O Eu que não sou Eu.
Há muito tempo atrás... quero dizer, quando eu fixava a minha atenção para o "outro lado" do eterno agora, uma parte de mim necessitava se conhecer melhor. É o que os místicos chamam hoje de busca do Eu. A busca de si mesmo. Não estou aqui, reduzindo pessoas a um termo, como se místicos fosse uma classe diferente de seres. Na verdade são apenas pessoas momentaneamente inclinadas a fatores internos transcendentes, tanto quanto materialistas são pessoas momentaneamente inclinadas a fatores externos imediatistas. Um nome não é nada, mas às vezes é preciso usá-los.
Naquela época, eu buscava Eu. Quero dizer... tentava encontrar algo dentro de mim que me definisse para melhor e me orientasse diante de um mundo aparentemente caótico e sem sentido. Ou com tanto sentido, que parece caótico. Vai entender. Seja como for, o Eu naquela época implicava em individualidade. Um Eu significaria um self eterno, imutável e perfeito, que atravessaria as correntezas do tempo, incólume, com a cabeça erguida de orgulho e iluminado, como se não tivesse mais nada para se aprender. Afinal, iluminar-se é descobrir tudo sobre o Universo. E uma vez que se descobre tudo, nada mais há para se fazer.
Assim, estranhamente, depois de muitas idas e vindas, deparei-me comigo mesmo da forma mais fácil que eu jamais imaginara. O Eu do sonho! Por estranho que pareça, o Eu do sonho é diferente do Eu acordado. E estranhamente ainda assim sou Eu! Quem sou Eu?!
No sonho, eu nunca questionava o Eu desperto. E o Eu desperto sempre questiona o Eu do sonho. Eu no sonho costumo ser mais corajoso, inteligente, esperto e feliz, do que o Eu desperto. Mas ainda assim, tenho absoluta certeza de que sou eu. O Eu desperto, por sua vez, questiona-se se é aquele Eu do sonho...
Assim, entendi, que existiam dois Eus! Totalmente independentes, mas completamente ligados e únicos! Então, na busca do meu Eu, primariamente descobri que não era bem assim, um eu.
De forma que, num belo dia, desperto eu... (qual dos Eus?!), de frente para a janela do apartamento, olhando as plantas lá fora, três andares abaixo. Havia um quê de diferente, inexprimível, mas notável, que cercava o meu ambiente e a atmosfera lá fora. Foi quando dei por mim, num piscar de olhos, quase numa iluminação de consciência, de que eu estava sonhando! Lembrei-me claramente de ter acabado de me deitar, talvez uns quarenta minutos antes, logo depois do almoço num domingo, mas estava ali, agora, de pé olhando pela janela, num quarto banhando por uma luz morna, clara, meio embaçada, mas ainda assim, o meu quarto.
Um pensamento estranho, mas absolutamente legal, assaltou-me: Estou lá dentro, deitado na cama, e aqui, de pé, perto da janela! Pensei também, imediatamente, quão legal seria pular pela janela e sair voando em direção às nuvens lá fora! Eu iria subir feito o Super-Homem, a milhão por hora e rasgar as nuvens lá em cima, navegar por entre os picos mais altos das montanhas, e também, quem sabe, flutuar por sobre as ondas do mar.
Ensaiei o pulo pela janela, toquei o beiral e levantei a perna direita. Mas, uma pausa. Era tudo tão real! Ainda me sentia com peso! Olhei pra baixo mais uma vez, tudo real, nos conformes!... E se eu não estivesse sonhando?! E se apenas acordei grogue, depois de um sono pesado, e to aqui na frente da janela, ainda meio dormindo e me julgando sonhando?! Seria uma queda e tanto até lá embaixo!
Voltei pra trás. Queria ter certeza de que estava a dormir na cama, e nessa hora, comecei a ter duas consciências ao mesmo tempo! Sentia-me claramente deitado na cama, e ainda assim, percebia o ambiente em frente à janela na qual eu estava de pé.
E assim, de repente, comecei a sentir uma cócega estranha na face e no nariz, como se um espanador estivesse tentando me fazer espirrar. Era, como percebido depois, os cabelos de minha nuca no corpo do sonho, tocando no nariz do corpo material deitado na cama. Foi um dos instantes mais estranhos que já me lembrei. Nesse exato momento, pude perceber dois corpos: Um deitado, e um outro se assentando devagar por sobre ele!
Agora sim, sonolento, levanto-me. Arrependido é claro, de não ter saltado pela janela e voado... Mas, de certa forma, orgulhoso, de ter pensado duas vezes, vai que eu estivesse certo... a queda não seria agradável.
Conquanto, naqueles dias, permanecera em mim uma incognita: Eu realmente estava acordado? Estou acordado agora, ou tudo é um grande sonho, inclusive aquilo que chamam de realidade?
Fui buscar um Eu, e admiravelmente encontrei vários Nós. Claro, porque, depois daquele dia ainda me vi de diferentes maneiras, em diferentes mundos, tempos e realidades! Tudo de uma só vez!
Mas o estranho, é que até hoje, eu... quero dizer, Nós, não sabemos quem é o observador central, aquele que parecer por ordem no aparente caos onde infinitas personalidades percebem-se a si mesmas num único fluxo de consciência.