Coma
Chovia e ventava muito naquela madrugada fria; mas, parar no acostamento em meio a tanta escuridão seria muito arriscado. Laura já ia pegar o terço pendente no retrovisor e começar a rezar quando Ravi perdeu o controle do veículo, que após capotar umas quatro vezes, estrondou-se na mureta tornando-se um emaranhado de ferro.
Ravi, apesar de ter metade do crânio esfacelado, foi levado com vida para o hospital. Porém, ainda pôde ouvir o bombeiro falar que seria difícil tirar a moça do meio das ferragens, mas que talvez tivessem êxito.
Durante quase três anos o jovem permaneceu em coma, pensando na mulher amada, e por incrível que pareça, podia ouvir tudo ao seu redor: o choro enquanto os pais rezavam; o lamento dos amigos e os médicos dizerem que se caso sobrevivesse, seria um vegetal, pois perdera muito da massa encefálica.
Agora Ravi acreditava que a alma não morria com o cérebro; pois mesmo sem sua preciosa massa cinzenta, sentia dores terríveis, ainda mais quando os enfermeiros lhe arrancavam as sondas e tornavam a enfiar hemorrágicas por uma infinidade de orifícios em seu corpo, que segundo comentários, se atrofiava a cada dia.
Ravi, apesar de todo o sofrimento, pedia a Deus para não morrer antes de ver Laura. Por fim, lembrou-se das palavras do bombeiro sobre a dificuldade em tirar a moça das ferragens. Estava morta?
Naquela noite Laura entrou no quarto. O moribundo sentiu o seu perfume predileto e ouviu a sua respiração ofegante ao falar bem próximo ao seu ouvido:
_Meu querido, está na hora de partir. Seu pai e sua mãe não aguentam mais tanto sofrimento, nem você. Eu também fiquei em coma... Perdoe-me, não tive coragem de vir antes. Deixe-me apenas ver seus lindos olhos mais uma vez.
Laura pousou a mão com suavidade no rosto ossudo e com um pequeno movimento fez com que as pálpebras ficassem abertas.
Dois pontos de um verde brilhante surgiram, e a alma enclausurada pode ver, enfim, de tão linda janela, a bela mulher desligar os horríveis aparelhos.