocromática.Um quadro vermelho.

LG

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 02/11/2016
Reeditado em 06/10/2017
Código do texto: T5811254
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