Nem sabe! Há um mês fui por meu lixo na lixeira do prédio e me deparei com dois objetos de antiquário: um espelho e um relógio. O primeiro grande, de puro cristal, e adornos. O segundo imponente de madeira maciça, pêndulo de ouro e funcionando bem. Não tive dúvidas, catei!

Observei-os bem em casa e não havia nenhuma avaria. Deveriam valer uma fortuna. Pareceram-me peças importadas e de pelo menos três séculos de existência. Resolvi ficar um tempo com os objetos, até para apresentá-los aos amigos e tirar uma onda dizendo que foi herança dos antepassados nobres europeus; antes de avaliá-los e vendê-los. Pretendia usar o dinheiro para juntar com o que já tinha economizado, a duras penas, e viajar pelo mundo.
Pensei também no por que de mobílias tão caras terem sido largadas num lixo...nem cupim o relógio tinha, nem nada com arranhões. Que vizinho ou vizinha do andar os teria posto fora?
Como os achei depois de uma hora da manhã, meu corpo pedia descanso, então os larguei na sala e fui me deitar na cama do quarto. Não sei o porquê custei a pegar no sono e quando estava quase apagando, ouvi um miado. Não dei importância, não tinha gatos, já devia estar sonhando. Novamente um miado e à minha frente parado estava um lindo Persa de olhos bem azúis. Levantei-me e fui atrás dele em direção à sala.

E não é que era outro ambiente?! Todo decorado com lindos móveis, cristaleiras, porcelanas, cerâmicas, lustres, quadros. Um piano de calda de puro ébano, o relógio marcando três horas e o suntuoso espelho no canto.

O assoalho, as portas e janelas eram de um rico casarão. Tudo me era bem familiar. Fui atrás do felino, que entrou pelo espelho.

Tropecei e atravessei sem querer o espelho;  parando num jardim florido e cheiroso, onde adiante, numa clareira,  luzia uma fogueira, Aproximei-me curioso. Lá estava um homem com um gabão azul, cujo capuz cobria parcialmente seu rosto. Em seu colo, o negro bichano.

Com voz cavernosa falou:

- Demorou, meu filho! Espero por você há séculos!
- Mas eu só tenho vinte e três anos!
- Você é quem pensa desta forma.
- Sou seu ancestral, apesar de ser um demônio, estou aqui para ampará-lo sempre que quiser. Neste baú em que estou sentado, há um tesouro. Vou mostrá-lo a você!
E contemplei extasiado moedas de ouro e diamantes até a borda.

- Peça a mim sempre que precisar, a qualquer hora, mas nunca traga ninguém aqui! É só chamar o gato que ele vai buscar você, o nome dele é Rubinho. E, meu filho, como você suspeitava, você é mesmo filho do seu falecido irmão. Sua mãe e seu irmão se amaram muito, por isso eu vim embora!

- Deu um sorriso tão maléfico que me arrepiou até a alma e com um sopro apagou o fogo, deixando somente o breu da madrugada sem lua.
Levei um susto tão grande que atravessei o espelho e caí sentado, tonto, no chão da sala.
LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 18/01/2016
Reeditado em 15/02/2016
Código do texto: T5515341
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