Massacre na Oca-koko
Era meio da tarde em uma região alagada por um rio majestoso. Algumas pedras e porções de terra formavam pequenas ilhotas entre o rio e a mata espessa. Em uma dessas ilhotas existia uma espécie de choupana que funcionava como um restaurante tribal, o povo da mata que vivia por ali se alimentava lá, moradores de uma cidade próxima também visitavam a famosa Oca-koko em busca de comida exótica ou remédios conhecidos apenas pelos sacerdotes índios dali.
Das calmas águas do rio surgiu uma bela e esbelta mulher de pele branca, cabelos negros e bem lisos na altura dos ombros, usava um vestido 'tomara que caia' de couro colado ao corpo, delineando suas belas curvas e terminando um palmo acima dos joelhos. Apesar de sair de dentro d'água ela não estava molhada, não era uma mulher qualquer. Tirou suas sandálias pretas de salto agulha do rio e começou a seguir o pequeno caminho de pedras com maestria em direção à choupana, nos olhos trazia um semblante que misturava determinação e tédio, ela tinha um trabalho a fazer...
Na cidade de Taipó, a poucos quilômetros dali, Regina acordou sobressaltada no início da noite, olhou para a lua completa e majestosa no céu, fez um pedido silencioso e foi para o quarto da mãe. Ela não dormira na noite anterior nem na maior parte do ultimo dia. Sua mãe havia caído enferma e ela se dedicara a tratá-la sem descanso até que seu corpo não aguentou mais e a forçou a tirar um cochilo de poucas horas. Sua mãe só piorara e sem outras opções ela decidiu alugar um barco e se aventurar na noite em busca da ajuda dos sacerdotes e sacerdotisas indígenas que viviam em uma choupana ali perto conhecida como Oca-koko. A cidade era carente de médicos e ela acreditava que o povo da mata podia ajudar sua mãe, então foi até o porto e alugou um pequeno barco no cais. Ela já tinha ido a Oca-koko várias vezes então não seria problema achar o caminho certo, além disso naquela hora a choupana estaria em festa como em todas as noites de lua cheia, pessoas cantando e dançando em rodas, fogueiras acesas, animais sendo assados, discussões, todo aquele tumulto conhecido. Depois de algum tempo porém, navegando no curso do rio, Regina percebeu que algo estava diferente. A essa altura ela deveria ver a claridade das fogueiras e ouvir o barulho da festa, mas tudo estava estranhamente calmo. Na ultima curva do rio antes da choupana veio a surpresa, a Oca-koko estava silenciosa, abandonada, deserta.
Regina ancorou o barco em uma pedra e seguiu pelo caminho que levava à entrada da choupana. Uma fogueira agonizante jazia com alguns últimos resquícios de carvão em brasa expelindo uma fina fumaça que logo se dissipava no ar. O medo aflorou na boca do estômago e se não fosse a determinação de conseguir ajuda para sua mãe ela teria dado meia volta ali mesmo, mas engoliu em seco e se forçando a por um pé atrás do outro caminhou em direção ao interior escuro da choupana. Na entrada uma tocha provavelmente colocada ali ainda de manhã esperava até agora para ser acesa. Ela pegou seu isqueiro no bolso e agradeceu mentalmente seu falecido pai pelo presente que ele lhe dera momentos antes de morrer. Acendeu a tocha e com a luz do fogo veio o terror. Moscas, muitas moscas voavam por todo o salão, rodeavam os corpos mutilados e inertes, estirados pelo chão de terra batida. A cena era horrível, difícil até de descrever, parecia que cabos finos e afiados de aço haviam brincado por ali, causando cortes longos e desregulares em todos, deixando partes do mesmo corpo separadas umas das outras. Não aguentando mais olhar para aquela cena Regina deu as costas e se preparou para voltar correndo para seu barco, mas a lembrança de sua mãe doente lhe veio a cabeça. Ela sabia onde ficavam guardados os frascos de remédios na choupana e sabia do que sua mãe devia estar precisando, aquela tosse incessante e a febre alta, ela mesma já havia passado por aquilo e lembrava do que tinha tomado para sarar. Respirou fundo, deu meia volta outra vez e se esforçando para não olhar o chão e ainda assim não esbarrar em ninguém, ou parte de alguém, seguiu em direção ao final da Oca-koko. Após avaliar os frascos expostos por um momento achou o que estava procurando. Repetiu o procedimento que usou pra entrar na hora de sair e a todo pulmão correu para o barco. Quando chegou no local onde havia ancorado suas pernas perderam as forças, desabou no chão molhado pela maré alta e contemplou com desespero o espaço vazio onde antes estava seu único meio de sair dali.