RESGATE DE UMA ALMA INDO RUMO AO INFERNO
Fiquei sem chão quando recebi, de madrugada, um telefonema. Era dos familiares comunicando sobre velório do meu melhor amigo. Não acreditei na funesta notícia, afinal, era um cara jovem, de apenas vinte e dois anos, saudável, forte, bonito, alegre, fui a sua formatura na semana passada, ele havia se graduado em Física pela UERJ. Fora encontrado morto em seu apartamento. Fisionomia serena, parecia estar dormindo. Os médicos disseram que seu coração parou de repente. Não houve esforço, nem aborrecimento, uso de drogas, nada que pudesse ter provocado sua morte.
Todos, como eu, ficaram chocados.
Ao receber a informação, fiquei andando em círculos dentro de casa e tão atordoado que falava alto e sozinho, ainda descrente, quando, na penumbra, no corredor, achei ter visto um vulto, pensei "é ladrão!". Peguei o celular no console para ligar para a polícia e uma voz cavernosa cortou o ar debochando:
- hehehehehe, continua o mesmo babaca de sempre!
Imediatamente reconheci a voz, era do meu amigo. Não entendi nada.
- Você não morreu? O que está fazendo aqui?
-Calma, ainda há uma chance do meu corpo "ressuscitar". E só você como meu melhor amigo, vai poder me ajudar, mas tem que ser agora, antes do meu sepultamento. Só confio em você, brother!
- E como farei isso?
- Bem, não posso demorar muito aqui, escuta direito o que vou falar que é uma longa história. Durante as obras que mandei realizar no apartamento centenário que comprei em Ipanema, encontrei um livro secreto que ensinava a fazer um pacto com o diabo, um ritual para conseguir ter sucesso em todas as áreas da vida...
-Vai dizer que fez o tal pacto. Pra quê? Se você já tem tudo, todos o admiram! Depois o babaca sou eu...
- Não me julgue! Eu só quis fazer o pacto por curiosidade, pra ver se tais coisas existiam mesmo, sempre fui cético. Deixa eu contar que não tenho tempo, se descobrirem que estou aqui, aí mesmo é que minhas chances se extinguem. Bem, nestes rituais eu teria que cortar o pescoço de um bode, chupar seu sangue e deixá-lo sangrar até o fim, no meio de uma encruzilhada, além de ter que pronunciar as palavras "mágicas" no dia anterior. Eu pronunciei as palavras, mas o bode eu não consegui nem cortar a garganta, porque já sabe, eu sou vegano e amo animais...Resultado, neste momento, estou no barco de Caronte, perto das ilhas Cagarras, indo rumo ao inferno.
- Mas o que eu posso fazer?
- Ou você me resgata, ou conversa com Caronte.
-Mas se você está lá, como pode estar aqui?
- Não sei, cara, não entendo de almas quanto mais da minha...
- Mas o que falar com Caronte? Que você quer enganar o diabo?
- Não sei, cara, você sempre foi bom com as palavras, não é à toa que tornou-se advogado... Temos que ir lá agora! Liga pro Califa agora e vamos no Iate dele que está na Marina. Vamos logo, que se ele não puder, procuramos outras opções, um bote, qualquer outra coisa que boie!
- Vamos alugar um barco, é melhor que ninguém mais saiba desta história.
Fui de carro, olhei para o banco do carona e não vi mais o amigo. Chegando na Marina, consegui um pequeno barco de madeira a motor de um pescador por trezentos reais. Que, desconfiado, fez uma série de perguntas:
- Por que o senhor quer um barco uma hora destas? Não é droga nem contrabando, não, não é, senhor?
- Não. Eu vou sozinho, é pra cumprir uma promessa pessoal que fiz a Yemanjá. Daqui a pouco retorno com o seu barco. Pode me revistar.
- Mas tinha que ser de madrugada?
- Sim, porque não posso ser visto, senão meu pedido não se realiza...
- Então. fico aqui esperando o senhor retornar, promessa à rainha do mar é sagrada!
Desancorei, liguei os motores e depois de alguns minutos avistei o barco de Caronte, que estava trajado com um gabão azul, cujo capuz cobria o rosto.
Encostei o barco do lado do outro e vi meu amigo dentro dele na mais total submissão, porém, seus olhos sorriram de alegria quando me viram.
- Bom dia, senhor Caronte, sei que o senhor é muito ocupado. Estou aqui porque o passageiro que o senhor está levando para o inferno é meu melhor amigo. Isto é um equívoco, basta dizer que meu amigo sempre foi honesto, sempre foi bom, não tem nenhuma vocação para a maldade. Será de pouca serventia para o diabo e para o inferno. Podemos fazer uma troca justa?
Com voz poderosa respondeu:
-Que tipo de troca?
- Almas penadas!
-Almas penadas?
- Sim. Elas se escondem nos fundos de um casarão que deve ter uns dois séculos e hoje é usado como botequim, os donos do estabalecimento invadiram a parte da frente, tem uns quinze anos. Fica localizado na Gamboa. Leve as almas, elas estão presas ali, pelo menos no inferno elas terão mais liberdade. Só não deixem nenhuma escapar, porque podem querer se vingar e me atasanar para o resto da vida! Nunca pensei: X9 de almas...
- Sim, eu acabei de vê-las, são treze! Troca feita!
Meu amigo simplesmente desapareceu no ar.
-Muito obrigado e meus respeitos, grande barqueiro!
Dei meia volta e voltei. Entreguei o barco e já amanhecendo, fui ao velório. Na porta do cemitério, lá estava meu amigo com seu terno preferido e um largo sorriso. Andando rápido para me abraçar:
- Você conseguiu, brother!
Fiquei sem chão quando recebi, de madrugada, um telefonema. Era dos familiares comunicando sobre velório do meu melhor amigo. Não acreditei na funesta notícia, afinal, era um cara jovem, de apenas vinte e dois anos, saudável, forte, bonito, alegre, fui a sua formatura na semana passada, ele havia se graduado em Física pela UERJ. Fora encontrado morto em seu apartamento. Fisionomia serena, parecia estar dormindo. Os médicos disseram que seu coração parou de repente. Não houve esforço, nem aborrecimento, uso de drogas, nada que pudesse ter provocado sua morte.
Todos, como eu, ficaram chocados.
Ao receber a informação, fiquei andando em círculos dentro de casa e tão atordoado que falava alto e sozinho, ainda descrente, quando, na penumbra, no corredor, achei ter visto um vulto, pensei "é ladrão!". Peguei o celular no console para ligar para a polícia e uma voz cavernosa cortou o ar debochando:
- hehehehehe, continua o mesmo babaca de sempre!
Imediatamente reconheci a voz, era do meu amigo. Não entendi nada.
- Você não morreu? O que está fazendo aqui?
-Calma, ainda há uma chance do meu corpo "ressuscitar". E só você como meu melhor amigo, vai poder me ajudar, mas tem que ser agora, antes do meu sepultamento. Só confio em você, brother!
- E como farei isso?
- Bem, não posso demorar muito aqui, escuta direito o que vou falar que é uma longa história. Durante as obras que mandei realizar no apartamento centenário que comprei em Ipanema, encontrei um livro secreto que ensinava a fazer um pacto com o diabo, um ritual para conseguir ter sucesso em todas as áreas da vida...
-Vai dizer que fez o tal pacto. Pra quê? Se você já tem tudo, todos o admiram! Depois o babaca sou eu...
- Não me julgue! Eu só quis fazer o pacto por curiosidade, pra ver se tais coisas existiam mesmo, sempre fui cético. Deixa eu contar que não tenho tempo, se descobrirem que estou aqui, aí mesmo é que minhas chances se extinguem. Bem, nestes rituais eu teria que cortar o pescoço de um bode, chupar seu sangue e deixá-lo sangrar até o fim, no meio de uma encruzilhada, além de ter que pronunciar as palavras "mágicas" no dia anterior. Eu pronunciei as palavras, mas o bode eu não consegui nem cortar a garganta, porque já sabe, eu sou vegano e amo animais...Resultado, neste momento, estou no barco de Caronte, perto das ilhas Cagarras, indo rumo ao inferno.
- Mas o que eu posso fazer?
- Ou você me resgata, ou conversa com Caronte.
-Mas se você está lá, como pode estar aqui?
- Não sei, cara, não entendo de almas quanto mais da minha...
- Mas o que falar com Caronte? Que você quer enganar o diabo?
- Não sei, cara, você sempre foi bom com as palavras, não é à toa que tornou-se advogado... Temos que ir lá agora! Liga pro Califa agora e vamos no Iate dele que está na Marina. Vamos logo, que se ele não puder, procuramos outras opções, um bote, qualquer outra coisa que boie!
- Vamos alugar um barco, é melhor que ninguém mais saiba desta história.
Fui de carro, olhei para o banco do carona e não vi mais o amigo. Chegando na Marina, consegui um pequeno barco de madeira a motor de um pescador por trezentos reais. Que, desconfiado, fez uma série de perguntas:
- Por que o senhor quer um barco uma hora destas? Não é droga nem contrabando, não, não é, senhor?
- Não. Eu vou sozinho, é pra cumprir uma promessa pessoal que fiz a Yemanjá. Daqui a pouco retorno com o seu barco. Pode me revistar.
- Mas tinha que ser de madrugada?
- Sim, porque não posso ser visto, senão meu pedido não se realiza...
- Então. fico aqui esperando o senhor retornar, promessa à rainha do mar é sagrada!
Desancorei, liguei os motores e depois de alguns minutos avistei o barco de Caronte, que estava trajado com um gabão azul, cujo capuz cobria o rosto.
Encostei o barco do lado do outro e vi meu amigo dentro dele na mais total submissão, porém, seus olhos sorriram de alegria quando me viram.
- Bom dia, senhor Caronte, sei que o senhor é muito ocupado. Estou aqui porque o passageiro que o senhor está levando para o inferno é meu melhor amigo. Isto é um equívoco, basta dizer que meu amigo sempre foi honesto, sempre foi bom, não tem nenhuma vocação para a maldade. Será de pouca serventia para o diabo e para o inferno. Podemos fazer uma troca justa?
Com voz poderosa respondeu:
-Que tipo de troca?
- Almas penadas!
-Almas penadas?
- Sim. Elas se escondem nos fundos de um casarão que deve ter uns dois séculos e hoje é usado como botequim, os donos do estabalecimento invadiram a parte da frente, tem uns quinze anos. Fica localizado na Gamboa. Leve as almas, elas estão presas ali, pelo menos no inferno elas terão mais liberdade. Só não deixem nenhuma escapar, porque podem querer se vingar e me atasanar para o resto da vida! Nunca pensei: X9 de almas...
- Sim, eu acabei de vê-las, são treze! Troca feita!
Meu amigo simplesmente desapareceu no ar.
-Muito obrigado e meus respeitos, grande barqueiro!
Dei meia volta e voltei. Entreguei o barco e já amanhecendo, fui ao velório. Na porta do cemitério, lá estava meu amigo com seu terno preferido e um largo sorriso. Andando rápido para me abraçar:
- Você conseguiu, brother!