AGOURO
A pista sinuosa seguia ladeada de mato e árvores secas, observei também poucos urubus amontoados ao longe sob a carcaça de algum animal. Segui guiando meus cavalos sob o véu negro da noite, os olhos ocultos pela aba do chapéu. A carroça chacoalhava a cada metro devido aos pedregulhos naquele trajeto, temi a obstrução da roda, de madeira já muito velha. Havia ganhado aquela cabine de meu pai, que era guia viajante, assim como sou. Preferi persistir na habilidade que herdei ao aperfeiçoar meus talentos teatrais, seguir por ai levando gente para onde quer que fossem me parecia um estilo de vida empolgante, ao mesmo que minha aptidão para a atuação ajudava-me em muito nas relações e circunstancias de risco.
Certa vez um militar, rebuscado, de rosto flácido e olhar intimidador solicitou meus serviços para leva-lo até seu sítio, uma viagem de quatro horas que custaria a ele um punhado de moedas, logo pedi parte do pagamento.
- Primeiro chego lá, depois você recebe, meu bom homem – respondeu ele, no típico tom hierárquico.
- Nada feito, capitão, meu trabalho é imprevisível, o senhor como militar oferece-me muitos riscos ao pedir transporte, se alguém resolver lhe atacar...
- Meus inimigos não ousariam – disse ele entre dentes.
- Reconheço seus sentimentos, mas tente me entender, se você receber alguma mensagem de que a guerra se estabeleceu em nosso país, terá que retornar não é mesmo? Eu irei me prejudicar, como civil, entende...
O homem pigarreou, enfiou a mão no bolso e retirou uma cédula. Coisa rara, valiam mais do que metal apesar de sua fragilidade, e era respeitosa a imagem de Mariana ilustrada naquele sagrado pergaminho. As cédulas me eram um convite para uma aventura no mínimo surpreendente.
Em devaneios eu me perco as vezes, e enquanto trilhava a perigosa planície um bando de mascarados seguiam na minha direção. Estava sozinho, rodeado de bandidos do mato.
- Por acaso existe alguma puta nessa cabine? – gritou o homem de dente podre e revólver na mão, trotando.
- Nada de putas, apenas eu e meus cavalos. Por acaso sabem onde fica...
- Cale a boca, seu desgraçado, acha mesmo que somos idiotas? – disse fervorosamente o rapaz de espingarda nas costas e peito
estufado, posado com imponência sob o cavalo marrom e mal alimentado.
Incrível como não apenas temos as palavras a nosso favor. Somos parte do palco de cada um que existe nesse mundo. Relembrei das velhas histórias que meu pai me contava, sobre os pretos que cantarolavam à fogueira, e batiam tambores invocando seus espíritos. Recobrei o medo que sentia ao ouvir... e incorporei a gargalhada rouca que o velho dava ao final de seus contos. Vi os pelos do braço do vagabundo enriçarem, até mesmo os cavalos se agitaram em colaboração à minha ação dramática.
O vento forte soprava, as nuvens deram espaço para que o brilho da lua me iluminasse e segui tranquilamente a trilha, gargalhando em mal agouro.
Os homens permaneceram lá, perplexos.