REPUBLICAÇÃO - NOITE DE FESTA
Há experiências nas nossas vidas que por mais que queiramos esquecer, fica em uma gaveta sempre pronta pra ser puxada e reveladas, mesmo com o risco que sejamos taxados como ridículos ou até mesmo loucos, acho até que é isso que irá acontecer comigo no exato momento que tentar transcrever a minha, vamos a ela.
Mas uma vez estou na cidade natal do meu pai, um interiorzinho a 120 Km de Salvador, deveria ter uns 06 anos, era entre os meninos o mais novo, minha irmã ainda chupava bico e andava com uma fralda pra cima e pra baixo cheirando(mania que durou até os 10 anos) nessa época, data de aniversario de casamento dos meus avós, todos se reuniam. Meus tios e primos surgiam vindo de não sei onde, era tanta gente, que só mesmo aquele sitio com seus seis quartos pra ajeitar a todos e mesmo assim sem muito conforto. Durante o dia era só farra, tomar banho no rio, subir em arvores, comer tomates semi-maduros(coisa que minha finada vó se zangava) porém chegava um momento dessa algazarra que eu esperava e me trazia angústia, que era o anoitecer, não sei se por causa das estórias que os adultos insistiam em contar, pra depois dizer que eramos chorões, pois assombração não existiam, ou o objeto que minha vó dizia ser algo trazido por meu bisavô(lêr meu conto Aquilo encima da estante) sei lá, só sei que entrava em pânico quando anoitecia, porém essa noite não téria estórias e sim festa, festa em homenagem aos meus avós, só que em um vilarejo afastado do nosso sítio e por haver alguns adolescentes na casa, fomos deixados sob as suas guarda, 4 adolescentes entre 14 e 16 anos, tomando conta de 9 crianças entre 04 e 09. Nossos primos mais velhos foram orientados para nos dar banho no horário certo, colocar o café e nos mandar pra cama na hora certa também, que também seria mais seguro deixar os cachorros dentro de casa. Eram 05 cachorros: Piau - o mais velho e maior, Sardinha - o mais arteiro, Boto - o mais bravo, Piaba - o menorzinho e o xodó das meninas e Ipaiá - uma fêmea um pouco anti-social com estranhos( os mais velhos dizem que dar nome de peixes a cães eles vivem mais e acho que dá certo mesmo!) sim... continuando... eles se espalhavam pela casa, tomando seus lugares e só saim dali quando os adultos chegavam. A noite prosseguia tranquila, conversas, brigas e até namoros(sabe como são os primos) e como era de se esperar os menores foram sendo vencidos pelo sono, os maiores também e a casa repousou em silêncio total. O engraçado dessas noites no sitio é que enquanto existisse uma luzinha acesa tudo era clareado por ela. mas ao apaga-lá, tudo era engolido pela escuridão, parecia que o escuro ficava só esperando a hora de atacar e isso sempre chamou minha atenção, por que a luzinha era tão pequena sempre vindo de um simples lampião ou candeeiros, já a escuridão não, era grandona, eu olhava pra fora da casa e lá estava ela, engolindo tudo só sendo barrada por aquela luzinha. Já era umas 23:00 a festa lá na cidade deveria ainda tá pegando fogo, eu estava no quarto de minha vó, junto com minha irma e um primo( a cama da minha vó era enorme, era Queen Size daquela época) piau que era o cachorro que eu mais gostava e acho que a recíproca era verdadeira dormia embaixo da nossa cama, os outros cães se acomodaram uns na sala outros na porta do fundo e outros também fazendo companhia aos meu primos nos quartos, eu não sei como se iniciou aquela agonia, eu só lembro que em uma momento tudo estava calmo e no outro a gritaria, acordei assustado com minha irmã chorando também sem entender o que tinha acontecido, piau saiu debaixo da cama e já se encaminhou pra porta dos fundos, parecia já saber o que estava acontecendo e o que fazer, os outros cães também tiveram a mesma atitude. Pense ai um monte de menino chorando e gritando e ninguém pra dizer o que deveria ser feito, até que meu primo que era mais velho resolveu deixar os cães saírem, porém deixou piau dentro de casa conosco, imaginando que o que é que fosse que estivesse do lado de fora irritando tanto os cães se por acaso entrasse encontraria um vira-lata. mestiço de Fila com Pastor, pronto pra nos proteger.
Os cães voaram pela porta, e tivemos que fazer muita força pra segurar piau, que queria ir junto com seus companheiros, de dentro da casa só ouvíamos grunhidos, ganidos e de repente uma correria, como se estivessem dando volta na casa, de repente os latidos foram se distanciando, até que parou. Dentro da casa nós tentávamos saber o que tinha acontecido, piau ia de um lado a outro da casa querendo, sair, depois de alguns minutos com os ânimos acalmados, até o do próprio piau, tudo foi esclarecido, no meio da confusão realmente não percebi que uma das minhas primas estava parada, estática, achei até que ela deveria ser a única que estaria calma diante daquele inferno, ledo engano. Após ter se acalmado ela nos contou o seguinte: Ela acordou com alguém batendo a porta do fundo, como ela estava no quarto que era próximo da cozinha ela foi ver quem era, achou até que seria nossos pais retornando da festa, quem frequentou essas casas na roça sabe que a maioria das casas são de cimento, mas acho que as vezes por ter o dinheiro gasto em outras coisas, algumas partes das casa são terminadas em Massapê(barro batido) e com o tempo aparecem buracos que as vezes são tapados e outras não, já que as partes que são de massapê ficam nas cozinhas e não são todos que entram nelas, então fica assim, a sala feita de cimento(lugar das visitas) e cozinhas de massapê(local das pessoas da família ou amigos íntimos)sim... minha prima acordou e foi ver quem era, e olhou em um desses buracos(olhos mágicos naturais) pra saber quem era, ela diz que não lembra muito bem, só lembrar de ter visto um homem branco, mas branco mesmo cor de leite, mas os olhos eram vermelhos, que olhou pra ela no mesmo buraco em que olhava, ele pediu que ela abrisse a porta, ela ficou parada, petrificada olhando pra ele, o homem então vociferou pra que ela abrisse a porta que ele estava com fome, e nesta hora seu rosto pálido já se tornava escuro, ele caiu no chão como se estivesse tendo espasmos de dor e a ultima coisa que ela se lembra, foi ele implorando pra que ela abrisse a porta pois estava com fome e ver seu corpo se debater e dobrar de tamanho. Durante toda a balbúrgia, ela ficou ali parada perto da porta, sem se mexer, catatônica, tanto que a iniciativa de abrir a porta pra deixar os cachorros saírem foi do meu primo que pra isso teve que empurra-la, pra tira-lá do caminho. Lembro-me de passar o resto da madrugada rezando pra que meus pais viessem logo, quando chegaram e nos encontraram acordados(ninguém dormiu mais, lógico!) ainda tomamos bronca e mais outra quando não encontraram os cachorros, alguns de meus primos queriam ir pra casa no outro dia, mas ainda faltavam 03 dias para chegar o dia combinado por todos pra retornarmos a Salvador, os cachorros apareceram no final da tarde do mesmo dia, todos sujos e famintos, como se tivessem corrido muito, piau os esperou o dia todo sentando na frente da casa, aquela noite foi inesquecível, guardada e esquecidas por alguns, nossos pais disseram que foi imaginação, que os cachorros devem ter perseguido algum cão rival que se aproximou da casa, mas coincidência ou não, todas as noites era padrão, os cães choravam pra poderem entrar em casa, e quando o acesso era liberado, cada um deitava embaixo da cama onde estávamos dormindo e isso melhorou muito as minhas noites de sono.
P.S hoje quando estou na minha casa assistindo meus filmes, ou até mesmo lendo os contos do site, quando desligo a luz vejo que a escuridão diminuiu, ela não está tão grande como antes, como na roça. Ela hoje tem medo ou vergonha, pois quando apago a luz, ela não vem como antes, toda cheia de si, arrogante, tomando tudo e as vezes nessas horas imagino se não houvesse os cães? o que ele teria comido? hoje mesmo, estou aqui, são 22:45, chovendo pra caramba, acho que uma canela do poste de énergia caiu, tá tudo escuro(não a escuridão de antes) e eu não tenho cachorros...meu Deus!