ESPERA...
De súbito, acordei. O espasmo fez-me elevar o tronco repentinamente contra uma estrutura que julguei ser de ferro ou qualquer outro tipo de metal. Minha ofegante respiração, juntamente com o breu que se instalava naquele local clautrofóbico era a liga perfeita para meu terror particular. Com as mãos crispadas e quase impossibilitadas de se levantarem, golpeei incessantemente como podia a tal estrutura. Em vão. Silêncio, a não ser pelo ar que eu inspirava e expirava com desejo e que eu constatava o término iminente.
Não pude discernir quanto tempo fiquei ali deitado. A fraqueza tomava conta de meu corpo dolorido. Só me restava esperar. Esperar. Esperar para viver, esperar para morrer, esperar. Só esperar.
Finalmente algo deveras insólito aconteceu. Ouvi um clique. Instantes depois, a luz feriu meus olhos quando uma espécie de tampo – a tal estrutura de metal – se abriu. Quando me levantei, percebi que estava numa espécie de ataúde. Arrepiei-me e tão logo consegui, levantei-me dali. Ao forçar as pernas no piso, caí de joelhos. Devia ter ficado ali estendido por muito tempo. Por alguns instantes, alonguei meus músculos.
Era noite, eu percebia. A luz que invadiu meu claustrofóbico lar - arrepia-me pronunciar isso - poucos minutos atrás advinha de colossais lampadários instalados no teto do galpão onde eu me encontrava. Não me recordo de como cheguei ali. Fui caminhando trôpega e lentamente até onde julguei ser a saída daquele complexo arquitetônico abandonado. Posso jurar que era um laboratório de pesquisas ou algo análogo. Passei por diversos portões antes de, finalmente, ganhar a rua.
Meu desejo prioritário consistia em saber o que diabos havia acontecido. Vaguei pelas lúgubres alamedas que circundavam o galpão que, aliás, só possuía árvores sem copas, secas. Não havia uma viva alma para quem eu pudesse perguntar onde estava.
Continuei a vagar até avistar um vulto. Apressei-me para alcançá-lo. Ao me aproximar, constatei ser uma mulher. Perguntei-lhe se ela era das redondezas. Estranhamente não me respondeu, nem sequer olhou para mim. Ainda tentei chamar sua atenção mais uma vez, mas ela me ignorou. Desisti. Devia ser surda ou algo que o valesse.
A alvorada chegava timidamente. Olhei em volta e notei mais algumas pessoas circulando ao longe. Mais próximo, um velho, sentado em uma cadeira de balanço, fumava cachimbo. Dirigi-me até ele. Com educação, perguntei-lhe sobre o porquê de a cidade estar suja e abandonada. Suas vistas permaneceram mirando o sol no horizonte, sem elucidar minhas dúvidas. Tragava o cachimbo e soltava a fumaça lentamente. Resolvi não insistir com pessoa tão taciturna. Ele, então, se levantou e veio de encontro a mim. Tentei sair de seu caminho para evitar a colisão, mas minha debilidade muscular ainda limitava minhas articulações bruscas. Insolitamente seu corpo atravessou o meu como uma mão atravessa a fumaça. Arrepiado, ao me virar, ainda contemplei as costas do ancião.
A incerteza invadiu meu ser. Não entedia o que ocorrera havia pouco. Fiquei ali parado sem saber o que fazer, perdido, sem rumo. O sol já havia nascido. Passei, então, os olhos marejados pelo jornal amarelado jogado a alguns metros da fachada da casa do velho. Meus olhos se arregalaram com a manchete: "Guerra Nuclear Dizimará População Mundial". Apressei-me em tomar a página e ler o restante da matéria: "A guerra nuclear entre os países do Ocidente e do Oriente já matou diretamente doze milhões de pessoas em apenas três anos. A radiação liberada pelas explosões nucleares é mais de cem vezes a liberada pelo acidente de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. Nos próximos dez anos, estima-se que mais de ¾ da população mundial já esteja morta".
Ao ler aquilo, um terror se apossou de mim. Com um soturno olhar, contemplei em minha volta dezenas de pessoas ironicamente vivendo seu cotidiano sem saberem que não mais viviam. Não entendi por que fiquei, talvez pelo esquife que me protegeu da radiação. Não sei se foi isso, só estou divagando, mas, se foi, meu corpo não mais se beneficia de tal defesa e agora também é passível desse veneno que tomou conta da atmosfera. Minha morte, talvez a última do que sobrou da humanidade, é iminente. Só me resta esperar. Esperar para viver, esperar para morrer. Esperar...