Pedido número 7

Eu moro em Iporanga, interior de São Paulo.

Alguns de vocês já devem ter ido naquelas lanchonetes que ficam abertas até de noitão. Pois foi numa delas mesmo que eu arranjei um emprego. Eu tava precisando de dinheiro pra ajudar minha mãe na casa. Não somos muito pobres e necessitados, mas dinheiro a mais sempre é bom. Meu amigo, Cesário, conseguiu me arranjar um emprego por lá, já que ele era amigo do dono.

De início era tudo tranquilo, o chefe era até bem ameno comigo e com os outros funcionários. Mas, com o tempo, a lanchonete foi perdendo alguns clientes, e isso foi abaixando a autoestima dos funcionários daqui. A lanchonete fica no cantinho da cidade, perto da placa de "boas vindas". Bem em frente tem um posto que também quase não tem clientes.

Eu nunca fui de ter medo, sempre fui muito cético. Eu não via porque acreditar em certas coisas, achava o medo sobrenatural meio "supérfluo". Há uns meses, quando a lanchonete já estava começando a perder os clientes, os funcionários começaram a se demitir, e alguns até saíram da cidade. Não posso dizer que foi pra conseguir dinheiro de outra forma, até porque eu não tinha tanto contato com eles.

Bom, mas o que importa é o que começou a acontecer desde a semana retrasada. Já eram onze horas da noite, e um cara bem vestido entrou na lanchonete. Abriu a porta de vidro, caminhou até o balcão e sentou no banco. Naturalmente eu fiquei bem ansioso, já que nesse dia quase não houve clientes e ele parecia bem "endinheirado". Perguntei o que ele desejava (ou qual era o seu pedido, não lembro muito bem), e ele só ficou calado olhando pro cardápio. Eu até achei que ele não tinha ouvido muito bem, mas, depois de repetir outra vez e em bom som, eu percebi que de alguma forma ele estava me ignorando. Eu o deixei em silêncio e esperei seu suposto pedido.

Eu posso jurar que o tempo passou mais devagar que o normal até que ele pedisse algo, e foi mais ou menos assim: "Eu vou querer o número 7 (que era o hambúrguer com bacon)". Tive que falar a ele que estávamos sem bacon, o que era verdade. Esperei ele fazer uma feição meio triste e escolher outro hambúrguer, mas ele repetiu: "Eu quero o número 7". Já pelo fato daquela situação ser um pouco estranha, eu confesso que me senti desconfortável, e repeti: "Senhor, infelizmente nós estamos sem bacon, o senhor não quer outro lanche? Temos vários lanches que o senhor...", e ele se levantou e saiu da loja, sem falar mais nada. Naquele momento eu me encontrei extremamente apavorado, eu nunca tinha me sentido daquela forma antes.

Ao chegar em casa, tomei um banho e fui tentar dormir. Quase não consegui, pensando no que tinha acontecido.

No outro dia, eu quase tinha esquecido o que havia acontecido, mas, um pouco mais cedo, por volta de oito horas da noite, o homem havia retornado. Dessa vez tinha outro atendente trabalhando junto comigo. O homem, dessa vez, foi em direção ao outro atendente, e me impressionou quando o ouvi pedindo o número 7 novamente. Da mesma forma, o atendente retornou a falar que não tínhamos bacon. O homem bem vestido voltou a dizer que queria o número 7 e o mesmo atendente disse "Meu amigo, você quer que eu desenhe? Não temos bacon, esse hambúrguer vem com bacon, e estamos sem bacon". O homem apenas olhou nos olhos do atendente, deu meia volta e saiu da lanchonete.

Eu vi toda a cena, não tirava os olhos do homem.

No outro dia, no mesmo horário, o homem voltou, e foi andando até o balcão, lentamente. Ao chegar perto daquele mesmo atendente, o homem retirou uma foto do bolso, pôs em cima do balcão, e saiu da lanchonete. O atendente pegou a foto, olhou-a, e ficou com a expressão sucintamente apavorada. Seu rosto agora estava quase que indiferente. Ele pôs a foto no bolso e voltou a trabalhar.

Era óbvio que eu não ia conseguir deixar aquela situação passar em branco, alguns segundos depois eu fui perguntá-lo o que tinha acontecido, e ele veio me explicando apenas que o homem queria o hambúrguer com bacon, mas que não tínhamos bacon, etc. Depois perguntei "Mas o que era aquela foto?", e ele falou "Que foto?", falei "A foto que aquele homem tinha lhe dado", ele olhou pra baixo e falou indiferente "Não tem foto nenhuma", voltei a falar "Como não? Aquele home..." E ele me interrompeu gritando "Não tem foto nenhuma!".

A confusão que se fazia na minha cabeça era tão grande que eu mal tinha tempo pra ficar apavorado. Fui pra casa e tentei dormir novamente, e novamente quase não consegui, de tanto pensar na situação.

No outro dia, no início do expediente, o meu chefe me chamou pra perguntar se eu poderia trabalhar com horas a mais, pelo menos até ele achar outra pessoa, porque o "Pedro" tinha se demitido. Pedro era o atendente que recebeu a foto no dia anterior...

Aí sim, eu já estava bem apavorado. Mas não bastava... Por volta da meia noite, eu já estava saindo da lanchonete para fechá-la, e escutei o barulho da porta abrindo. Ainda virando pra olhar quem era, já fui falando "Desculpe, mas estamos fecha...". Era o homem bem vestido. Minhas sobrancelhas subiram, e minhas mãos suaram um pouco, falei "Olha, amigo, é que estamos fechando, mas amanhã de manhã já estaremos funcionando, e provavelmente o bacon chegará em breve." O homem não falou nada, só se aproximou do balcão, tirou uma foto do bolso, botou-a em cima do balcão e saiu da lanchonete. Apavorado, tive medo de pegá-la, mas, após alguns segundos, decidi pegá-la.

Na foto tinha uma pessoa deitada no chão, com dois porcos ensaguentados do lado. Os porcos estavam estraçalhados, com alguns pedaços de sua carne em cima da pessoa, e alguns outros pedaços dentro da sua boca, deixando sua boca tão cheia que chegava a cair os pedaços, a transbordar.

Essa pessoa era eu.