O BOM LUCIFER
A chuva mal caia e os carros já deixavam suas marcas nos asfaltos molhados. Corria pela rua a procura da próxima vítima. E quem olha para mim pensa que sou normal. E eu sou mesmo normal. Tenho 1:75, 65 Kg, 42 anos. Cabelos e olhos castanhos. Uso cavanhaque. Nem sempre fumo mas gosto muito de beber. As vezes sinto dor de barriga mas só quando o estômago está vazio ou também de tanto comer sanduíche. Tenho só dois pares de sapato numero 41 sendo um deles um Tennis Reebook. Sempre a mesma maltrapilha e surrada camiseta pólo, e o velho desdentado pente no bolso. Tomo umas pílulas que um médico me receitou mas nem sei onde foi parar a receita. Comprei este vidro a tanto tempo. Só tomo quando me dá vontade ou quando me lembro, ou por costume. Gosto de estar perto das vítimas. É um prazer enorme, algo que me toma e me agrada. Sinto desejo crescente. Comer? Para que? É só tomar remédio.
Quando pequeno ajudava meu pai na fazenda. Meu pai. Veio do interior na cidade grande. Se deu mal e acabou voltando para o interior. Conheceu minha mãe no caminho e num delírio compraram a Fazenda Água de Sant'Anna, fica uns 400 km de São Paulo Capital. Minha mãe, coitada, só cuidava dos meus outros dez irmãos, oito homens e duas mulheres. Eu nunca me inclui com o resto. Comigo éramos onze. Eu sou o mais velho. Minha infância nunca foi cuidar deles. Eu ficava com meu pai. O matadouro era meu lugar preferido. Todos aqueles porcos pendurados. Afiava a faca pessoalmente.
A faca. Penetrando aquela carne fraca, o coração sentindo a ponta da lamina convidando ... parada súbita. A morte rondando o cérebro. O sangue espirrando quente ainda no meu rosto. Como gostava de sentir o vermelho manchar meus lábios escorregando garganta adentro. E a cor então? O brilho do metal no sol quente do interior com o vermelho vivo, muito vivo mais frio que o chão daquela terra quente.
Foi lá que matei minha mãe. Matei sem querer. Brigando com um dos irmãos peguei a faca e só num corte matei um. Antes de matar outro, ela chegou e não pude segurar. Acabei matando ela também.
Fugi. Meu pai ficou três dias me procurando na mata. Matei muito bicho para chegar em São Paulo. Quando cheguei em São Paulo fui procurar ser policial. O pessoal disse que tinha lugar numa divisão especial. Virei torturador do DOI/CODI. Aprendi todas as maneiras de enfiar uma faca na cabeça. A melhor delas é atrás da orelha subindo em direção ao centro da cabeça. Gosto bastante daqueles que morrem lentamente. Converso com a morte deles. A vida grita de pânico. Fui aprendendo a gostar de matar. Tive bons professores na 21a Delegacia. Cada um tinha sua maneira de matar. A faca sempre foi minha companheira. Revolver é para os covardes.
Hoje não torturo mais, só mato. Ando sozinho. Mato tudo. Os cachorros dos bêbados, os bêbados e os não bêbados também. Olho nos olhos da vítima. Se a vida brilha nos seus olhos, é um convite. A morte é meu oficio, minha vida. Não consigo viver sem ela. Como quer morrer? Não te preocupe. Eu te matarei. Morra. Viva eternamente em paz.