Meu Primeiro Texto

[Cansei de ser tola e chorar pelos cantos, culpando-me pelo que não devia. Já me chamaram de fraca, inconstante e preguiçosa. E na época acreditei, vivendo exatamente como o rótulo que recebi. Desta vez será diferente! Vou mostrar o que sei fazer.

Olhei mais uma vez no espelho, analisando o reflexo que ali me observava. Aquela mulher com olheiras profundas, lábios pequenos e bochechas grandes. Não...]

- Que bosta! - Gritou, esmurrando o teclado do notebook.

Na tela do computador as letras "defxtrgjrikdlc" concluíam o texto que Adriana tentava escrever. O cursor, silencioso, pousava logo adiante, piscando em ritmo acelerado. Era um zombador, brincado com sua cara.

Precisava fumar, uma necessidade que surgia em momentos como esse. Escrever era um forma de fuga, mas quando a escritora travava, não havia jeito de continuar sem um tempo para a nicotina. Empurrou a cadeira em direção a escrivaninha e saiu do escritório. Juntou o cigarro de cima da geladeira, seguindo até a varanda do apartamento. O gato espreguiçou-se sobre o sofá, soltando um miado fino para alertar a dona que estava acordado e pronto para receber comida. Enquanto abria a porta de vidro, olhou para o bichano, dizendo:

- Agora não, Godofredo!

O ar gelado da capital invadiu a mente junto com uma mistura de cores e sabores que pairavam no ar. A cidade era um ser vivo, pulsando carros por suas artérias e exalando gases mortais em direção ao céu. Ela acendeu o cigarro, deixando sua fumaça misturar-se com aquela que vagava sobre os prédios.

Sentia-se um lixo. Sempre se considerou uma pessoa criativa e nunca imaginou que sofreria com entraves desse tipo. Bastava sentar em frente do computador e escrever sem parar. Amava isso. Adorava construir histórias e mundos, tomando cuidado para colocar fortes críticas a sociedade atual. Quem dera esse fosse seu ganha pão!

Os problemas começaram na semana anterior. Esses malditos entraves eram obstáculos que a confundiam de modo doloroso. E, geralmente ....

- E o que acontece depois? Perguntou o homem careca.

- Como assim? Eu não sei! Simplesmente parou ai. Não escrevi mais nada. Morreu - respondeu o outro, sentado logo a frente.

- Achei que você tivesse dito que era algo apavorante.

Carlos mordeu os lábios em sinal de desconforto, estava assustado e não conseguia aceitar o descaso do irmão mais velho com suas preocupações:

- Você não entendeu o que estou dizendo? - Carlos gritou, batendo a mão sobre a mesa da cafeteria. A violência em seu olhar fez o irmão ficar alguns tons mais claro.

Os outros clientes observaram de maneira espantada a cena enquanto as atendentes cochichavam atrás do balcão.

Carlos levantou do banco, mantendo a postura tensa. Seu rosto contraia-se em raiva. Ele ergueu o dedo para apontar para o irmão, falando:

- Quando você ouvir o tic-téc-tic-toc - vai entender o que quis dizer - virou para a plateia da cafeteria e apontou: assim que o tic-téc-tic-toc tocar vamos deixar de existir!

Todos olhavam perplexos para os irmãos. O careca permanecia sentado, os olhos abertos, encarando o mais novo. Carlos ofegava com o dedo acusador apontando para o expresso duplo em uma mesa vizinha. Era a personificação da insanidade.

- Carlos, por favor, sente-se e vamos conversar sobre isso como pessoas civilizadas.

Ele não deu ouvidos ao irmão mais velho. Ao invés disso, começou a se encolher, buscando abrigo sob uma das mesas. As pessoas levantaram assustadas enquanto o som crescia em meio ao estabelecimento. Era um tipo de estalo irritante, que tornava-se cada vez mais alto. Em um instante todos puseram-se a gritar, aterrorizados com os estalos invisíveis.

Uma verdadeira histeria coletiva instalou-se. Homens e mulheres corriam em círculos, levando as mãos aos ouvidos numa tentativa desesperada de cessar o barulho.

Como um estouro, eles correram desesperas até a porta de saída. Os que chegaram primeiro não conseguiram abri-la. Estava travada. Através do vitral tiveram a última visão do mundo fora da cafeteria, uma revelação da desgraça de suas existências. As testemunhas, apavoradas, foram aos poucos esmagadas pelos outros clientes que tentavam a fuga. Um fim doloroso e, ao mesmo tempo, desejado.

Carlos permanecia debaixo da mesa. Aos prantos, tentava tapar os ouvidos. As mãos não eram capazes de abafar os estalos. Talvez nada fosse. Engoliu em seco diante da perspectiva. O medo o consumia. Olhou mais uma vez para o irmão mais velho. Estava no meio da confusão, inerte, pisoteado sobre o piso.

A dor e o medo não passariam. Então, em uma última tentativa, levou os dedos para dentro do ouvido e começou a empurrar, gritando ...

- Nossa, Lídia! Ficou muito bom! Tem certeza de que é teu primeiro texto?

- Sim ...

- E por que essa cara de tristeza, meu amor? Eu, particularmente, fiquei empolgado. Até gostaria de conhecer melhor esse Godofredo.

- É que ...

- Pode falar. Já estamos juntos há um bom tempo, não esconda as coisas de mim.

- O problema é que não acabou.

- Ah, entendi. Ainda está faltando o fim. Bem que eu fiquei me perguntando sobre o que os clientes ... opa, as testemunhas viram do lado de fora da cafeteria. Acabou de repente, ficou estranho.

- Não é isso! Na verdade, esse texto não acaba... ele continua sem parar ...

- Esta ouvindo isso, amor?

- ...não tenho certeza de que fui eu quem escreveu o texto. É como se alguém colocasse as palavras na minha cabeça.

- Nossa, eu juro que ouvi um tic-téc-tic-toc. Que medo!

- Acho que alguém está escrevendo sobre nós...

- De novo! Ouviu, amor?

- E depois alguém vai ler isso e se dar conta de que sua própria vida não passa de ilusão.

- Parece o som de um teclado...

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Obrigada pela leitura!

:)

DBranas
Enviado por DBranas em 08/07/2016
Reeditado em 08/07/2016
Código do texto: T5691212
Classificação de conteúdo: seguro
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