Demônios da noite

Anoiteceu e eu corria por entre as arvores, fugindo de passos furiosos e respirações ofegantes. Eu nunca corri tanto em minha vida, saltei sobre um tronco e não calculei a distância certa, torci o tornozelo e cai sobre os joelhos, tentei ficar sobre os pés, porém a dor me lançou sobre o chão. Naquele momento eu apenas desisti, ouvi vozes se aproximando, as vegetações se afastando, e de repente dois homens ficaram diante de mim. O mais alto se inclinou e se aproximou de meu rosto, ele estendeu a mão e tirou alguns fios de cabelo em minha testa com a ponta de seu dedo. Um sorriso sínico atravessou seu rosto, eu pude ler sua mente. O outro homem, um pouco mais baixo, barriga avantajada, rosto redondo, olhos grandes e pouco cabelo, o empurrou se lançando sobre mim. Recebi alguns socos que fizeram minha nuca bater algumas vezes contra o tronco de uma arvore, senti gosto de sangue no fundo da boca, fechei os olhos e rezei para que as agressões não piorassem.O homem mais alto me chutou algumas vezes, e por fim ele sacou uma arma de cano muito longo, não consegui distinguir por minha vista estar turva e a dor na nuca me confundia. Ele encostou o cano da arma em minha testa, eu vi seu rosto iluminar, não era raiva, era prazer. Ele sussurrou alguma coisa, abriu um sorriso ainda maior e puxou o gatilho, eu fechei os olhos perdi a mobilidade do corpo todo, ouvi de longe suas rizadas se afastando ainda mais, não senti dor, mas senti minha cabeça ficar pesada e de repente eu perdi tudo. Eu estou morta?

Não tinha como não estar, eu levei um tiro na cabeça, mas como eu ainda estou pensando? Abri os olhos e a realidade mudou, eu não estava jogada no meio do mato, nem estava repleta de sangue como se pode imaginar. Eu estava deitada sobre uma cama muito grande, acima de mim um pano de cor vinho, ele se estendia por toda a dimensão da cama e nos quatro canto havia uma pequena pilastra de madeira entalhada a mão que ligava o pano a cama. Ao redor as paredes eram todas revestidas de madeira com grandes janelas fortemente lacradas. Um grande lustre de vidro ressaltava a beleza do quarto, porem não havia lâmpadas, apenas velas acesas. Ao lado da cama um pequeno criado mudo e uma estante de maquiagem com um grande espelho. Saltei da cama e caminhei pelo quarto, de repente parei diante do espelho e não havia imagem refletida. Eu me joguei para trás, me lancei sobre a cama e joguei meus olhos para minha roupa, eu vestia uma calca de couro e um sobretudo preto com detalhes vermelhos. Enquanto eu analisava desesperadamente minha mudança, a porta do quarto se abriu e um homem adentrou, ele vestia uma roupa de mordomo porém muito antiga, pele branca, olhos brancos, cabelos muito bem penteados, e se inclinou quando se aproximou de mim.

-Boa Noite, eu sou Peter- fez uma pauda dramática - o mordomo. Venho lhe avisar que o jantar já esta servido.

Ele deu as costas e desapareceu no corredor. Corri atras dele e me deparei com uma escada e um correr longo e largo. Algumas tochas na parede iluminavam o caminho, quadros de pessoas com olhar frio e pensativo, um tapete vermelho percorria todo o corredor, as paredes de pedra davam um ar medieval. Decidi descer as escadas e seguir por outro corredor que me levou a outra escada, a outro corredor, a outra escada e a outro corredor. Enfim cheguei a um salão, no centro uma mesa longa e cheia de cadeiras dos dois lados , muitos lustres - iguais a do meu quarto- percorriam a mesa toda, o teto todo desenhado porém já muito desgastado pelo tempo, muita comida sobre a mesa, fruta, vinhos, pão, carne. Peter se aproximou e puxou uma cadeira para mim, eu me sentei e ele empurrou a cadeira para que eu pudesse me sentir confortável.

- Vinho? - ele me questionou já entornado a garrava sobre uma taça de cristal - diga quando parar.

Estendi a mão e ele colocou a garrafa diante de mim. De repente a porta se abriu e uma figura feminina surgiu, ela desceu alguns degraus e se aproximou da mesa de forma elegante e calculada.Ela vestia um longo vestido preto com as mangas vermelhas e um colar também vermelho que tampara seu pescoço. Ela se sentou na outra ponta da mesa, ficando muito distante de mim.

- Olá - disse ela gentilmente - Eu sou a Condessa Elisabeth, te encontrei na floresta algumas noites e te trouxe para meu castelo,

- Eu agradeço - disse levantando a taça de vinho - O que você fez comigo? Por que não estou morta?

- De certa forma você está.

Não voltei a questiona-la, apenas a observei brincar com a comida com a ponta do garfo.

- Você já ouviu a Historia da Condessa Elisabeth Lyucok?

- Sim - respondi sorrindo- Ouvi dizer que ela se tornou uma vampira na adolescência, por amor, mas não tornou seu amado vampiro também, pois tinha medo de que sofresse represália junto a ela. Mas certo dia, ambos foram queimados em praça publica porque as pessoas achavam que eles fossem bruxos. Dizem que o espirito da Condessa Lyucok ainda vaga pelos corredores de seu castelo.

- Parte dessa historia é real. De fato não o transformei em vampiro, e realmente nos queimaram em praça publica. Porém estava anoitecendo e eu consegui fugir. Mas, eu fugi sozinha.

- Você é a condessa Lyucok?

- Você não me disse seu nome.

Eu camuflei minha feição assustada.

- Meu nome é Cassie.

- Muito prazer Senhorita Cassie - ela sorriu a distancia - eu não apenas sou a Condessa Lyucok, como também te transformei em vampiro, como acha que sobreviveu a um tiro na testa?

Naquele momento tudo fez sentido, as roupas, meu reflexo não ter aparecido no espelho, o castelo ser de pedra e eu não estar sentindo frio, vinho não ter gosto de vinho - era sangue o tempo todo- e nenhuma de nos termos fome para comermos alguma coisa da mesa, eu não ter medo do desconhecido.

- Eu deixei uma pessoa morrer uma vez, não farei isso de novo. Você esta livre para ir e vir. Não fique na claridade do dia. Mas durante a noite você podera fazer o que quiser.

Eu li a mente dela naquela noite, ela não me transformou porque não queria viver - no sentido figurado- com as pessoas que ela não pode salvar. Ela apenas estava cansada de ficar sozinha, ela queria alguém para dividir o castelo e a sua existência vazia. Naquela noite eu me despedi e fui para a cidade, cacei os homens que me mataram, os amarrei de cabeça para baixo, arranquei seus corações pela boca e os deixei sangrar até a morte, depois rasguei seus corpos e assisti os corvos devorarem cada pedaço com a mesma feição sínica que me deram. Depois voltei ao castelo, fui recebida de forma gentil, e nunca me senti tão em casa. Durante a noite eu saia para a floresta e matava todos os homens que se aproveitavam da escuridão para machucar alguém. E durante o dia eu fazia companhia para a Condessa Lyucok, que me ensinou a arte de ler mente, hipnose, voar - se transformando em morcego-, velocidade. Hoje somos lendas, conhecidas como " os Demônios da noite". Nos portais da cidade tem uma placa gigante repleta de ossos e sangue escrito " Aqui jaz os Demônios da Noite, sobreviva se puder." Alguns estudiosos vieram verificar a vericidade dessa lenda. Onde eles estão agora? Pergunte aos corvos.

Ashira
Enviado por Ashira em 01/04/2016
Reeditado em 20/04/2016
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