A Morte como Mensageira
Ele estava correndo à muito tempo? Quanto tempo? Não tinha certeza. Oh Deus! O quê era aquela coisa? Aquilo matou todo mundo. Joe tinha acertado a coisa com um fuzil Galil-03. Podia destruir um carro, mas a coisa só foi arremessada para trás e logo levantou, desviou do outro tiro e depois a cabeça do Joe voou pela sala. Todos mortos. Quando acertavam a coisa ela levantava ou nem caía. Em poucos segundos todos menos ele estavam mortos. A coisa parecia querer deixa-lo para o fim. Iria levar a pior. Conseguiu fugir. O metrô está perto. É a sua chance de fugir. Dane-se a roleta!! Ah! O metrô já está vindo! Ótimo! Não viu a coisa o seguindo, mas era melhor não confiar. A essa hora da madrugada a estação está praticamente vazia. O metrô chegou. Agora era só ir até o centro da cidade e sumir por uns tempos.
O vagão chega. Pára. A porta se abre.
A coisa está lá.
A roupa, negra como a noite, o tornava ainda maior.
Embaixo do chapéu, dois pequenos pontos vermelhos emanavam uma luz fria.
Rick sente uma mão ressecada lhe apertar a garganta. Sabe que agora está tudo acabado. Em seu desespero, Rick derruba o chapéu.
Céus. O rosto DE CADÁVER. Como uma caveira, com pele cinza, seca, esticada sobre ossos escurecidos. Algo na mente de Rick raciocina, ainda com um resquício de realidade. Uma máscara, só pode ser. Mas e os tiros? Nenhum colete do mundo agüentaria aquilo.
Não conseguia se livrar daquela mão. A coisa parecia adivinhar que Rick se agarrava a sanidade. Então a coisa abriu o casaco e revelou seu interior, literalmente.
Apenas ossos escurecidos, Apenas isso.
Rick sentiu sua sanidade escapando por entre seus dedos como água. Quer gritar, mas algo além da mão inflexível em sua garganta o impede.
A boca horrenda se abre e de seu interior, como do interior de uma caverna, uma voz sombria começa a falar:
-Eu odeio gente como você, Ricardo. Gente que coloca veneno nas veias de crianças. Trouxe justiça para seus amigos, e poderia trazer para você, mas alguém precisa viver. Mesmo que seja um bostinha como você.
Loucura pura. A coisa então pegou a mão de Rick. A direita. E com um breve apertão, a esmagou.
- Agora escute muito bem. Tudo que você tem a fazer é enlouquecer. Não vai me decepcionar, vai? Venha, vamos pra casa.
De repente, tudo que Rick poderia lembrar, era de ser encontrado pela polícia junto com os corpos de seus companheiros na casa onde eles embalavam a cocaína. Mas, aonde estava não lembraria de nada. Tudo que podia dizia era "ossos" e repetia essa palavra incessantemente cada vez que os enfermeiros do "Hospital Psiquiátrico Memorial" vinham alimenta-lo e limpar sua sela acolchoada.
Japão. 17/04/1854. Cidade de Edo
Tudo já estava resolvido. Podia voltar para casa e dar contas a seu empregador. Na pequena vila onde morava, uma mulher o esperava e depois desse serviço, podia finalmente se casar com ela.
Olhou à sua volta.
Para onde olhasse, veria sangue e morte.
Sekima e sua família estavam mortos. Finalmente aquele rico senhor de Tókio poderia ter todas as terras que queria.
Olhou à sua volta.
Os olhos sem vida do filho de Sekima encontraram os seus. Pareciam pedir clêmencia. E a instantes átras, ele realmente pedira. Mas tudo que recebera foi uma espada que o dividira em dois.
Olhou à sua volta.
Havia semeado sangue e morte em uma família. Já fizera isso antes, mas desta vez, algo estava diferente. Aquela era uma família, como a que pretendia formar com Umi. Como se sentiria se após anos, estivesse com sua esposa e filhos em casa, alguém entrasse e degolasse a todos?
Olhou à sua volta.
Foi exatamente o que havia feito. Algo mudou dentro de si. Já chega! Nunca mais! Aquele seria o último.
Olhou à sua volta, pela última vez.
Foi quando ouviu uma voz débil chamando sua atenção.
Ouvindo atentamente, se aproximou da esposa de Sekima, caída a seu lado.
Abaixou-se para ouvi-la.
Lábios cobertos de sangue se esforçavam para falar com ele.
E quando falaram, uma maldição saiu deles:
-...Tudo... t-tudo que ...você terá...é...um fim... horrível...Quando...quando a...a mor-te vier... buscá-lo...vai... v-vai...desejar o... destino que deu ... a ... minha ... fámilia...
Após isso, uma alma subiu para a eternidade, deixando para tráz, outra alma. Antes fria e impiedosa, agora remoída de dúvidas e arrependimento.
A viagem de volta foi intranquila, pensamentos o atormentavam. Visões, de famílias mortas aos pedaços, o cadáver de Umi o olhava com o mesmo olhar do filho de Sekima.
Chegando a sua vila, nem sequer passou pelas casas. Foi direto à margem do rio. Ali, sentia paz.
Pórem ao se aproximar, viu um homem deitado no seu galho favorito. Não gostava disso.
Fez o máximo de silêncio que pôde. Todo barulho que podia ser ouvido era o das folhas caindo enpurradas pelo vento.
-Noburo Inoue?
O homem parecia conhecê-lo. Nunca o tinha visto antes. Começou a segurar o cabo da espada. Reparando bem... pelas roupas o homem devia ser um monge. Nunca encontrara um monge naquela região. Com a outra mão, ia até a pistola dentro do kimono.
-Me conhece?
O homem desceu do galho, a espada saiu um pouco da bainha enquanto o cão da pistola recuava.
-Não se preocupe. Não vim para causar problemas. Vim dar um aviso.
O monge era alto, com um bigode preto emoldurando um rosto tranquilo.
-Fique calmo. Está muito tenso.
-Não o conheço monge.
-Não importa. Você ainda está pensando na maldição?
Como sabia? Ninguém estava lá e muito menos poderia ter ouvido a maldição sussurrada pela mulher.
-Essa conversa está tomando rumos que não me agradam. Fale logo como sabe disso.
-Quer que eu o livre de toda culpa? De tudo aquilo que surgiu em você como um vento aonde não existia nada?
Olhou no fundo dos olhos do monge. Como esperava, estavam impassíveis, resolutos. Sim. Queria se livrar daqueles sentimentos que surgiram de repente, e que se não sumissem, iriam arruimar sua vida.
-Pode fazer isso?
-Sim.
-O que quer para fazer? O que ganha?
-Eu... nada. Mas você... Está destinado a muitas coisas.
-Faça.
Nesse momento, sombras surgiram em volta do rosto do monge, enquanto ele executava um cântico sinistro.
Agitava o bastão tão freneticamente, que Noburo esqueceu de tentar saber de onde ele havia surgido, indo parar nas mãos do monge.
Após segundos que pareceram anos, o monge parou:
-Está feito! Sente?
-Não sinto nada.
-Então realmente deu certo.
-O que vez?!!- Disse quase gritando, ao se ver livre de todos aqueles pensamentos tão rapidamente.
- Não terá mais aqueles pensamentos, mas...
-Mas o que?!! Responda!!
-Um homem como você não pode ficar sem punição. Os homens nada lhe farão, mas aguarde.
-Aguardar o que?!! Fale, maldito!!!- O cão da arma voltando a recuar, mas a espada já brandindo ameaçadoramente fora da bainha.
-Que Amaterazu e Kwamom tenham piedade de você...
Nesse instante, a poeira trazida por uma rápida lufada de vento o fez fechar os olhos por um segundo, mas quando os abriu novamente estava sozinho.
Resolveu voltar pra casa. E não estranhou o fato de não conseguir se preocupar com o assunto.
Vila de Tsu, Província de Bicchu
-Bem-vindo, Noburo.
Ao entrar na casa, ouviu essa doce voz o chamando, só poderia ser uma pessoa:
-Umi.
-Que bom que voltou. E então? Como foi sua viagem? Terminou os negócios?
Para Noburo, Umi era um tipo de mulher diferente. E para todos também. Tinha um estranho interesse em assuntos de homens, e ficava muito feliz quando Noburo passava horas lhe contando sobre seus "negócios", já Noburo não gostava de falar disso, afinal tinha que inventar tudo. Nunca diria a ela,que era um assassino.
Umi perdeu os pais à seis anos, quando ainda era pouco mais que uma menina. Desde então, morava com um tio naquela vila. Foi onde se conheceram. Noburo a tirou do rio, onde ela ira se afogar por ter caído do arpoadouro. Após algum tempo, o tio de Umi lhe permitiu casar com Noburo, desde que ele conseguisse duas coisas, primeiro que arranjasse dinheiro para lhe comprar algumas terras e a promessa de que primeiro filho homem deles levasse seu nome.
O trato foi selado com gargalhadas e bebida.
Dinheiro não seria um grande problema. Com seu "trabalho" poderia arranjar rapidamente, só precisaria trabalhar mais.
E depois desse último, estava finalmente pronto.
22/09/1854
Vila de Tsu Província de Bicchu
Nada poderia ser melhor. Passou-se quase um ano desde seu casamento. O tio de Umi comprou as terras que queria e Noboru esta feliz sendo pescador, o que, se comparado a sua ocupação anterior, era como descansar todos os dias.
Certo dia porém, quando atravessava o bosque em direção do rio, escutou um farfalhar estranho nas folhas. Poderia ser o vento, mas ele conhecia bem esse tipo de vento. Principalmente, porque não era vento. Alguém estava se movendo pelas árvores. O barulho despertou nele algo que não deveria voltar.
Noburo quase amaldiçou-se por não ter nada além de uma adaga para peixe. Retesou os músculos e sentiu-se de volta no tempo. Quase teve saudades dessa sensação, sentia uma estranha segurança.
Sabia que se alguém o estivesse espreitando não poderia ter um alvo imóvel. Tratou então de se mover o mais rápido possível.
Saltando por entre as árvores como um macaco e correndo, procurou fazer um círculo amplo, tentando inverter a situação e ficar, ele, atrás de seu inimigo.
Correu por vários minutos sem encontrar ninguém.
De repente, a copa das árvores a sua frente iluminou-se. Antes que pudesse reagir, algo vindo do céu, semelhante a um jato luminoso de água, o atingiu com a força de um tiro de canhão.
Foi arremessado vários metros. Com seu corpo, partiu árvores enormes como gravetos. Por algum motivo, estava acordado durante o "vôo" e todo tipo de pensamento o invadia.
Finalmente, após o que pareceu uma eternidade,finalmente chocou-se com uma violência que deveria ter pulverizado seus ossos, contra uma rocha.
Não sabe precisar por quanto tempo ficou desacordado, mas ao acordar, já era noite.
Olhou para frente, para a trilha de árvores destruidas.
Não tentou saber porque estava vivo, o que o atingiu, o que o estava tocaiando no bosque, ou mesmo porque sentia as roupas tão estranhas.
Apenas queria voltar para casa.
Cambaleando como um bebâdo, alcançou a vila.
Nínguém estava nas ruas, esceto alguns cães vadios e um mendigo.
A distancia até sua casa nunca esteve tão longa. Tudo que desejava agora é descansar enquanto Umi lhe faz um chá. Chá não. É melhor saquê.
Finalmente chegara. Abre a porta. A porta desliza. Umi está lá dentro, de costas, cortando legumes.
Se aproxima dela. A toca no ombro. Ela fala, com uma voz embargada:
-Onde esteve? Me deixou preocupada.
Ela se vira para poder olha-lo no rosto. Sabe agora sobre o passado do marido. Sabe que ele era um assassino. Um nukenim que matou todo o seu antigo clã. Não teme por vingança de alguém por isso. É só passado.
Uma espressão de horror se forma em seu rosto. Noburo jamais a vira assim antes. Ela o olha como se...
-A - a - afaste-se de mim!!! DEMÔNIO!!! - Em seguida corre como se estivesse com a morte em suas costas.
-UMI!! O QUE HÁ??
Começa a correr atrás da esposa que fôra para a rua. Na pressa, torpeça no pequeno balde à sua frente. Ele cai no chão. Antes de levantar, olha seu reflexo na água derramada.
Agora entendera por que sua esposa fugira. Não quis, a princípio acreditar. Via na água um crânio. Com uma fina pele ressecada e cinza esticada e recobrindo os ossos do rosto. No lugar dos olhos, que Umi tanto gostava e elogiava, apenas buracos vazios e negros.
Não queria, mas tinha que acreditar, aquele horrível demônio ERA ELE!!
Com um grito inumano, correu o máximo que podia. Gritando, quebrando coisas, correu por quilômetros sem se cansar, só parando quando o desespero o fez cair de joelhos no chão.
Em seus gritos, questionava tudo. O porquê de tudo aquilo.
-Não devia se questionar Noburo. Olhe para sua vida. Descobrira os porquês.
Uma chuva começara a cair quando ele olhou para o lado. Encostado em uma velha árvore estava, o monge:
-Hã? Oquê?
-Os deuses estão lhe dando uma dádiva... e uma maldição.
--Os deuses me fizeram isso?! -- A voz estava alterada pelo choro.
--Sim. Sua tarefa é ajuda-los a proteger os homens.
-E para isso os deuses me tornaram um demônio? Para ajuda-los?
-Você está sendo punido também. Matou e destruiu.
--Outros também fizeram isso!! Porquê eu?!!!
-Você tem razão e os motivos para tudo serão explicados. Quando os deuses assim desejarem.
-Nunca!!! Os deuses me fizeram isso!!!
--Sim. Mas há motivos para que os ajude. Os deuses nunca fazem nada sem um propósito e de modo falho.
--Maldito!! Fale claramente!!!
--Pois bem. É sua chance de voltar a ser humano.
-O quê? Voltar?
--Deverá trazer a morte até aqueles que pervertem a humanidade. Cada vez que fizer isso, perceberá que está mais próximo de voltar.
-É só isso? Voltar a matar? E voltarei a ser humano?
-Quase. Mas não é tão simples. Há certas condições que deve cumprir.
--De que tipo?
-Deverá matar apenas criminosos. Se matar um inocente, irá se distanciar mais. O criminoso deverá ter uma chance de se defender ou fugir. Não poderá também simplesmente entrar em uma cadeia e executar a todos.
-E quanto à Umi?
--Terá que se esquecer dela. É uma mulher normal. Viu qual foi a reação. Não importa quanto ela o ame. Nunca iria entender.
-Tem razão. Mas já sinto um vazio enorme.
-O vazio que sente tem outros motivos, além da saudade.
-Quais?
--Você perdeu sua alma.
Novo choque. Sua alma? Como? Ele falava e tudo. Sentia a perda de Umi. Como poderia não ter alma?
--Tudo que você é, continuará sendo. Os deuses não queriam apenas um demônio assassino, mas sim, um modo de puni-lo.
-PUNIR-ME MAIS?!! JÁ NÃO BASTA? ESSA VIDA HORRÍVEL NÃO É O BASTANTE?!!
--A princípio. Quando tiver se tornado humano de novo, lhe será revelado o meio de recuperar sua alma. Então poderá decidir entre morrer, em paz com os deuses, ou continuar por mais tempo entre os homens. Outra coisa. Você não está vivo. Está morto.
Parecia que as notícias não iriam acabar. Então era isso? Não tinha mais sua esposa, emprego, sua vida e até sua alma?
-Normalmente seu trabalho poderá parecer fácil, pois seu corpo é invulnerável às armas mundanas. Mas lembre-se. Todo cuidado é pouco. A dor ainda lhe será uma companheira.
Aquele que fora Noburo ergue a cabeça. Tudo que lhe restava era uma vida de horror. E o único responsável era ele mesmo. As palavras da esposa de Sekima, em seus últimos instantes, voltam à sua cabeça. A maldição estava cumprida. Tinha inveja do descanso que eles tem.