Do Umbral – DTRL 27
“O fim da vida já não é mais o medo,
Aguardo ansiosamente abandonar esse pesadelo.
A vida se apaga tão lenta e tão mórbida,
O frio da morte liberta minha alma.”
Aguardo ansiosamente abandonar esse pesadelo.
A vida se apaga tão lenta e tão mórbida,
O frio da morte liberta minha alma.”
“Meus Últimos Suspiros”, Umbral.
Queridos pai e mãe, paz em nossos corações! É o que mais desejo! Luto para conseguir superar tudo o que ocorreu, já consigo atribuir a mim mesma a violência contra meu corpo como descompassada e doentia. As mãos de Deus ainda me acolherão, e por isso posso dizer que tento reerguer-me após as batalhas vividas nestes últimos tempos, estou me libertando...
É pai, falou-me tanto em lei da atração! “O que pensamos atraímos para nós”. É a pura verdade! Mas nada é argumento para o mal. Desculpe a enroscada em que me envolvi, jamais poderia supor que a ameaça se concretizasse. Eu provoquei muita dor. Tenho que contar as eventualidades que precederam tudo, para que me perdoem e não culpem a outro pelo acontecido.
A noitada havia sido de bebidas, pedras e rock, no mesmo cemitério em que, pela manhã, presenciamos um sepultamento que ostentava riqueza. Ivo e eu seguimos os acompanhantes do enterro na volta. Ficamos na vigia. A casa ficara fechada, sem ninguém. Esperamos escurecer e a invadimos. O parceiro tinha habilidades e abrir a porta dos fundos foi brincadeira. Fomos adentrando, com o fôlego curto; o fluxo sanguíneo mais intenso deixava os músculos mais aptos para enfrentar a situação. Nada mais nos reprimia.
As pupilas dilatadas vasculhavam todos os ângulos da mansão. Era um lugar perfeito para um bom banho e dormir em uma cama macia. Quadros, objetos valiosos, imagens religiosas e, talvez, no quarto, algumas joias ou mesmo dinheiro vivo.
Estávamos eufóricos! Nem dei atenção a Ivo que sempre reclamava. Naquele momento dizia perceber uma presença ali. Sentia olhos que nos acompanhavam. “São as flores. Que perfume enjoativo... um cheiro forte de velas. Esse ambiente de velório está alimentado sua imaginação. Está com medo?” Ironizei a situação, ao mesmo tempo provocando os brios do macho.
A foto da mulher idosa e ainda bonita chamou-me a atenção, um quadro ao pé da escada. Ela encarava-me e repreendia-me com um sorriso triste. Oh! Mãe, a sensação de que éramos observados contagiava. Ainda debochei; porém, estava tudo se tornando diferente, parecia haver algo mais ali... A casa tinha o poder de nos amedrontar e inebriar ao mesmo tempo.
Pensei ouvir ruídos estranhos, gemidos, cicios de asas batendo. As paredes começaram a me parecer vivas... Imagens formavam-se nas sombras, vultos nos acompanhavam. A noite foi ficando mais densa. Era a hora do medo. Medo que ia mudando de forma, sofisticando-se, mas sempre a presença fria e cortante que ali permanecia segura, inarredável. Alucinação, meu pai?
O rapaz quis sair dali, eu o retive, tomada pela loucura, levada por uma volúpia morna, quase calor que me inundava de suores. Pilhávamos e pirávamos a cada cômodo; às vezes, com abraços e beijos, outras com agressões. Aliás, começamos a discutir e a ficar violentos um com o outro.
Tudo nos conduzia para a suíte. O leito antigo, o dossel excitante, a penteadeira, a cômoda elegante. Reviramos as gavetas. Quando descobri em uma caixinha de couro o mesmo colar que a mulher do porta-retratos trazia no colo, tudo desandou...
Coloquei a joia em mim. Ivo pediu-me que não o fizesse. Insisti e ainda lhe apontei que o abotoasse às minhas costas. Ele pareceu esmorecer; fechou o gancho e senti seus lábios tocarem meu pescoço. Creiam... mordeu-me até sangrar... Eu tentava desvencilhar, chorava e para defender-me, ataquei-o. Eu o arranhava, arrancava-lhe cabelos. Brutos, trocávamos maltratos. Ele socava-me e apertava a garganta sufocando-me. Mesmo com o peso do corpo dele, pude pegar, ao lado, a garrafa que bati contra a quina do criado. Empunhei um dos estilhaços, segurei-o como se fosse um punhal; a mão sangrava, não sentia mais dor. O demônio nem teve tempo de reagir, a lasca estava colocada em seu ouvido. Ele urrou, olhou-me horrorizado...
Então, vieram os vampiros, longe de mágicas e rituais, vieram apenas para a comunhão, esquecidos do sangue. As asas negras sussurrantes tocavam-me. Deixei-me levar naquele baile de asas, compreendi que havia alcançado a graça dos vampiros, fazia parte do grande mundo dos degredados, da nova dimensão. Eles não vieram por causa do sangue, eu já era para além da minha seiva.
Assustada, gritei para mim mesma e logo abri os olhos ao mesmo tempo em que segurei com força o pingente do colar, uma pedra redonda e branca como o leite pendurada em uma fina e delicada corrente de prata. Aquele era o colar que pegara na primeira gaveta da cômoda. Por ele nossa briga começara. Queimou-me a mão. Eu tentava tirá-lo e não conseguia. O colo ardia, a mão latejava... e, nesta luta, a faca na mão de Ivo cravava em meu peito. Uma, duas.. perdi as contas... O lençol de seda tornou-se um mar rubro e viscoso. O quarto não era mais o mesmo.
Também perdi alguns dedos, quase sem dor, quase sem sustos. Não era a lâmina febril de Ivo. Os vermes que já estavam me devorando: um dedo sim, outro não. Estranhava os meus pés; mas os dedos perdidos não me faziam falta; como os cabelos, as sobrancelhas ou os cílios. Eu era um osso quebradiço devorado pelo Cão.
Um trovão abriu um pedaço do céu e pude ver Ivo mergulhar no tempo; abriu caminho por dentro do corpo e foi se soltando, foi sumindo... embalado na rede das asas dos morcegos. Fiquei só? Não. Havia mortos por toda parte, cabeças penduradas no teto por tiras de pele humana. Crânios rolantes de órbitas vazias miravam minha agonia.
De repente o portal se abriu, espectros surgiram ao longo do corredor. Passos apressados no piso de taco ecoaram por toda a casa. Os Quiumbas se afundavam nas tábuas carcomidas do assoalho; vieram me buscar para onde não há ordem, onde não há governantes e é cada um por si.
A corrente rompeu-se em minha nuca, não permitiriam que ela fosse comigo. Fora um presente de amor. A mansão não carecia de seguranças. Era guardada pelas Almas, firmes, duras, inexoráveis.
Eu estava, então, mergulhada no Inferno, de corpo e alma, num espaço frio, dos pés à cabeça, sem tempo, sem luz, nem descanso e afogava-me, a cada segundo… O Caos estava em todo lugar e em lugar nenhum, pois habitava dentro de mim. Eu o criei para mim mesma e ele acompanharia a criadora para onde quer que fosse.
Os vícios da carne, as drogas, as bebidas e o sexo animalesco, aquela vibração baixa foi me destruindo e me vi rebaixando mais de nível; fui ficando mais imunda e animalesca. Queria fugir para bem longe dali, mas tudo em vão, quanto mais me debatia no fluido grudento que me envolvia, mais me afundava e, quando alcançava, de novo, a superfície apavorante, mãos e garras afiadas faziam-me submergir naquele líquido pastoso e mal cheiroso. Os guardiões das trevas vigiavam todos os movimentos naquele campo de penitência de espíritos rebeldes e malditos como eu; minhas recordações se perdiam num imenso círculo de dores e arrependimentos tardios… Tornei-me um pequeno monte de pó. O fogo começou a crepitar e me consumia em um ritual derradeiro de uma cadeia de lamentos desfeitos. Não sabia mais de mim. Não sabia mais daqueles a quem martirizei.
Por que ali estava depois de ser expulsa do corpo de carne através do desvario? Por que castigos tão brutais depois de uma fatalidade ter-me arrastado do meu invólucro? Tinha a mente encarcerada num labirinto de emoções truncadas e desconectadas da realidade. Era um pesadelo sem fim, sempre com final trágico e apavorante. Aquele não era um espaço de Deus; ele era da autoria dos espíritos inferiores que necessitassem se depurar.
Sempre que tentava recordar de algum sentimento bom ou qualquer lembrança que aquecesse o meu coração, um grito agudo de “assassina”, “suicida” era proferido pelos demônios. Aqueles urros cortavam-me o tímpano e colocavam-me novamente em meu lugar, rastejando, cada vez mais imersa naquele submundo. Já não falava, grunhia. Estagiava na Região das Trevas para drenar energias negativas acumuladas numa encarnação de descaso e irresponsabilidade com a própria consciência e a de outros. Precisava de socorro... Quem ajudaria um ser como eu, que não conseguia sequer lembrar como se fazia uma oração? Meu espírito desencarnara em tal estado de alheamento e perturbação, que não restava outro recurso a não ser deixar que a natureza seguisse seu curso e fizesse o trabalho necessário de depuração.
E neste limbo permaneci por anos, atormentada pelas dores que causei, em um pesadelo em que já me acostumava a viver, a morrer todos os dias…
Lentamente consegui juntar forças e derramei as primeiras lágrimas de remorso. Só depois da ausência das carnes, roupas e pesos humanos eu pude aceitar a derrocada. Compreendi, então, que não fora levada ali para punição, banimento. Recebia o e tratamento justo, necessário para os desviados, profundamente desequilibrados aprenderem enquanto se recuperavam.
O Poderoso decidiu resgatar este espírito. Aos poucos fui despertando para a necessidade de melhorar, evoluir. Naquela manhã, acordei no campo sereno, em condições de debilidade moral, usufruindo de um conforto que não merecia, mas vivenciava. Aguçava os pensamentos na lembrança de como fui parar ali, enquanto era ninada por preces que projetavam a mansidão e a paz tão esperada por esta mente enferma, débil. Alguém, enfim, estendia-me a mão. Recupero-me até hoje dos traumas e cicatrizes que criei no perispírito. As lesões que provoquei foram muito graves, passei por várias cirurgias espirituais e soube que minha próxima encarnação será dolorosa, e expiarei. Mesmo assim, continuei a reunir energias positivas.
Fui encaminhada para uma colônia onde estou sendo tratada e passo o tempo estudando e realizando tarefas úteis. É preciso controlar a revolta para não acabar retornando para o lugar de onde saí. Continuamos sempre com nosso livre arbítrio.
Peço a vocês, pai e mãe, muitas orações; que vocês e a família de Ivo perdoem a nossa loucura. Não foi tão simples pegar na mão deste amigo que me serve de intermediário. Ver vocês com o coração em pedaços é doloroso. Agora que Deus permitiu nosso reencontro estou mais em paz. Somos unidos pelos laços de amor,
É pai, falou-me tanto em lei da atração! “O que pensamos atraímos para nós”. É a pura verdade! Mas nada é argumento para o mal. Desculpe a enroscada em que me envolvi, jamais poderia supor que a ameaça se concretizasse. Eu provoquei muita dor. Tenho que contar as eventualidades que precederam tudo, para que me perdoem e não culpem a outro pelo acontecido.
A noitada havia sido de bebidas, pedras e rock, no mesmo cemitério em que, pela manhã, presenciamos um sepultamento que ostentava riqueza. Ivo e eu seguimos os acompanhantes do enterro na volta. Ficamos na vigia. A casa ficara fechada, sem ninguém. Esperamos escurecer e a invadimos. O parceiro tinha habilidades e abrir a porta dos fundos foi brincadeira. Fomos adentrando, com o fôlego curto; o fluxo sanguíneo mais intenso deixava os músculos mais aptos para enfrentar a situação. Nada mais nos reprimia.
As pupilas dilatadas vasculhavam todos os ângulos da mansão. Era um lugar perfeito para um bom banho e dormir em uma cama macia. Quadros, objetos valiosos, imagens religiosas e, talvez, no quarto, algumas joias ou mesmo dinheiro vivo.
Estávamos eufóricos! Nem dei atenção a Ivo que sempre reclamava. Naquele momento dizia perceber uma presença ali. Sentia olhos que nos acompanhavam. “São as flores. Que perfume enjoativo... um cheiro forte de velas. Esse ambiente de velório está alimentado sua imaginação. Está com medo?” Ironizei a situação, ao mesmo tempo provocando os brios do macho.
A foto da mulher idosa e ainda bonita chamou-me a atenção, um quadro ao pé da escada. Ela encarava-me e repreendia-me com um sorriso triste. Oh! Mãe, a sensação de que éramos observados contagiava. Ainda debochei; porém, estava tudo se tornando diferente, parecia haver algo mais ali... A casa tinha o poder de nos amedrontar e inebriar ao mesmo tempo.
Pensei ouvir ruídos estranhos, gemidos, cicios de asas batendo. As paredes começaram a me parecer vivas... Imagens formavam-se nas sombras, vultos nos acompanhavam. A noite foi ficando mais densa. Era a hora do medo. Medo que ia mudando de forma, sofisticando-se, mas sempre a presença fria e cortante que ali permanecia segura, inarredável. Alucinação, meu pai?
O rapaz quis sair dali, eu o retive, tomada pela loucura, levada por uma volúpia morna, quase calor que me inundava de suores. Pilhávamos e pirávamos a cada cômodo; às vezes, com abraços e beijos, outras com agressões. Aliás, começamos a discutir e a ficar violentos um com o outro.
Tudo nos conduzia para a suíte. O leito antigo, o dossel excitante, a penteadeira, a cômoda elegante. Reviramos as gavetas. Quando descobri em uma caixinha de couro o mesmo colar que a mulher do porta-retratos trazia no colo, tudo desandou...
Coloquei a joia em mim. Ivo pediu-me que não o fizesse. Insisti e ainda lhe apontei que o abotoasse às minhas costas. Ele pareceu esmorecer; fechou o gancho e senti seus lábios tocarem meu pescoço. Creiam... mordeu-me até sangrar... Eu tentava desvencilhar, chorava e para defender-me, ataquei-o. Eu o arranhava, arrancava-lhe cabelos. Brutos, trocávamos maltratos. Ele socava-me e apertava a garganta sufocando-me. Mesmo com o peso do corpo dele, pude pegar, ao lado, a garrafa que bati contra a quina do criado. Empunhei um dos estilhaços, segurei-o como se fosse um punhal; a mão sangrava, não sentia mais dor. O demônio nem teve tempo de reagir, a lasca estava colocada em seu ouvido. Ele urrou, olhou-me horrorizado...
Então, vieram os vampiros, longe de mágicas e rituais, vieram apenas para a comunhão, esquecidos do sangue. As asas negras sussurrantes tocavam-me. Deixei-me levar naquele baile de asas, compreendi que havia alcançado a graça dos vampiros, fazia parte do grande mundo dos degredados, da nova dimensão. Eles não vieram por causa do sangue, eu já era para além da minha seiva.
Assustada, gritei para mim mesma e logo abri os olhos ao mesmo tempo em que segurei com força o pingente do colar, uma pedra redonda e branca como o leite pendurada em uma fina e delicada corrente de prata. Aquele era o colar que pegara na primeira gaveta da cômoda. Por ele nossa briga começara. Queimou-me a mão. Eu tentava tirá-lo e não conseguia. O colo ardia, a mão latejava... e, nesta luta, a faca na mão de Ivo cravava em meu peito. Uma, duas.. perdi as contas... O lençol de seda tornou-se um mar rubro e viscoso. O quarto não era mais o mesmo.
Também perdi alguns dedos, quase sem dor, quase sem sustos. Não era a lâmina febril de Ivo. Os vermes que já estavam me devorando: um dedo sim, outro não. Estranhava os meus pés; mas os dedos perdidos não me faziam falta; como os cabelos, as sobrancelhas ou os cílios. Eu era um osso quebradiço devorado pelo Cão.
Um trovão abriu um pedaço do céu e pude ver Ivo mergulhar no tempo; abriu caminho por dentro do corpo e foi se soltando, foi sumindo... embalado na rede das asas dos morcegos. Fiquei só? Não. Havia mortos por toda parte, cabeças penduradas no teto por tiras de pele humana. Crânios rolantes de órbitas vazias miravam minha agonia.
De repente o portal se abriu, espectros surgiram ao longo do corredor. Passos apressados no piso de taco ecoaram por toda a casa. Os Quiumbas se afundavam nas tábuas carcomidas do assoalho; vieram me buscar para onde não há ordem, onde não há governantes e é cada um por si.
A corrente rompeu-se em minha nuca, não permitiriam que ela fosse comigo. Fora um presente de amor. A mansão não carecia de seguranças. Era guardada pelas Almas, firmes, duras, inexoráveis.
Eu estava, então, mergulhada no Inferno, de corpo e alma, num espaço frio, dos pés à cabeça, sem tempo, sem luz, nem descanso e afogava-me, a cada segundo… O Caos estava em todo lugar e em lugar nenhum, pois habitava dentro de mim. Eu o criei para mim mesma e ele acompanharia a criadora para onde quer que fosse.
Os vícios da carne, as drogas, as bebidas e o sexo animalesco, aquela vibração baixa foi me destruindo e me vi rebaixando mais de nível; fui ficando mais imunda e animalesca. Queria fugir para bem longe dali, mas tudo em vão, quanto mais me debatia no fluido grudento que me envolvia, mais me afundava e, quando alcançava, de novo, a superfície apavorante, mãos e garras afiadas faziam-me submergir naquele líquido pastoso e mal cheiroso. Os guardiões das trevas vigiavam todos os movimentos naquele campo de penitência de espíritos rebeldes e malditos como eu; minhas recordações se perdiam num imenso círculo de dores e arrependimentos tardios… Tornei-me um pequeno monte de pó. O fogo começou a crepitar e me consumia em um ritual derradeiro de uma cadeia de lamentos desfeitos. Não sabia mais de mim. Não sabia mais daqueles a quem martirizei.
Por que ali estava depois de ser expulsa do corpo de carne através do desvario? Por que castigos tão brutais depois de uma fatalidade ter-me arrastado do meu invólucro? Tinha a mente encarcerada num labirinto de emoções truncadas e desconectadas da realidade. Era um pesadelo sem fim, sempre com final trágico e apavorante. Aquele não era um espaço de Deus; ele era da autoria dos espíritos inferiores que necessitassem se depurar.
Sempre que tentava recordar de algum sentimento bom ou qualquer lembrança que aquecesse o meu coração, um grito agudo de “assassina”, “suicida” era proferido pelos demônios. Aqueles urros cortavam-me o tímpano e colocavam-me novamente em meu lugar, rastejando, cada vez mais imersa naquele submundo. Já não falava, grunhia. Estagiava na Região das Trevas para drenar energias negativas acumuladas numa encarnação de descaso e irresponsabilidade com a própria consciência e a de outros. Precisava de socorro... Quem ajudaria um ser como eu, que não conseguia sequer lembrar como se fazia uma oração? Meu espírito desencarnara em tal estado de alheamento e perturbação, que não restava outro recurso a não ser deixar que a natureza seguisse seu curso e fizesse o trabalho necessário de depuração.
E neste limbo permaneci por anos, atormentada pelas dores que causei, em um pesadelo em que já me acostumava a viver, a morrer todos os dias…
Lentamente consegui juntar forças e derramei as primeiras lágrimas de remorso. Só depois da ausência das carnes, roupas e pesos humanos eu pude aceitar a derrocada. Compreendi, então, que não fora levada ali para punição, banimento. Recebia o e tratamento justo, necessário para os desviados, profundamente desequilibrados aprenderem enquanto se recuperavam.
O Poderoso decidiu resgatar este espírito. Aos poucos fui despertando para a necessidade de melhorar, evoluir. Naquela manhã, acordei no campo sereno, em condições de debilidade moral, usufruindo de um conforto que não merecia, mas vivenciava. Aguçava os pensamentos na lembrança de como fui parar ali, enquanto era ninada por preces que projetavam a mansidão e a paz tão esperada por esta mente enferma, débil. Alguém, enfim, estendia-me a mão. Recupero-me até hoje dos traumas e cicatrizes que criei no perispírito. As lesões que provoquei foram muito graves, passei por várias cirurgias espirituais e soube que minha próxima encarnação será dolorosa, e expiarei. Mesmo assim, continuei a reunir energias positivas.
Fui encaminhada para uma colônia onde estou sendo tratada e passo o tempo estudando e realizando tarefas úteis. É preciso controlar a revolta para não acabar retornando para o lugar de onde saí. Continuamos sempre com nosso livre arbítrio.
Peço a vocês, pai e mãe, muitas orações; que vocês e a família de Ivo perdoem a nossa loucura. Não foi tão simples pegar na mão deste amigo que me serve de intermediário. Ver vocês com o coração em pedaços é doloroso. Agora que Deus permitiu nosso reencontro estou mais em paz. Somos unidos pelos laços de amor,
Maria Celeste.
* Psicografada pelo médium João da Paz, na Sociedade Estrela Cadente.
Temas: Sobrenatural, religião.