A BESTA
A BESTA
“A verdadeira realidade existe além dos detalhes, além da
visão natural”
Ele sussurrou por baixo da porta. – Ela está entre nós. – Uma voz abafada e rouca.
Janie e Rafael afastaram-se e se prontificaram na parede do outro lado da sala. As luzes piscavam, a TV ligada ruía sons estranhos que se propagavam num tom irreal. O som da besta se aproximando da porta e dilacerando Richard foi horrendo. O sangue dele escorreu por debaixo da porta, uma poça de uma matiz avermelhada cintilante.
Aquilo não parecia real...
Janie não aguentou a cena e vomitou nas próprias mãos, estava nervosa e morrendo de medo. Não aguentava mais ouvir os gemidos finais de Richard. Rafael pelo contrário estava atônito, inconformado com a própria reação de paralisia involuntária.
Ouve um estrondo... ossos pareciam estar sendo quebrados. De repente não ouviu-se mais os gritos de Richard, apenas o barulho de carne sendo fatiada.
Janie se empolgou com o silencio e resolveu descobrir o que havia acontecido, portanto se aproximou da porta e encostou a cabeça na mesma, de forma que pudesse ouvir algo. Rafael se assusta com a iniciativa de Janie e a puxa, no mesmo segundo algo disfere uma pancada forte na porta trincando-a.
Janie e Rafael podem estar seguros com a barricada de bloqueio, mas ela não seguraria muito tempo.
Do nada surge Luiz no corredor da cozinha segurando um bastão ensanguentado.
– Acho que encontrei uma saída. – Gritou Luiz. – Corram para a cozinha.
– Está é a única porta que não está tão lacrada como as outras. – Explicou Luiz sem folego.
A porta ainda assim estava cheia de madeiras pregadas, não tanto como as outras.
– Como você diz que isso é uma saída. – Não vê que está trancada. – Gritou Janie se esgoelando de desespero.
– Calma, caramba. – Não vê, os pregos estão quase soltos, só precisamos de alguma coisa para arranca-los.
Rafael entrou de supetão na frente de Luiz, colocou as mãos nas madeiras pregadas e começou a puxa-las sem dó com toda sua força. Seus dedos em contato com a madeira desfiada começaram a se cortar e posteriormente suas mãos se encheram de sangue. A dor era excruciante.
Luiz não aguentava olhar e ficava colocando as mãos na cabeça para aliviar a pressão do desespero.
A besta começou a arrombar a porta da sala, felizmente ainda teriam alguns minutos antes que as barricadas fossem superadas.
Quando finalmente os lacres foram arrancados, Rafael estava com a mão obliterada, seus pulsos também haviam se cortado pela violência da ação. Luiz foi o primeiro a sair pela porta...
Coitado...
No segundo que seus pés tocaram o jardim, uma armadilha foi ativada, uma espingarda disparou um tiro contra sua cabeça. Luiz nem sequer soube o que o atingiu, num minuto seus olhos brilhavam almejando a escapatória, e no outro sua cabeça estava estourada com partes do seu celebro e crânio espalhados por todos os lados. Uma rajada de sangue e miolos foi expelida no rosto de Rafael e Janie que caíram no chão.
Luiz estava estirado na frente da porta ainda com pequenos tremidos nos braços e pernas...
A imagem de disparo contra a cabeça de Luiz começou a se repetir na cabeça de Janie.
Janie levantou Rafael e ambos correram para a direção oposta, subindo as escadas, a besta estava quase ultrapassando a barricada.
– Pelo amor de deus, corra. Por favor Rafael não posso carrega-lo. – Suplicou Janie.
Rafael estava psicologicamente incapaz de continuar, ver aquela cena de Luiz o deixou desnorteado.
– Gente, por favor. – Eu estou aqui. – Luiz... – Janie... – Gritou uma voz de um quarto no final do corredor.
– Há meu deus... – Lucas. – Você está vivo. – Falou Janie.
Janie se aproximou da porta onde Lucas chamava e tentou abri-la, porém a mesma estava fechada.
– Janie, é você?
Janie estava com uma seria fratura na parte lateral direita da cabeça... de quando a besta a havia acertado com o bastão. A alguns segundos ele se encontrava anestesiado pelo medo, mas agora a dor começava a vir à tona. Uma forte dor de cabeça começara a consumi-la.
– Fique calmo Lucas, eu vou ajuda-lo. – Falou Janie tentando acalma-lo.
– Não você não entende a chave está no quarto ao lado. – Dayana ia pega-la para mim, mas ela não retornou.
– Como assim? Como você sabe que está no outro quarto?
– “Ela” disse.
– Quem?
– A besta...
Janie se afastou na maçaneta da porta, e arrastou Rafael encostando-o na parede.
Um rastro de sangue coagulado manchava o chão seguindo até o quarto sinalizado por Lucas. A garota cheia de coragem, atravessou o corredor vagarosamente. O som da besta arrombando a porta na sala martelava em seus pensamentos, a cena de sua morte era tão clara que circundava em sua cabeça como um djavu. Não haviam escolhas, nem outros meios, ou era sobreviver daquele jeito, ou se deixar ser consumido pelo provável destino.
A porta estava entreaberta, algo lhe parecia errado, onde poderia estar Dayana...
Um frio congelou suas mãos, não podia empurrar aquela porta, porém no ato se lembrou de Luiz e sem pensar somou suas forças abrindo-a e entrando num rápido movimento.
As luzes se acenderam no minuto que entrou, Dayana estava sentada de costas em uma cadeira de cabeça baixa. Por um segundo, enquanto atravessava o quarto ela ouviu uma voz cintilar uma frase...
– A besta... está neste... quarto...
Janie ignorou-a pois não conseguiu entender a mesma; – Dayana, você está bem, onde está o molho de chaves. – Sussurrou Janie.
Sua resposta foi o silencio ensurdecedor.
Uma lagrima translucida escorreu por dentro de seus olhos, Janie estava aflita.
Ela aproximou a mão do ombro de Dayana. O quarto não lhe parecia um lugar perigoso, as coisas estavam bem arrumadas.
A tensão diminuiu ao se aproximar de Dayana.
Quando tocou no seu ombro, sentiu uma pele fria e sem vida. Foi então que o facão se desprendeu de sua mão e caiu no chão... Janie viu pelo reflexo da lamina o pescoço de Dayana cortado.
– O que você fez? – Perguntou Janie, num tão quase inaudível.
O molho de chaves estava na sua outra mão...
Janie olhou para o rosto de Dayana, seus olhos vazios se envolviam na escuridão da morte, sem luz, sem vida...
Ela puxou as chaves da mão de Dayana e tomou o facão para si.
Quando retornou para o corredor, Rafael havia desaparecido, e o barulho de arrombamento da porta da sala parecia ter cessado. Antes de abrir a porta para Lucas, ela desceu as escadas e confirmou se a porta havia sido arrombada. Porém ao contrário do que imaginou, a porta ainda não havia sido alvejada completamente.
– Lucas, onde está Rafael...
– Lucas... – Chamou Janie, porém ele não respondeu.
Janie procurou a chave da porta, e após longas tentativas encontrou a certa. Ela girou-a na fechadura.
– Janie... – Gritou Lucas batendo na porta desesperadamente. – Socorro. Tem alguém aqui dentro...
Só faltava puxar a maçaneta.
Após Lucas dizer aquilo, a luz do quarto que aparecia por debaixo da porta se apaga.
E então alguém abre a porta, mas não é possível se ver nada, a escuridão profunda circunda o quarto.
– Lucas, é você?
Ela foi se abrindo enquanto um rangido inexpugnável ecoava.
Janie chamou;
– Lucas...
Lucas surgiu inesperadamente na frente da porta gritando;
– Por favor, me ajude.
Suas pernas estavam sendo puxas por uma sombra... ela tentou agarrar a mão dele, mas “aquilo” o puxou tão forte que o levou de volta para dentro do quarto. A porta novamente se fechou e os gritos de Lucas acordaram novamente os sons de arrombamento da porta da sala. Lucas continuou gritando, cada vez mais alto....
Janie correu, o mais rápido que pode, desceu as escadas sem ar, com o coração batendo acelerado. Ela olhou para as mãos e notou que estavam cheia de sangue.
No momento que ela chegou na Sala, a porta foi finalmente arrombada, e então...
Uma dúzia de policiais armados entraram na casa, eles jogaram Janie no chão e a algemaram.
– O que vocês estão fazendo. – A besta, ela matou todo mundo. – Gritava Janie para os policias.
Rafael entrou pela porta da frente acompanhado pelo detetive James, seus olhos estavam cheios de magoa e ódio.
Rafael se aproximou de Janie que estava algemada no chão e disse;
– Foi ela, detetive... – Ela matou todo mundo. – Ela é a besta.
Janie ficou chocada com as palavras de Rafael, e foi neste exato minuto que todas suas memorias reprimidas retornaram e seu olhar finalmente se mostrou gélido. Agora tudo fazia sentido...