AMBIÇÃO DIABÓLICA
 
         Um velho alquimista tinha um discípulo muito ambicioso, cujo único desejo era descobrir a arte de fabricar a Pedra Filosofal. Já fazia uns três anos que ele estudava com o velho mestre, que até então só o ensinara a alimentar a fornalha, triturar a matéria prima e dosá-la no almofariz, e a pesar os ingredientes. Mas o segredo de cozinhar os elementos, separar as impurezas, decantar e depurar o composto e principalmente,  saber quando ele estava pronto para a síntese final, ele ainda não aprendera. O velho mestre guardava para si o segredo, e nunca deixava que ele entrasse naquela parte do laboratório, onde ele trabalhava em busca do composto milagroso. Por mais que pedisse e implorasse ao mestre que o admitisse na fase final do magistério, ele o negava, dizendo que ele ainda não tinha alcançado maturidade para tanto.
        Um dia, o jovem aprendiz, já cansado daquela lengalenga, antes de ir para a cama, disse para si mesmo: “ Que o diabo me leve se eu não aprender logo essa fórmula”.
        E imediatamente, como se o diabo tivesse respondido á sua interpelação, ele teve uma idéia: resolveu fazer um buraco na parede do laboratório para ficar observando como o mestre trabalhava a noite, quando ele fazia as operações finais no composto da Pedra Filosofal. Durante sete noites observou o trabalho solitário do velho mago, mas logo percebeu que seria impossível aprender como ele fazia para fabricar o pó milagroso que transformava metais comuns em ouro puro, pois este, além de ler e recitar umas fórmulas mágicas, pronunciadas numa língua que ele não conhecia, ainda desenhava estranhas mandalas no chão, além de usar uma túnica preta esquisita e uma máscara assustadora, que parecia transformá-lo em um demônio horripilante. Assim, ele viu que não bastava aprender a técnica, pois existia um segredo ritual por trás daquele aprendizado, que o velho mestre só lhe ensinaria quando achasse que ele estava pronto. E isso poderia demorar muitos anos.
        Mas ele logo descobriu que não precisava aprender a fabricar a Pedra Filosofal para ficar rico. Não era o segredo da Obra que ele precisava descobrir, mas sim o que ela podia lhe proporcionar. Riqueza e poder. E o velho mestre a possuia. A Pedra Filosofal nada era mais que um pó preto, de cheiro fétido e nauseabundo, que o velho mago guardava numa jarra de cobre, fechado hermeticamente. Soube que aquele pó era a Pedra Filosofal porque vira o velho transformando em ouro uma barra de chumbo, derramando sobre ela um pouco daquele composto. E enquanto fazia isso, ele sorria diabolicamente, como se fosse um demônio pervertendo uma alma.
        Então, na noite seguinte, ele esperou até o mestre ir para a cama. Depois de se certificar que o velho alquimista estava dormindo, ele entrou sorrateiramente no laboratório, com a intenção de roubar o pó milagroso.
       Porém, uma vez lá dentro logo se viu em dificuldade, pois havia diversas jarras semelhantes, com vários pós parecidos. E ele não prestara a atenção no lugar onde o alquimista guardara o jarro com o pó milagroso. Então se lembrou que o tal pó tinha um cheiro acre e nauseabundo, que lembrava um cadáver em estado de putrefação. Foi abrindo todos os potes, e quando encontrou um com aquele cheiro de coisa podre, pegou-o imediatamente e fugiu. No caminho, enquanto fustigava o cavalo, só conseguia pensar em quão rico ficaria com o ouro que iria fabricar com toda aquela quantidade do pó milagroso.
 
          O velho alquimista, pela manhã, quando descobriu que seu aprendiz havia furtado a jarra que continha alguns resíduos da Obra ficou muito triste e preocupado. Preocupado, porque aquele pó que o aprendiz levara era extremamente perigoso. Era um composto residual de nitrato de prata e enxofre, inflamável e explosivo, com extraordinário poder de destruição. E triste pelo fato de estar tão velho e sentir tanto cansaço que todas as noites precisava ir para a cama cedo. Dormia feito pedra e há mais de três anos não conseguia mais trabalhar de noite. Por isso não vira o que seu aprendiz fizera.
       Tinha esperanças que aquele jovem aprendiz pudesse ocupar o seu lugar e continuar o seu trabalho até o sucesso final, pois a síntese final da Pedra Filosofal, segundo diziam aqueles que já tinham obtido sucesso, geralmente ocorria á noite. Já decidira que nos próximos dias iria iniciá-lo no magistério final da obra. Precisava fazer isso, pois ele, depois de mais de cinquenta anos de labuta, ainda não tinha conseguido realizar a síntese final Mas tinha certeza que estava no caminho certo e agora faltava muito pouco...
 
      Hoje, na casa onde ficava a aldeia para onde o aprendiz fugiu levando o pó misterioso só existe uma enorme e profunda cratera. Ninguém soube explicar o que houve, mas todos, naquela aldeia, até hoje se recordam da grande explosão e das altíssimas chamas que consumiram aquele lugar. Os pedaços do corpo daquele jovem tiveram que ser recolhidos a quilômetros de distância, e muitos deles não foram encontrados. Mas muita gente jura que ainda hoje, muitos anos depois, se pode ouvir a mesma risada satânica que foi ouvida naquele dia em que a casa explodiu. E muitos gritos e lamentos de uma alma que parece estar sendo torturada sem piedade.
        O discurso preferido do padre da aldeia é alertar seus paroquianos sobre as artimanhas que o diabo usa para capturar as almas em que ele detecta uma ambição sem limites. Pois ele, como representante de Deus na terra tem absoluta certeza que o diabo existe.