Uma análise sobre o medo – Matéria DTRL
 Redação em - 09/02/2016
Por: Carlos Gonçalves e Cristiane Muniz

O Medo, como disse H.P Lovecraft, é a emoção mais forte e mais antiga do homem. Tal sentimento esteve presente em quase todas as formas de arte, como cinema; teatro; literatura; e a música. Sempre ocupando lugares de grande destaque.  

Mas, afinal de contas, por que ele tem essa importância para os seres humanos? Vamos além. Por qual motivo apreciamos tanto esse sentimento nas manifestações artísticas? Essas e outras perguntas serão analisadas no texto abaixo. Não tema, leia-o na íntegra!

 
Medo: uma "ferramenta instintiva de proteção"
 
Uma questão que filósofos, cientistas e romancistas tentam descobrir sem sessar é o objetivo da vida na terra, ou até mesmo fora dela! O famoso “sentido da vida” possui respostas muito variadas, sendo algumas profundas e outras rasas, geralmente envoltas em pilares religiosos. Porém, até hoje, não existe uma resposta que satisfaça todos os anseios da população mundial, independente de etnia e credo. A única certeza que possuímos é a de que a vida é algo sagrado, precioso e único. Por esse motivo, nota-se que todos os organismos viventes possuem diversas maneiras de proteção à sua própria existência. Nesse cenário, o medo se torna uma ferramenta muito importante.

Fisiologicamente falando, esse sentimento pode ser definido como uma reação química que o corpo sofre mediante um fato que cause ansiedade e que possa resultar em risco de morte. De forma resumida, a resposta do nosso organismo é a liberação de uma carga pesada dos hormônios do estresse (adrenalina e cortisol), que levam nosso corpo a reagir com rapidez e agilidade, caso seja necessário realizar procedimentos de defesa, tais como: correr; saltar; entrar em confronto físico (luta); tolerar a dor; e etc. 

Abaixo, segue um resumo sobre os três estágios básicos da ação do medo:

1º Ansiedade: o individuo tem noção de que está vivenciando uma situação que ainda não oferece grandes riscos. Porém, está claro que tais circunstâncias podem, a qualquer momento, desencadear ações perigosas, de qualquer natureza, sendo necessário agir de forma rápida e inteligente para se proteger. 

2º Medo: quando os temores causados pela ansiedade se concretizam, ou seja, a cena vivenciada realmente se transforma em algo que traz risco de morte, o cérebro rapidamente trabalha para a liberação dos hormônios do estresse. Nesse estado, o individuo tem total certeza de que precisa fazer algo urgente para se proteger e enquanto não ficar claro que a situação perigosa está sob controle, os hormônios não vão parar de trabalhar no organismo.

3º Pavor: o pavor ocorre quando o individuo está no 2º estágio, porém, não possui ferramentas de ação suficientes para livrar-se do risco ao qual está exposto, ou seja, não pode garantir a segurança e continuidade da vida. Com o pavor, o individuo tende a ficar paralisado com as pupilas dilatadas - apenas esperando o desfecho - pois sabe que não vai adiantar lutar, correr ou gritar. Alguns cientistas afirmam, embora isso não seja provado, que nesse 3° estágio os sentimentos de dor são bloqueados, como se o organismo subentendesse que a morte é certa. Isso pode ser notado no reino animal: quando um leão persegue uma zebra, esta corre desesperadamente tentando fugir, ou seja, está no estágio 2º. Em seguida, quando o leão a agarra, imediatamente ela entra em estado de pavor, simplesmente se deita, sem gritar, aguardando os enormes dentes do predador. Nesse momento, segundo alguns pesquisadores, o corpo da zebra se desliga fazendo com que morra rapidamente sem sofrimento. 

Uma zebra entrando em estado de pavor: sabe que vai morrer, e nada faz para se proteger. Esse comportamento ocorre com seres humanos. Nota-se que os condenados à morte, apavorados, na maioria das vezes nada fazem. Acredita-se que a dor já não é necessária. Ou seja, o individuo “morre antecipadamente” para não sofrer.

Outro aspecto que explica algumas reações diante de nossas fobias, e este sim está de comum acordo no meio científico, é o fato de que ao longo da nossa existência somos “educados” em relação às situações amedrontadoras. Logo, o individuo “A” tende a temer situações diferentes das do individuo “B”, pois cada um vivenciou episódios distintos de risco à vida. Falando exclusivamente de seres humanos, percebe-se que existem circunstâncias padronizadas em que todos, sem exceções, ficam amedrontados por natureza. Como se fosse um modelo “standard” de medo, ou seja, como se o nosso criador, o engenheiro da vida na terra, dissesse que, para vivermos, devemos ter, no mínimo, extrema preocupação nos seguintes casos:



Medo do escuro: A biologia do corpo humano, precisamente falando dos olhos, não possui ferramentas capazes de permitir que consigamos observar com clareza em um ambiente mal iluminado. Nosso corpo foi feito para trabalhar durante o dia e repousar durante a noite. Porém, nossos predadores primitivos naturais, que se resumem basicamente à grandes felinos (Smilodon, o famoso tigre dente de sabre, por exemplo), ao contrário de nós, foram feitos para enxergar e matar durante a noite. Consequentemente, quando a lua sobe no céu, nosso instinto entra no estágio 1º, referente à ansiedade, pois sabemos que não devemos caminhar durante a noite, ou em lugares onde nossos olhos não consigam identificar o que há à nossa frente. Sendo assim, se burlarmos o instinto e nos atrevermos a caminhar no escuro, nos sentiremos amedrontados, pois  entramos num estágio em que passamos a ser “presa fácil para o predador”.

No entanto, nos tempos modernos a probabilidade de sermos atacados por um felino de grande porte é remota (a menos que você more em alguma província de Bengala, na Índia). Dessa forma, nosso cérebro, que foi feito para obter explicações para todas as mudanças biológicas do nosso corpo, faz com que temamos coisas absurdas e irreais quando andamos no escuro, tais como a figura abaixo:
 
Pensando melhor: acho que consigo segurar a vontade de fazer xixi até amanhã de manha!

Medo de estar sozinho: ficar sozinho (a) em casa é algo que traz desconforto para muita gente. Isso ocorre pelo fato de que o ser humano foi feito para viver em grupos. Nós, por natureza, não somos caçadores solitários como o são os grandes felinos. Não temos armas naturais fortes, como garras, dentes longos e músculos poderosos. Nossa proteção consiste-se na utilização da inteligência em grupo, onde um individuo protege a retaguarda do outro. Em tempos remotos, seria um enorme risco para nossos ancestrais, por exemplo, ficarem sozinhos em uma caverna. Dessa forma, seriam presas fáceis. Então, quando estamos sozinhos em casa e nos sentimos desconfortáveis, na verdade, é o instinto nos dizendo para irmos à um local com mais seres humanos, para juntos nos protegermos dos grandes predadores que estão à nossa espreita. Mas, como hoje em dia não somos mais “caçados”, nosso cérebro projeta imagens de coisas irreais para explicar essas sensações. Logo, tememos o sobrenatural no lugar das feras selvagens.
 
Já teve a sensação de ouvir ruídos em casa quando está sozinho? Pode ficar tranquilo: certamente não se trata de um animal faminto à sua espreita, e sim, resquícios dos nossos instintos primitivos!

Medo da presença de cadáveres: certamente este é o mais forte de todos já citados. Afinal de contas, por que a presença de um cadáver causa tanta repulsa em seres humanos? Poucas pessoas se submetem a observar fotos e vídeos onde pessoas mortas são mostradas sem censura. A explicação instintiva está relacionada à locais e circunstâncias perigosas. Quando estamos diante de uma pessoa falecida, pulamos diretamente para o estado de medo, sem nem passar pela ansiedade, pois neste momento estamos vendo a tragédia consumada. Ou seja, nossos instintos avisam que temos que abandonar a área imediatamente. Logo, essa sensação não está diretamente ligada à figura do morto (embora, mortes muito violentas nos causem nojo), mas sim, nosso instinto faz com que tenhamos mais cuidado com as possíveis causas do óbito que podem estar ainda por perto do defunto. Por exemplo, quando nossos antepassados viam um cadáver, significava que aquele lugar era extremamente perigoso, ou seja, poderia haver um predador, outro homem inimigo, ou poderiam estar ocorrendo fenômenos da natureza, como raios, terremotos e etc. Sendo assim, o local onde uma pessoa morta está, instintivamente, nos passa a mensagem de que devemos nos afastar o máximo possível.
 
Não deixe de ler o conto “O desejo do cadáver”, vencedor do DTRL 18. Trata-se de uma história focada no medo e repulsa que seres humanos sentem por cadáveres.http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/4999396
 
Percebe-se que essas três fobias básicas, citadas acima, estão diretamente ligadas aos nossos antepassados que viviam em épocas remotas. No entanto, o passar dos anos foi moldando o comportamento geral das sociedades em relação aos fatores que nos causam tanta insegurança. Medo do escuro, de ficar sozinho e de cadáveres são temores elementares e sempre estarão presentes em diversas culturas. No entanto, existem aspectos mais analíticos sobre o que amedrontava a humanidade em determinadas épocas da história. Vamos observar alguns exemplos abaixo:

Antiguidade (homens primitivos): escuridão; animais predadores; fenômenos da natureza (tempestades, cometas, eclipses, etc.).
 
Idade média: o Diabo; apocalipse; peste negra; Vickings; mares; fantasmas; Turcos e Mouros; Bruxas;
 
Século 14 até 18: revoltas populares; guerras religiosas; Bruxas; paganismo; Diabo; apocalipse.
 
Século 19: Tuberculose; Sífilis; fantasmas; vampiros.
 
Séculos 20 e 21: violência; governos totalitários; AIDS e Cancer; terrorismo; armas nucleares; solidão; seres de outros planetas.

O medo como entretenimento: uma verdadeira droga que pode (e deve!) ser consumida com ou sem moderação!

Em entrevista, Stephen King já disse que a leitura de uma boa história de terror pode ser tão prazerosa quanto o sexo

Vimos até então que o medo é uma forte e eficaz ferramenta contra os perigos que nos cercam. Agora, como explicar o fato de muitos de nós, simplesmente, adorarmos sentí-lo? Sim, isso mesmo: adorar não é um exagero, pois basta comparecermos à uma seção de estreia de um bom filme de terror que veremos inúmeras pessoas pagando para levar sustos e ficar com os pelos arrepiados. Qual a explicação para isso?
 
A resposta é simples. O homem é uma criatura muito sentimental, pois concentra a satisfação da existência na possibilidade de sentir e passar por emoções fortes, e o medo ocupa um enorme espaço entre elas. Através da arte, nos permitimos ter contato com esse sentimento angustiante, analisando-o e vivenciando-o dentro de um mundo imaginário do qual podemos sair quando quisermos. Os cenários artísticos nos dão a oportunidade de conversar sobre o bem e o mal, o real e o sobrenatural, sem censuras, extrapolando os limites estabelecidos pela sociedade e encarando, a uma distância segura, o lado obscuro da humanidade.
 
Portanto, quando consumimos algum produto cujo foco é despertar esse tipo de sentimento, seja um livro, um filme, um quadro ou um brinquedo, como a montanha russa, experimentamos fortes descargas hormonais que nos levam da ansiedade ao pavor, extinguindo-se rapidamente. Somos invadidos por uma enorme sensação de alívio mesmo sabendo de antemão, que não corremos nenhum risco. Para boa parte das pessoas esse turbilhão de emoções é considerado uma experiência bastante interessante.

Note que o sorriso e a gargalhada são uma resposta imediata e instintiva às sensações de prazer: quando ficamos felizes, gargalhamos. Então, a próxima vez que você for à um parque de diversões, observe a reação das pessoas que deixam os brinquedos: a maioria fica apavorada por alguns segundos, mas sai muito sorridente junto com os amigos. O mesmo ocorre em uma sessão de cinema. Após uma cena de susto (um jump scare), toda a plateia começa a rir freneticamente, como resposta natural de agradecimento por uma sensação muito agradável que acaba de ser experimentada.
 
Então, assim como drogas mexem com a química do corpo humano, consumir terror “controlado”, produz sensações muito fortes de prazer. Felizmente, estas não trazem riscos à saúde. Mas cuidado: isso não quer dizer que nossos rins, estomago e intestinos não possam ser esvaziados caso o conteúdo seja muito forte...
Recomendamos cautela! 


 
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DTRL Desafio de Terror Rascunhos Literários
Enviado por DTRL Desafio de Terror Rascunhos Literários em 09/02/2016
Reeditado em 10/02/2016
Código do texto: T5538546
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