A MALDIÇÃO DA TERCEIRA PONTE
PARTE II
 
     Eurico Gasparini, o engenheiro atormentado por visões paranormais não tirava da cabeça como tudo começou.
 
Um mês depois de conseguir sua aposentadoria, estava cheio de planos. Um deles era uma viagem ao velho mundo. Sempre quisera fazer isso em uma de suas férias, mas a em-presa sempre interrompia seu sonho. Eram obras a serem en-tregues em certos prazos e as férias eram compradas. Europa ficaria para a aposentadoria e então, havia chegado a hora.
 
Mas antes disso, um velho sonho, mais velho que um tour pelo Velho Mundo. Um carro novinho, cheirando a fábrica. Entrou sorridente na Capixaba Veículos, uma empresa de um amigo das antigas, em Vila Velha. Olhara vários modelos, vários preços. Escolheu um Porsche 911 Turbo Cabriolet. Caberia no seu bolso sem desfalcar o seu segundo plano.

Marrom metálico, cor perfeita. Agora faltava colocar óculos escuros, ligar o som, Frank Sinatra era uma boa pedida, e sair por aí, esbanjando alegria e, sobretudo, luxo. — Mereço depois de trabalhar tanto. — Pensou ele.
 
Ele acertou a forma de pagamento, oitenta por cento à vista, pegou a papelada e saiu em direção à ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça, conhecida também como Terceira Ponte, indo para Vitória onde residia. Estava sozinho, queria fazer uma surpresa para Eulália, sua esposa e fiel companheira de tantos anos.
 
O trânsito estava infernal. Mas foi com cuidado, devagar. Um pouco do devagar era por que queria que todos vissem sua nova conquista. Sentia-se um jovem de dezenove anos curtindo um carango turbinado. Pagou pedágio, sorrindo para a atendente, também sorridente por ossos do ofício. Começou a passar sobre o canal, observando o céu azul do litoral capixaba.
 
Na metade da ponte, um ar frio, arrepiante, tomou conta do interior do veículo. Olhou pelo retrovisor interno, um braço quase imperceptível, visível apenas por ele. Um braço enorme, parecendo de um gigante, não era matéria, parecia ser um braço apenas de energia, se aproximava da traseira esquerda do seu carro, olhou pelo retrovisor esquerdo e viu a mão abocanhar parte do automóvel. Os ponteiros no painel enlouqueceram. O velocímetro estava marcando 333 Km/h. Loucura, ele não conseguia mais conduzir. Sentiu como se a mão gigante tivesse empurrando o veículo e começou um processo de capotagem. Do nada, o carro começou a rolar sem ao menos esbarrar em outros veículos que estavam na ponte. E o pior, parecia que ninguém estava vendo seu carro capotando. O trânsito continuava a fluir normalmente.

O Porsche metálico pulou por cima do guard rail e sobre a mureta de proteção, caindo no canal. Tentou abrir a porta e fugir, mas as duas ficaram emperradas. Não tinha como sair. Sentiu que o veículo já estava coberto de água. Caíra bem no meio do canal, era fundo. Sentiu o carro se assentar. Continuava sem entender nada, depois de três minutos, ainda respirava. Parece que o oxigênio teria sido o suficiente para três minutos, e parecia que não iria acabar. Tentou quebrar os vidros com a força das pernas e nada.

 
Apareceram do lado de fora do para-brisa, nove homens uniformizados de operários de construção civil. Estavam de cabeça para baixo. Olhares fixos nos olhos amedrontados de Eurico. No primeiro momento, o engenheiro pensou ser socorro, caiu logo no real, não era socorro, era alucinação ou outra coisa qualquer. O operário mais centralizado começou a falar e suas palavras saíam pelos autofalantes do som ligado, substituindo a aveludada voz de Frank Sinatra, um som de homem cansado:
— Salve a gente, doutor. Salva nós dez. Salve a gente, doutor.
 
— O quê? Quem são vocês? Como apareceram aqui?
 
E a voz operária e cansada repetiu por mais umas três vezes:
 
Salve a gente, doutor. Salva nós dez. Salve a gente, doutor.
Quando a voz estava completando mais uma vez o mal-dito mantra, veio pela esquerda um tufo de água mais veloz e potente que o do resto do canal, atravessou o carro de uma porta a outra, levando consigo o corpo trêmulo de Eurico.
 
Era uma força descomunal. Eurico era levado para algum lugar que nem ele saberia explicar.Depois de nove horas de inconsciência, o engenheiro estava em uma cama de hospital. Reidratado, sob o olhar curioso de um psicólogo .
 
— Você está repetindo uma frase que parece ter sido dita a você por alguém. Algo como: Salve a gente, doutor. Salva nós dez. Salve a gente, doutor. Você se lembra de que se trata?
 
— Alucinação, apenas uma alucinação na hora do sufoco. Mas o que estou fazendo aqui?
Eulália entrou no quarto indagativa:
 
— Eu é que gostaria de saber, Eurico, o que você estava fazendo desacordado, nu e numa praia deserta. Você saiu cedo de casa e não disse para onde iria.
 
— Eu não sei explicar nada, eu não sei o que essa frase que o doutor aí está dizendo. Eu não sei de nada.
Depois de ter feito alguns exames, inclusive eletroen-cefalograma e tomografia que, aparentemente, nada acu-saram, recebeu alta com uma receita de antidepressivos a serem usados.
 
Mas aquele pedido martelava todo dia, sobretudo quando os antidepressivos sumiam misteriosamente.






 
 SEGUE...

NOTA DO AUTOR
Se você ainda não leu, sugiro que leia a primeira parte no link abaixo:   http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/5506785


PARTE III:
http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/5510120

PARTE FINAL
http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/5511195

 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 12/01/2016
Reeditado em 10/07/2020
Código do texto: T5508871
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