A LENDA DO GATO PRETO
Ele era um gato preto e feio. Tão feio que só aparecia durante a noite. Durante o dia escondia-se atrás de um monte de lixo, para que ninguém o visse. Tinha vergonha de si mesmo. Á noite, lá pelas altas madrugadas, ele saia em busca de comida, chafurdando pelas latas de lixo dos restaurantes próximos, procurando pelas sobras que os humanos jogaram fora.
Além de feio era um gato triste. Porque simplesmente tinha se apaixonado por uma linda garçonete de um restaurante daquela rua, cujo lixo ele costumava remexer em busca de comida. Ela costumava sair do restaurante nas primeiras horas da madrugada, e ele sempre a seguia, equilibrando-se pelos telhados, até a casa onde ela morava, como se fosse um guardião concencioso, a protegê-la pelas ruas soturnas e silenciosas daquele perigoso bairro. Depois que ela entrava em casa, e ele via que ela estava em segurança, costumava subir no muro da casa dela e ficar ali, horas e horas, até despontarem os primeiros raios de sol, a contemplar a morada da sua deusa e a sonhar com ela. De vez em quando soltava alguns suspiros, que saiam do seu peito de felino, na forma de melancólicos miados de um gato que procura pelos telhados da cidade fria e silenciosa uma fêmea para se acasalar.
Todos os animais têm um deus que preside a sua espécie. Os gatos também têm. Uns dizem que esse deus se chama Ubasti, outros Shekmet ou Aiuros, e há também aqueles que dizem que o seu nome é Baphomet, deus dos antigos Cavaleiros Templários, das bruxas e dos maçons. Ninguém sabe se é um deus ou uma deusa, mas isso não importa. A questão é que esse deus, ou deusa, tem uma especial predileção pelos pobres felinos apaixonados, e sempre faz com que os machos encontrem suas fêmeas justamente nos momentos necessários, quando eles estão nos momentos mais potentes da sua virilidade e elas no seu ciclo mais virtuoso de perfeição feminina, que é o cio. E é assim que a espécie tem se mantido por tantos milênios, acreditando-se mesmo que a estirpe dos gatos seja anterior á dos homens sobre a face da terra. Tanto que os antigos egípcios já os adoravam como deuses poderosos.
O problema do nosso gato era exatamente o fato de ele ser um felino e a sua amada ser uma mulher. Mas para um deus isso era o de menos. Transformar um gato em homem, ou uma mulher em gata, estava dentro das prerrogativas conferidas ao seu poder. E foi o que ele, ou ela, fez. Não suportando ver o nosso pobre gato preto suspirando, ou miando noites e noites, em desespero de paixão pela bela garçonete, o deus dos gatos o transformou em um belo rapaz. Preferiu mexer na forma do gato, pois ele era seu súdito. Se fizesse o contrário, mexendo na forma da mulher e transformando-a em um felino, o deus dos humanos poderia não gostar dessa invasão de competência e o conflito estaria gerado. Assim, Baphomet, ou o que quer que seja o nome do deus dos gatos, preferiu ficar na dele e transformar o gato em gente, coisa que, afinal, não era tão difícil para ele.
Mas não ficou só nisso, pois segundo consta, o deus dos gatos não é mesquinho como o deus dos humanos, que prefere dar aos seus fiéis uma vara de pescar ao invés de um peixe suculento já preparado e servido em uma bela mesa, acompanhado por um excelente vinho branco. Não. O deus dos gatos é mais pródigo e não só transformou o nosso feioso gato preto em um belo e prendado rapaz, como também fez a bela garçonete cair de amores por ele assim que botou os olhos nele. Isso, pensou ele, não era invasão de competência, pois já estava previsto nos estatutos conferidos aos bruxos e aos feiticeiros, que já gozavam dessas competências desde os antigos tempos, e que agora, também eram exercidas pelas ciganas, pais e mães de santos, taumaturgos, quiromantes e outros praticantes dessas artes sutis que tem o dom de mexer nos sentimentos dos outros.
E assim começou um belo romance entre o antigo e feio gato preto e a bela garçonete, que certamente iria terminar em casamento e um final feliz do tipo novela global. E assim teria sido não fosse uma noite em que os dois pombinhos caminhavam, abraçadinhos, pela rua soturna e escura onde ele, antigamente costumava varejar as latas de lixo em busca de comida. Eis que, de repente, um baita ratão sai correndo de dentro de uma lata. Não deu outra. Com um salto acrobático, de quem sempre fez isso a vida inteira, eis que o nosso jovem e romântico ex-gato se atirou em cima do rato. Pegou-o como se fosse um exímio goleiro buscando uma bola chutada bem no cantinho do gol. E ao levantar-se, com a presa na boca, já tinta pelo sangue do rato triturado pelos seus afiados dentes, ele se sentia um herói das épicas gestas medievais, mostrando para sua amada, a quem acabava de salvar das garras de um monstro, o corpo inanimado do seu inimigo.
Mas ela não viu o seu herói. Pois na sua frente, naquele soturno beco, naquela avançada hora da madrugada, o seu belo e prendado namorado havia se transformado num horrendo gato preto que segurava na boca tinta de sangue um sujo e malcheiroso rato, todo dilacerado pelas dentadas do felino. Ela desmaiou, e ele, imediatamente, percebendo que havia voltado á sua antiga forma, mais que depressa desapareceu pelos telhados da cidade fria e silenciosa.
Em algum lugar do mundo inferior, um miado de desconsolo e decepção foi ouvido. Era Baphomet dando conta do seu fracasso como deus. Acabara de descobrir que as aparências podem ser mudadas facilmente mas a natureza não é qualquer deus que muda. E quanto ao nosso gato, ele continua miando pelos telhados, na eterna busca pela sua amada, que agora não pensa mais em príncipes encantados e só cuida mesmo é de caçar pokemons.
Ele era um gato preto e feio. Tão feio que só aparecia durante a noite. Durante o dia escondia-se atrás de um monte de lixo, para que ninguém o visse. Tinha vergonha de si mesmo. Á noite, lá pelas altas madrugadas, ele saia em busca de comida, chafurdando pelas latas de lixo dos restaurantes próximos, procurando pelas sobras que os humanos jogaram fora.
Além de feio era um gato triste. Porque simplesmente tinha se apaixonado por uma linda garçonete de um restaurante daquela rua, cujo lixo ele costumava remexer em busca de comida. Ela costumava sair do restaurante nas primeiras horas da madrugada, e ele sempre a seguia, equilibrando-se pelos telhados, até a casa onde ela morava, como se fosse um guardião concencioso, a protegê-la pelas ruas soturnas e silenciosas daquele perigoso bairro. Depois que ela entrava em casa, e ele via que ela estava em segurança, costumava subir no muro da casa dela e ficar ali, horas e horas, até despontarem os primeiros raios de sol, a contemplar a morada da sua deusa e a sonhar com ela. De vez em quando soltava alguns suspiros, que saiam do seu peito de felino, na forma de melancólicos miados de um gato que procura pelos telhados da cidade fria e silenciosa uma fêmea para se acasalar.
Todos os animais têm um deus que preside a sua espécie. Os gatos também têm. Uns dizem que esse deus se chama Ubasti, outros Shekmet ou Aiuros, e há também aqueles que dizem que o seu nome é Baphomet, deus dos antigos Cavaleiros Templários, das bruxas e dos maçons. Ninguém sabe se é um deus ou uma deusa, mas isso não importa. A questão é que esse deus, ou deusa, tem uma especial predileção pelos pobres felinos apaixonados, e sempre faz com que os machos encontrem suas fêmeas justamente nos momentos necessários, quando eles estão nos momentos mais potentes da sua virilidade e elas no seu ciclo mais virtuoso de perfeição feminina, que é o cio. E é assim que a espécie tem se mantido por tantos milênios, acreditando-se mesmo que a estirpe dos gatos seja anterior á dos homens sobre a face da terra. Tanto que os antigos egípcios já os adoravam como deuses poderosos.
O problema do nosso gato era exatamente o fato de ele ser um felino e a sua amada ser uma mulher. Mas para um deus isso era o de menos. Transformar um gato em homem, ou uma mulher em gata, estava dentro das prerrogativas conferidas ao seu poder. E foi o que ele, ou ela, fez. Não suportando ver o nosso pobre gato preto suspirando, ou miando noites e noites, em desespero de paixão pela bela garçonete, o deus dos gatos o transformou em um belo rapaz. Preferiu mexer na forma do gato, pois ele era seu súdito. Se fizesse o contrário, mexendo na forma da mulher e transformando-a em um felino, o deus dos humanos poderia não gostar dessa invasão de competência e o conflito estaria gerado. Assim, Baphomet, ou o que quer que seja o nome do deus dos gatos, preferiu ficar na dele e transformar o gato em gente, coisa que, afinal, não era tão difícil para ele.
Mas não ficou só nisso, pois segundo consta, o deus dos gatos não é mesquinho como o deus dos humanos, que prefere dar aos seus fiéis uma vara de pescar ao invés de um peixe suculento já preparado e servido em uma bela mesa, acompanhado por um excelente vinho branco. Não. O deus dos gatos é mais pródigo e não só transformou o nosso feioso gato preto em um belo e prendado rapaz, como também fez a bela garçonete cair de amores por ele assim que botou os olhos nele. Isso, pensou ele, não era invasão de competência, pois já estava previsto nos estatutos conferidos aos bruxos e aos feiticeiros, que já gozavam dessas competências desde os antigos tempos, e que agora, também eram exercidas pelas ciganas, pais e mães de santos, taumaturgos, quiromantes e outros praticantes dessas artes sutis que tem o dom de mexer nos sentimentos dos outros.
E assim começou um belo romance entre o antigo e feio gato preto e a bela garçonete, que certamente iria terminar em casamento e um final feliz do tipo novela global. E assim teria sido não fosse uma noite em que os dois pombinhos caminhavam, abraçadinhos, pela rua soturna e escura onde ele, antigamente costumava varejar as latas de lixo em busca de comida. Eis que, de repente, um baita ratão sai correndo de dentro de uma lata. Não deu outra. Com um salto acrobático, de quem sempre fez isso a vida inteira, eis que o nosso jovem e romântico ex-gato se atirou em cima do rato. Pegou-o como se fosse um exímio goleiro buscando uma bola chutada bem no cantinho do gol. E ao levantar-se, com a presa na boca, já tinta pelo sangue do rato triturado pelos seus afiados dentes, ele se sentia um herói das épicas gestas medievais, mostrando para sua amada, a quem acabava de salvar das garras de um monstro, o corpo inanimado do seu inimigo.
Mas ela não viu o seu herói. Pois na sua frente, naquele soturno beco, naquela avançada hora da madrugada, o seu belo e prendado namorado havia se transformado num horrendo gato preto que segurava na boca tinta de sangue um sujo e malcheiroso rato, todo dilacerado pelas dentadas do felino. Ela desmaiou, e ele, imediatamente, percebendo que havia voltado á sua antiga forma, mais que depressa desapareceu pelos telhados da cidade fria e silenciosa.
Em algum lugar do mundo inferior, um miado de desconsolo e decepção foi ouvido. Era Baphomet dando conta do seu fracasso como deus. Acabara de descobrir que as aparências podem ser mudadas facilmente mas a natureza não é qualquer deus que muda. E quanto ao nosso gato, ele continua miando pelos telhados, na eterna busca pela sua amada, que agora não pensa mais em príncipes encantados e só cuida mesmo é de caçar pokemons.