A Criatura aos pés da cama
Um mês depois da morte dela a paranoia tomou conta de mim.
No começo achava que ela havia enlouquecido, dizia que o demônio a visitava durante a noite, que ficava sentado aos pés da cama a observando. Varias consultas com psiquiatras e quilos de medicamentos não adiantaram. Ela passou a morar em minha casa, mas também não adiantou. Varias noites acordei assustado e corri para seu quarto por causa dos gritos, nunca havia ouvido tamanho terror expressado em um grito.
Certa noite entrei desesperado em seu quarto certo de que ela realmente estava sendo atacada e a encontrei encolhida em um canto, seu rosto lavado de lagrimas, tinha perdido o controle da bexiga, algumas vezes perdia até o do esfíncter. Coitada!
Houve uma noite calma em que levantei tranquilo e fui vê-la. Encontrei-a debruçada sobre a mesa da cozinha, frascos de remédio vazios espalhados no chão, uma espuma amarelada saindo da boca. Estava morta, minha irmãzinha, eu a havia criado praticamente sozinho. Ela já tinha 28 anos, mas ainda era a caçulinha, eu a protegia, eu era seu pai, sua mãe e seu irmão mais velho, eu a amava.
Após isso comecei a pesquisar sobre seus distúrbios, encontrei vários casos semelhantes que datavam de varias épocas desde séculos atrás. A internet estava cheia de historias parecidas com a da minha Irma, a grande maioria estava naqueles sites de teoria da conspiração ou em sites esotéricos. Uma criatura sobrenatural de feiura indizível costumava invadir o quarto das pessoas à noite e observa-las dormir, os que tinham o azar de acordar naquele momento enlouqueciam ao ver o monstro encarando-as na penumbra do quarto.
Minha esposa já estava preocupada comigo, eu não fazia nada a não ser pesquisar sobre o tema, comecei a acreditar na criatura. Treinava corpo e mente na esperança de um dia encontrar a besta que fez minha irmãzinha se suicidar, e vingar sua morte.
Essa noite eu tive essa chance.
Pra minha sorte estava frio, então estávamos bem cobertos e isso me ajudou muito. Devia ser alta madrugada, não sei a hora ao certo, acordei quando senti que alguém se sentava aos pés da cama. Aprendi a manter o sono leve nas aulas de meditação que fiz a fim de enfrentar a criatura, estava de costas para minha esposa, mas sentia que ela estava deitada ali, suas pernas encostavam-se às minhas.
No momento em que senti alguém sentado aos pés da cama senti também minha esposa se mexer incomodada, logo em seguida seu corpo ficou tenso, os tendões pereciam esticados, então senti a urina dela esquentar minhas pernas. A criatura estava ali.
Eu tinha lido em algum lugar que a coisa parecia ler as mentes das suas vitimas, por isso fui às aulas de meditação. Aprendi a esvaziar a mente, fixar o pensamento em algo inútil como água gotejando em um balde meio vazio ou a clássica parede de tijolos. Aprendi a pensar com o fundo da mente, onde talvez, se a criatura realmente fosse telepata, não conseguiria ler os meus planos. O fato é que exercitei tudo que aprendi naquelas aulas, e funcionou.
Senti que a única coisa que impedia minha esposa de soltar um berro desesperado era o enorme pavor que tomava conta dela. Deslizei a mão por baixo do travesseiro, me movimentando como se estivesse espreguiçando antes de acordar. Uma faca de caça com uma lamina de 22 centímetros repousava ali todas as noites esperando aquele momento. Com a faca em punho, num movimento de agilidade que até hoje me é desconhecido, eu joguei as cobertas sobre a criatura. Fiz isso por dois motivos. Pode-se pensar que meu primeiro intuito foi o de bloquear a visão da besta para eu poder atacá-la, mas essa foi na verdade minha segunda intenção. O primeiro objetivo foi impedir que eu visse a besta, pois sei que o medo não me permitiria lutar contra o demônio, as pessoas urinavam-se só de olhar para a anti-naturalidade daquilo, de modo que decidi não lhe dar essa arma contra mim.
Pulei sobre ele tentando aplicar-lhe uma “gravata” onde eu imaginava ser o pescoço do bicho. Agarrei-me com todas as forças enquanto desferia desenfreadamente as facadas onde devia estar o rosto, não posso descrever o grito que a coisa emitia ou o pavor que aquele som me fazia sentir. Meu braço golpeava automaticamente, como se tivesse vida própria, fiz um feio corte no meu próprio punho e nem percebi. A faca se enterrava profundamente na cabeça do demônio e, depois do que me pareceu uma eternidade, o bicho cambaleou e caiu imóvel no chão. Estava morto.
Parecia que um furacão havia devastado o quarto, não tive coragem de mexer no bolo de cobertas aos meus pés, que a policia tivesse esse desprazer. Minha esposa estava desmaiada na cama e mesmo desacordada a expressão de horror em sua face era inconfundível. Ouvi as sirenes ao longe, algum vizinho deve ter ouvido a bagunça e chamado a policia. Um tempo depois dois caras grandes e uniformizados entraram no quarto, me algemaram e atenderam minha esposa desacordada. Um deles resolveu investigar o que havia sob as cobertas esfarrapadas e vomitou no chão.