Filipino acordou cansado da sua falta do que fazer. Como de costume, colocou água na caneca e levou ao fogo pro café. Sua mulher estava no curral, tirando o leite da vaca pro café da manhã. Filipino olhou pro relógio e pro calendário e então se lembrou do compromisso que teria naquele dia. Ouviu então alguém bater palma. Era o Diabo.
— Eita que ocê é qui nem vingança, tarda mais num faia!
O Diabo sorriu, tirou o chapéu mostrando a careca feia com dois chifrinhos pontudos.
— Posso entrar Seu Filipino?
— Oxê! Mas quem sô eu pra negar alguma coisa pru Diabo?
— É... – disse o Diabo ousando do sarcasmo – Hoje não esta um bom dia pra negar nada não.
Depois de convidado adentrou na casa, pôs o casaco atrás da porta, perguntando:
— Se incomoda?
— Di forma alguma, Seu Tinhoso... Mas num calor do quinto gral desse o que faiz u sinhô di casacu di peli?
— Penitencia Seu Filipino, penitencia...
— Oxê! Sabia qui Diabo pagava penitencia não!
— Até o Diabo paga suas dividas, Filipino.
Filipino coou, se serviu do café e ofereceu ao Diabo, esse fez sinal de “pequeno” cos dedos aceitando:
— Só uma talagadinha, Seu Filipino. Num quero abusar da sua hospitalidade.
Sentou-se na cadeira e Filipino em cima de um velho e grande baú posto na cozinha. Filipino então alcançou um cachimbo de cedro que estava pendurado na parede, pôs fumo e começou a pitar. O Diabo tomou o café e fez cara feia.
— Vixe que trem amargo! Deixa eu dar uma pitada nesse cachimbo pra tirar o gosto ruim da boca? – Pediu descarado.
— Vai me descurpa, Seu Diabo... Mas desse cachimbo de cedro só pitô eu!
O Diabo entendeu. Filipino num tava num dia bom pra agradar... Sua esposa Dona Judite chegou com o leite. O visitante a comprimento, ela assustada se sentou.
— Assusta não muié – Disse Filipino – Tou eu aqui negociandu co Diabo.
— Negociando? – Se espantou o Diabo.
— Sim. Sei qui é dia i hora, mais si o mal num podi se remediadu, há quem diga que ele pode ser “adiado”.
— Adiado? – Se espantou o Diabo – Como assim adiado?
— Pois sim, adiado – Respondeu Filipino, dando uma boa tragada no cachimbo de cedro, causando inveja ao Diabo – Sabia qui depois qui lhi vendi minhalma acabei por torrar tudo aquele dinheirão rapidinhu? Ai eu pensei aqui cas minha catraca: “Si o dinhero du Tinhoso foi tão rapidinhu, bem qui pudia eli mi da mais um tiquinho de tempu, pra modi eu vivê i lamenta por ter vindidu minhalma.
O diabo se levantou desconversando:
— Há mais num dá não, Seu Filipino... Eu até deixei uns trem no fogo lá e vim rapidinho pra buscar sua alma e vou leva... Alem do mais seu café tava danado de ruim, seu Filipino. E o Senhor nem me deixou pitar do seu cachimbo de cedro!
O caipira coçou a barbicha, pensou e sugeriu:
— E si a minha muié prepara um café du jeitu dela, o sinhô mi dá mais um tempinhu?
O visitante pensou por um minuto e propôs:
— É... Si ela me fizer um cafezinho decente e você me deixar pitar do seu cachimbo eu te dou 300 mil cruzeiros e te deixo viver por mais um mês e meio!
Seu Filipino fez cara feia. Pensou, pensou, pensou e fez a contra proposta:
— Dá não. I si a genti fizé u siguinti: Ela faiz o café, o sinho dexa 100 mil cruzero e vorta sumana qui vem. Qui tar?
E o Diabo mesmo inconformado por não pitar do cachimbo de cedro acabou por aceitar, indo embora depois de tomar o café mais delicioso da sua vida!
Uma semana depois quem bate na porta do Seu Filipino? Isso mesmo, o Diabo. Todo pomposo, de casaco novo e chapéu vermelho.
Seu Filipino estava acabando de coar o café e tomou um susto danado:
— Jesus! U Tinhoso veiu muié! Eu mi isqueci qui era hoji!
Os dois se desesperaram, então Dona Judite sugeriu:
— Si isconde dentru du bau, homi! Eu peçu pre`le entra i ocê fica ai até eli i imbora!
I lá si foi o Seu Filipino pra dentro do baú, enquanto sua esposa foi enganar o Diabo.
Dona Judite o recepcionou:
— Bom dia, Seu Diabo.
— Dia bom sim, Dona Judite. Muito bom mesmo. Posso entrar?
— Mais entre... Acabei di passa u café.
Ele entrou desconfiado... Olhou pra cadeira... Olhou pro baú e se sentou nele mesmo. Dona Judite fez cara de susto. Estava ela servindo o café, colocando só um pouquinho quando ele sugeriu:
— Por gentileza, Dona Judite, pode encher o copo que o seu café é o melhor que já tomei!
A mulher se assustou, pois o café não tinha sido preparado por ela, e sim pelo Seu Filipino, que estava escondido dentro do baú, a qual o Diabo estava sentado em cima.
O diabo tomou uma golada caprichada e se arrependeu até a ultima gota! Fez cara feia, olhou para a Dona Judite e perguntou:
— Aonde tá o Seu Filipino?
— Ele foi até u armazém... Achu qui vai demora...
— Pois eu espero por ele – Disse o Diabo cruzando as pernas – Num deixei nada no fogo hoje mesmo.
Ele então olhou pra parede e viu o cachimbo de cedro pendurado, despudorado pediu:
— Eu posso dar uma pitada no cachimbo de cedro enquanto espero, Dona Judite? Tô com um gosto ruim na boca e uma pitadinha vai bem...
Dona Judite tremeu dos pés a cabeça, pois sabia que o marido tinha um ciúme danado do cachimbo de cedro! E dentro do baú, Seu Filipino endoidou, mas nada podia fazer, pois sabia que se reclama-se seria levado de vez.
A mulher que não sabia dizer não nem para o Diabo, acabou por pegar o cachimbo de cedro e deixou o tinhoso pitar. E lá ficou o Diabo pitando por uma, duas três, quatro horas e nada do seu Filipino chegar. Levantou-se, se espreguiçou, tirou o cachimbo da boca e falou:
— Qué sabe, Dona Judite? Se o Seu Filipino chegar, diga a ele que pode ficar sossegado que eu não venho mais aqui buscar ele não. Tá aqui o cachimbo de cedro, muito obrigado pelo café e passar bem!
O Diabo pegou seu casaco, embrulhou, colocou debaixo do braço e foi-se embora. A mulher feliz da vida foi abrir o baú pra contar a boa noticia ao marido. Ao abrir o baú ficou surpresa: Tava uma fumaceira que só... Quando a fumaceira de fumo se dissipou, ela viu o Seu Filipino lá, mortinho da silva, asfixiado! Olhou pra janela de novo e viu lá longe o Diabo, com a alma do seu Filipino enrolada no casaco, debaixo do seu braço...