Fria sincronia
26/8/2016
Ana, Joaquim e Alan eram muito amigos e andavam sempre de bicicleta pelo bairro juntos. Naquele dia eles queriam ir até o lago que ficava longe, nunca falavam para os pais que iam até lá, pois era muito longe e eles não deixavam. Arrumaram as roupas para nadar e colocaram na mochila, saíram cedo, logo após o café da manhã, logo que amanheceu. Estavam de férias, mas acordavam cedo com os pais para tomar café.
Pedalaram por uma hora, na velocidade máxima, o sol estava quente e aumentando a temperatura, eles iam se divertir muito, é claro! Colocaram as bikes sob as árvores para não tomarem muito sol, trocaram as roupas e caíram na água. Ninguém morava perto do lago, pois havia uma rodovia ali perto, eles moravam no interior, não havia invasões e nem coisas do tipo.
Ana estava boiando quando de repente ouviu Alan gritar por Joaquim. Ela tomou um susto, pois ele parecia preocupado, quando olhou para eles, Joaquim estava boiando de barriga para baixo, sem se mexer, com a cara na água. Ela nadou até eles, puxaram o garoto para a beirada do lago:
- Você faz respiração boca a boca nele! - disse Joaquim
- Ai, que nojo! - eles eram treinados em primeiros socorros na escola, pois havia um projeto para isso, feito pelos bombeiros e polícia, para prevenção.
Ela abaixou, respirou fundo, segurou o nariz de Joaquim e colocou a boca na dele, enquanto assoprava sentiu a língua do garoto na sua boca. Ela gritou e chutou o moleque, os dois meninos riram muito, mas todos sabiam que Joaquim gostava de Ana.
Ela voltou para a água, xingando-os com todos os palavrões que você pode imaginar e uns que nem eu conhecia alguns nem eram palavrões: otários, bobos, retardados, abusados, cretinos, curva de rio, tranqueiras, imbecis, e assim por diante. Eles estavam nadando e
resolveram disputar para quem ia mais fundo e ficava mais tempo nadando lá embaixo, tomaram fôlego, contaram e os três desceram e começaram a explorar o fundo da lagoa, começando pela parte mais rasa, eles tinham que dar uma volta completa, e era a volta mais longa. Depois de alguns metros eles chegaram a parte da lagoa que ficava mais próxima da rodovia.
Foi neste momento que Ana encontrou algo estranho, gesticulou fortemente para os garotos que foram até onde ela apontava incisivamente, e então viram o que lá havia: um corpo. Eles puxaram para fora do lago e estava tão frio e roxo, inchado e amolecido que não poderia ter sido deixado ali a pouco tempo, porém, não estava em decomposição, era um corpo grande, um ser humano adulto. Não tinha as pontas dos dedos das mãos, eram tocos. A cara estava destruída por pancadas, e os dentes ausentes. Era uma mulher, tinha partes da pele arrancadas, pois deveria ter tatuagens ali. Ana ficou encabulada quando viraram o corpo e viu a sua nudez, os meninos não sabiam o que fazer.
Joaquim vomitou, todos choraram e confabularam inocentes:
- Vamos falar para as nossas mães!
- Não precisamos chamar a polícia e fugir daqui!
- Vocês estão loucos? Não podemos falar para ninguém!
Neste instante o barulho de um carro se aproximando do lago chamou a atenção deles e eles correram para se esconder nas árvores. O carro se aproximou e estacionou na beira do lago, de dentro saiu um homem, que foi até o porta malas e retirou um corpo de lá, os meninos identificaram pela mão que pendeu do pacote em que estava embrulhado. A mão não tinha as pontas dos dedos, era uma mão só com os tocos, mão pálida, com as pontas dos tocos vermelhas, a cor da carne fria da morte recente.
O homem se dirigiu para a beira do lago com o pacote humano e se deparou com o outro corpo que não devia estar ali, colocou o pacote no chão, se virou e viu os garotos. Sacou uma arma e atirou, enquanto eles gritavam e corriam para as bicicletas. Ele atirou mais vezes, acertou Alan primeiro, depois Ana e Joaquim. Eles caíram gritando muito, chorando e chamando por Deus e pelas mães, mas a única coisa que respondeu foi o homem:
- Olá, crianças. Vamos dar uma volta.
Dessa vez os meninos seriam separados friamente, cada um em um lago belo e diferente, em estados distantes e diferentes, em dias ensolarados e diferentes.
Sinopse do livro Obra perturbadora
“Sempre do ponto de vista de crianças, suas protagonistas, os contos da Obra Perturbadora pretendem mexer com seu leitor, trazendo experiências de leitura com finais abertos e incongruências propositais, que podem até parecer em primeiro momento uma falha da autora, porém, o resultado no leitor é, em geral, atingido e previsto durante a produção deles.
Prepare-se para sentir estranheza, insegurança, suspense, violência, e principalmente a expectativa que traz a melhor sensação do suspense. A autora busca em alguns contos contextualizar o seu leitor para depois apresentar um desfecho incongruente ou violento, ou de uma forma muito distinta não contextualiza o leitor e dá toda a situação ocorrida e o que se espera é que a experiência do leitor trabalhe com as questões que surgem, de forma a trazer a tona a própria personalidade do leitor, seja instigando-o a buscar respostas que não terá, a se revoltar com a falta de informação desejada ou a lidar com o prazer da sensação atingida na leitura. Que tipo de leitor é você? Um detetive, que quanto mais instigado mais busca saber? Um frustrado que para a leitura por não aceitar o jogo da autora? Um imaginativo que complementa as histórias com as possibilidades e se delicia seja com o contexto que lhe é cobrado ou com o desfecho que é incongruente?
Descubra-se lendo a Obra Perturbadora, contos curtos e rápido de terror e suspense que trazem desde os mais clássicos terrores psicológicos até os mais modernos, influenciados pelo Edgar Alan Poe, Stephen King, Lovercraft, entre outro e o cinema do século XX e XXI.”
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