A garotinha
Daniel estava desempregado, sua mãe havia morrido há pouco tempo, e com sua morte ele recebeu uma pequena fazenda de herança. A falta de dinheiro fez com que ele resolvesse vender a mesma, mas antes ele queria confirmar se não haveria nada da família ou até mesmo valioso na casa velha.
Era uma fria manhã do mês de maio, e como ele não queria demorar muito, partiu bem cedo para a fazenda. Chegando lá ele começou a pegar todas as fotos e objetos mais valiosos que existiam ali, até mesmo um jogo de talheres de prata desgastados com o tempo, mas que pareciam valer alguns bons trocados. Durante a busca uma chuva muito forte caiu sobre a fazenda, deixando o rapaz ilhado ali, naquela casa separada do mundo. Ignorando a chuva e as varias goteiras que existiam ali, continuou com a busca por coisas que pudessem lhe garantir certo lucro.
Depois de vários livros botânicos, receitas escritas em folhas soltas de papel e vários documentos que viriam sendo comidos por traças a muito tempo, Daniel acha um pequeno álbum de fotografias com o nome de sua mãe na capa. Curioso com as fotos, ele começa a olhar uma por uma, prestando atenção nos mínimos detalhes, ele se sente dentro daquelas fotos, aquele álbum parecia ter o poder de transportar sua imaginação para as épocas em que as fotos foram tiradas. As fotos retratavam uma família feliz,varias delas se passavam em festanças dadas ali mesmo naquela casa, que hoje não tinha nem um sinal de vida.
Seu relógio de pulso antigo da marca Casio, popular no fim da década de noventa começou a apitar, informando que já eram 18 horas. Como a chuva ainda não havia cessado, ele resolveu dormir ali mesmo. Catou alguns lanches que tinha trazido consigo para passar o dia, e como não havia almoçado, comeu todos de uma só vez.
O Sol já havia se escondido a um certo tempo, e como a casa não tinha energia elétrica, ele resolveu dormir ali, em um sofá velho e empoeirado, com cheiro de mofo. Arrastou o sofá cerca de cinco passos para a direita, livrando ele de uma goteira que gotejava sobre sua cabeça, e se deitou. Em pouco tempo ele estava dormindo.
Um sonho estranho tomou conta de seu sono, ele estava ali, naquela casa, mas não nos tempos atuais, ele viu sua mãe criança, brincando com uma garotinha, viu sua avó, e vários empregados que trabalhavam na fazenda. Ele tentou falar com sua mãe, mas sempre que ele chegava perto, a garota que estava com ela não permitia qualquer contato com sua mãe. Uma moça jovem, bonita e bem vestida se aproximou da pequena garota, abençoou ela, e foi em direção ao avô de Daniel, Cinco minutos foi o tempo necessário para a mulher sair com a chave do velho Studebaker modelo 1955 nas mãos. Pouco tempo depois um senhor chega na fazenda dando a noticia; “Dona Ana capotou o carro”. Nesse meio tempo a garota que antes tinha uma cara de quem não queria conversa mudou sua feição. “O que? Cadê minha mãe?”. A garota entra em choque ao saber que sua mãe estava morta.
Daniel acorda assustado, suando frio, a sensação de estar sendo observado não sai da sua cabeça. Seu relógio marcava 21 Horas. Ao olhar para baixo, ele se depara com o álbum no chão, aberto em uma foto de sua mãe com aquela garota de seu sonho. Com medo do acontecido ele resolveu ir a uma cidade pequena a cerca de 30 Minutos de viajem dali. Seus olhos logo miraram próxima a entrada da cidade um pequeno fiteiro com alguns salgados ainda expostos naquelas gordurosas e abafadas prateleiras de vidro. “Senhor, prepara dois Cachorros aí”.
Curioso com o seu sonho, ele resolveu puxar conversa com um senhor que aparentava ter seus 60 anos enquanto comia seu segundo cachorro-quente.
-O senhor mora aqui a muito tempo?
-Tempo o suficiente, meu filho...
-Sabe algo a respeito do sitio que fica naquela direção? (fez um gesto apontando para a direção do sitio)
-Você estaria falando do sitio do senhor Sebastião?
-Esse mesmo.
-Anos atrás essa cidade não existia, eu trabalhava no sitio de seu Sebastião, assim como a maioria dos velhos dessa cidade.
Curioso com o sonho, Daniel vai ao carro e pega o álbum de fotografias, mostrando ao senhor a foto da garota de seu sonho.
-O senhor conhece essa garota?
-Sim, filha de dona Ana, morava no sitio.
-Algo aconteceu com a mãe dela?
-Sim, morreu em um acidente de carro há muito tempo atrás. Sua filha entrou em estado de choque. Não suportou a morte da mãe e em pouco tempo depois se suicidou pulando dentro de um poço que foi fechado pouco tempo depois. Muitos dizem que o local foi amaldiçoado pela garota, mas isso é coisa de gente besta.
Com um sorriso amarelo nos dentes, Daniel afirma com a cabeça e entra no carro. Tudo parecia se encaixar, se a tal maldição realmente existia ele seria o próximo da lista, Seus avô morreu junto com sua avó em um acidente de carro, a mesma coisa que tinha acontecido com sua mãe há pouco tempo atrás.
Uma ideia infalível lhe veio a mente, achar os ossos e tocar fogo, como tinha visto em uma seriado na TV.
Chegando ao sitio pegou uma velha lanterna a pilhas que tinha no porta luvas e começou a busca pelo poço. Não demorou muito até encontrar aquele lugar fétido onde supostamente estavam os ossos da garota órfã. Não pensou duas vezes, derramou toda a gasolina que havia comprado e em seguida jogou um fósforo. Uma grande explosão aconteceu no local, Daniel foi jogado e direção ao seu carro, onde bateu as costas e ficou desacordado até o dia seguinte.
O velho relógio começa a alarmar, eram 6 horas da manhã quando Daniel conseguiu abrir seus olhos novamente. Uma ultima checada no poço seria suficiente para afirmar que tudo teria acabado naquele lugar.
Ao se debruçar para ver o fundo do poço Daniel sente uma mão pequena segurando no seu tornozelo, assustado ele olha e vê a garotinha, com os olhos escurecidos de tanto chorar, pele pálida e com o rosto com um meio sorriso. Ela levanta seu tornozelo pouco a pouco, Daniel não consegue se mexer, ao menos não até ser tarde de mais.
Daniel cai dentro do poço, sente uma dor imensa na sua perna esquerda, mas nada podia ver, no lugar não havia nem uma iluminação, a não ser uma luz distante, redonda, no alto, onde a garotinha agora com um sorriso no rosto acenava se despedindo do pobre rapaz. Ele grita, pede por ajuda, mas de nada adianta, a garota coloca um pedaço de madeira sobre o poço, tampando totalmente a entrada da luz e em seguida some, como se seu trabalho nesse mundo tivesse sido cumprido.