A menina do pantano
Duas crianças brincavam no pântano. Uma corrida de pega na qual cada passo afundava e deixava a brincadeira mais desafiadora. Lucas, um pouco mais jovem, corria atrás da pequena Sara. Sua amiga parecia não afundar como ele. Enquanto ele tinha suas pernas sujas até os joelhos, ela tinha a sujeira não passando dos calcanhares. A menina parecia caminhar sobre o pântano.
Era a segunda vez que as crianças se encontravam.
O local ficava há aproximadamente um quilometro da vila ribeirinha onde Lucas morava. Apesar da proximidade, ninguém costumava ir ali. A mãe do menino dissera, tentando explicar o porquê, que aquele não era um lugar bonito. A curiosidade, todavia, continuava ali, até que Lucas foi lá pela primeira vez. Chegando devagar, cauteloso, o menino viu o pequeno pântano. A cor do musgo, que Lucas via nos cascos dos barcos de pesca, estavam nas árvores sem folhas e na água turva. O sol parecia chegar fraco ali, mas, diferente do que a mãe dissera, o local era lindo. Algo no local fazia crescer a vontade do menino ficar ali olhando.
Sentado em um velho tronco caído, aproveitando a vista, Lucas levou um susto quando, de trás da árvore mais central do pântano, Sara surgiu. O susto fez com que o menino pulasse automaticamente para trás do tronco onde estava sentado. Dali, ficou vendo a menina correndo entre uma árvore e outra. Com os cabelos, morenos e cacheados, subindo e descendo enquanto corria, ela parecia flutuar sobre o pântano a cada passo.
A menina com certeza não era de sua vila. Lá todos tinham a pele queimada do sol, como Lucas. Sara, no entanto, tinha pele branca e clara, como a toalha que a mãe de Lucas só usava quando tinham visitas. Descalça a menina brincava. Às vezes, pegava algum galho nas mãos, noutras parecia conversar com uma planta ou com algum bicho. Lucas pensava em conversar, mas a coragem não lhe veio. Esperou a menina estar em um local onde não poderia vê-lo e correu para sua vila.
Não parecia ter ficado muito no pântano, mas, ao chegar na vila, já era noite. Preferiu não dizer à mãe onde estivera, só aumentaria a bronca. Foi uma bronca memorável. Apesar disso, Lucas só pensava em como adiantar suas atividades diárias para poder voltar ao local.
No começo da tarde já estava lá. Sentou-se no tronco e ficou esperando Sara chegar. A menina não apareceu. Meio chateado voltou para a casa aquele dia. Continuou indo ali, todos os dias, sentando-se no tronco para olhar o pântano. Apesar daquele ter se tornado um lugar cada vez mais confortável, onde podia correr, sujar-se e pensar, Lucas tinha a esperança de ver a menina de cabelos cacheados novamente.
Fazia um mês de sua primeira visita ali e Lucas lembrou-se de Sara saindo em seu vestido verde de trás da árvore central do pântano. Com cuidado para não pisar nas partes mais fundas, chegou até a árvore. Rodeou-a. Apesar da árvore ser a maior dali, era apenas uma árvore. Sentiu-se tolo, a menina não ia surgir do nada. Virou-se para voltar ao seu tronco quando algo quente tocou seu ombro, acompanhado da voz macia em seu ouvido:
– Sou Sara!
Os sentimentos embaralharam-se no garoto. Não tinha se assustado. O que sentiu, além do conforto ao toque da mão em seu ombro e da paz em seu ouvido, foi um calor que subiu da barriga, chegando à sua face, fazendo o corar e sorrir. Lucas nunca tinha ouvido o nome, mas sabia que era ela. E aquilo pareceu iluminar todo o pântano. Virou-se, vendo a menina, em seu vestido verde, que sorria.
– Sou Lucas.
– Vamos brincar! – disse a menina e correu deixando o menino para trás.
Foram horas brincando, Lucas correndo atrás de Sara, nenhuma palavra trocada. Quanto mais corria, mais Lucas sentia-se habituado com o pântano. O menino tinha uma sensação estranha. Apesar de estar sentindo-se cada vez mais livre, quanto mais corria, mais afundava.
Assim aconteceu até que o corpo afundou-se tanto que o menino não conseguia mais correr. Sara, vendo que o menino não mais corria, aproximou-se. Lucas, até aquele momento, tinha como único foco a linda menina, que corria livre pelo pântano. Quando ela aproximou-se, no entanto, o menino notou que ela estava mais alta que ele. Ela abaixou-se para falar com ele. Lucas ergueu a cabeça, era o único movimento que conseguia fazer, seu corpo todo estava abaixo do lodo.
– Agora você vai virar uma árvore – disse a menina com um sorriso encantador – e, uma vez por mês, virei cuidar e brincar com você e com os outros.
Lucas olhou para as outras árvores do pântano. Soube que todos ali eram como ele, crianças, parte do pântano, sempre capazes de esperar mais um mês para brincar com a linda menina de cabelos cacheados em seu vestido verde. Foi estranho, mas, a felicidade tomou conta dele.