SOZINHA
- "Onde estou?!"
A consciência desanuviava lentamente, como em um sonho, logo percebeu que estava amarrada em uma mesa pelos dois pulsos, nos pés e no quadril. Tentou gritar e descobriu aí que estava amordaçada, foi então que desespero tomou conta dela como uma onda:
-"Meu Deus!! Eu fui capturada por um maníaco!!!".
Tentou se soltar usando toda sua força e por muito tempo, sem sucesso. Quem quer que tivesse feito aquilo com ela, entendia do riscado, tivera até o cuidado de deixar um travesseiro para que ela não machucasse a cabeça. Isso aumentava ainda mais o seu medo, o local parecia ser um depósito de materiais de alguma fazenda. Seu pavor foi ao extremo quando percebeu que tudo estava extraordinariamente limpo e o chão estava forrado com lona plastica. Nenhum som vinha de fora, o que indicava um local isolado. Não era um louco qualquer!
Nem se dava ao trabalho de tentar lembrar como chegara até ali. Aplicara muitas vezes o "Boa noite Cinderela", e sabia que uma das suas vantagens era a amnésia que provoca na vítima. Será que seria uma delas buscando vingança? O único que poderia ter ódio a este ponto seria o idiota que ela mandou para cadeia por tortura. Aquele porco mereceu! Encheu ela de porrada, amarrou e depois caiu chapado. A mãe dele a perseguiu por uns anos, até ele morrer na cadeia há dois anos e ela ir embora da cidade. Diziam que ele tinha um irmão, mas nunca apareceu nestes sete anos.
Como para que corroborar suas suspeitas, seu algoz finalmente apareceu. Usava uma fantasia de Irmão Metralha, com máscara e tudo. Seu medo foi amenizado pelo seu ódio. Fora perseguida por anos devido ter denunciado esse cara. Obrigada a mudar de ponto cada vez que essa lebre era levantada. Afinal se ele tivera aquela atitude mesmo, esse era um assunto para ser resolvido pelos "irmãos", Ela não era nenhuma santa para colocar a polícia na parada. Ele se aproximou do seu rosto, olhou bem para seus olhos e se afastou. Uma sensação horrível lhe percorreu toda a espinha. Conhecia aquele olhar! Enquanto pensava nisso, ele disse numa voz grave, distorcida:
-"Você agora vai experimentar todo o sofrimento que merece, Eloisa!".
Era outra confirmação, poucos conheciam seu nome verdadeiro. Ele se aproxima com uma agulha conectada em uma espécie de cano. Mesmo com ela se debatendo, punciona uma veia em seu braço. Fica recebendo soro como em um hospital. Continua se debatendo, imaginando que aquilo seria uma injeção letal:
-"Não se preocupe, é só antibiótico e anti inflamatório. Você não merece tanta misericórdia!".
Ele sai e deixa aquilo pingando devagar. Sente um estranho gosto metálico na boca, mas é só! Mas o conhecia! Conhecia aquele olhar! Quem era o desgraçado?!
Enquanto ele não voltava, ficou pensando no que estivera conversando com o Alberto antes de ser capturada. Pelo menos era essa a sua última lembrança. Não aguentava mais essa vida de "nóia", de ficar fazendo programa com caminhoneiros e desconhecidos para usar crack, que estava quase aceitando a humilhação de ir pedir ajuda para sua tia, a única parente que sobrou. Por que ela saiu de lá? Estava tão bom! Alberto era o seu homem, sempre carinhoso, sempre disposto a ouvi-la. Quantas e quantas vezes não fora com ele no meio do mato para fumar pedra, às vezes ele bancando, às vezes ela. Acabava a droga, mas ficavam conversando um tempão. Ele nunca exigia, mas algumas vezes transavam. Ela dava mais como gratidão, pois havia muitos anos que não sentia mais nada com o sexo. Mas mesmo assim sentia um ciúme quase doentio dele, da sua atenção. Não suportava que nenhuma outra nóia chegasse perto dele. Muitas sacaram isto e davam para ele ou o bancavam só para provocá-la. Nunca na frente dele, mas já teve treta feia com umas quatro por causa disso. Os irmãos chamaram ela e várias outras prás idéias por conta disso. O bagulho era ainda mais louco, ela se jogava de cabeça na droga e na cachaça quando ele desaparecia. Normalmente ela não era de beber, mas a possibilidade dele nunca mais voltar era tão dolorida que ela achava impossível aguentar sóbria. A possibilidade dele se acertar com a mulher e os filhos a faziam pensar em se matar. Nunca encontrou alguém que se sentisse tão segura para fazer confidências. Mesmo assim cumpriu a promessa que um dia lhe fizera e nunca procurou conhecer a família dele ou onde ele morava. As vezes os via na cidade, passeando, ou fazendo compras. Seguia-os de longe, quase como se alimentando daquela felicidade que lhe era negada.
Ele voltou com um martelo e um cutelo. Acendeu uma espécie de fogareiro e colocou a lâmina do cutelo sobre a chama, voltou e aproximou-se dela com o martelo enquanto ela suava de pavor. Ele lhe tirou a mordaça e sentou numa cadeira ao lado.
-"Pelo amor de Deus, não faça nada comigo não! Eu faço tudo o que você quiser! Olha, se é por seu irmão, eu imploro perdão!! Eu não queria que as coisas chegassem a tanto e...".
O algoz lhe coloca uma bola de borracha na boca que lhe impedia de falar. Vai e pega o martelo e vai até aonde a mão direita está amarrada:
-"Eu só queria ouvir você implorando, vagabunda!".
Desfere um violento golpe de martelo em seu dedão. A dor! A dor é lancinante! Ela se pergunta se não quebrou algum osso. Mas antes que possa se recompor, desfere um outro golpe no indicador. Lágrimas escorrem do seu rosto, seu corpo inteiro treme enquanto vai repetindo o processo até o mindinho. Quando ela acha que acabou, ele se afasta, coloca o martelo em uma mesa, apaga a chama e volta com o cutelo. Sua lâmina está vermelha de tão quente. Um a um ele corta os dedos que tinha martelado. Ela desmaia de dor e pavor.
Acorda. Não consegue dizer se é dia ou noite. O ambiente é todo fechado e as luzes ficam acesas direto. Ainda sente muita dor, mas ao olhar para sua mão, percebe que não está tão inchada quanto seria de esperar. Também um curativo nela. Percebe que não está com a mesma roupa. O maníaco deve ter dado banho e a trocado enquanto esteve inconsciente. Tirou a bola. Está outra vez de mordaça. Deve ter sido fácil. Ela é pequena, 1,50m. Ele parece uma montanha. Esse cuidado todo só a deixa mais assustada. Não consegue parar de pensar em um gato que tinha quando era criança. Ele jogava os ratinhos de um lado para o outro, de vez em quando parava, mas era só para eles viverem mais, para ele brincar mais. Seu irmão, seis anos mais velho que ela, adorava aquilo. Quando conseguia, ela salvava os pobrezinhos e batia no gato. Quanto apanhou dele por causa disso, e sua mãe não fazia nada. Como também não fez quando ele cansou de bater e resolveu abusar. Só soube fazer quando descobriu que ela tinha feito boquete para três outros moleques para dar um pau nele. Pôs ela para fora de casa.
Ele volta e repete tudo na outra mão. Novamente ela desmaia e quando acorda percebe que foi cuidada enquanto estava desacordada. Perde completamente a noção de tempo. Não sabe dizer se está ali a há dias ou uma semana. Ou só um dia incrivelmente longo. Mal está se recuperando do que ele fizera em suas mãos, o algoz aparece novamente. Lhe tira a mordaça:
-"Seu filho da puta do caralho!Porque você não me mata de uma vez seu viado doente?!"
-"Porque te matar tiraria toda graça da coisa. Você vai viver Eloisa, sofrendo cada dia da sua vida!".
Depois de dizer isso introduziu um cano de metal aquecido pelo orgão genital dela. Nada do que veio antes poderia lhe preparar para essa dor. Sentir-se queimando por dentro, completamente invadida pela agonia. Passou a existir além do sofrimento e podia se ver e ouvir gritando. Até o momento em que ele coloca o cano fumegante no seu pescoço até sua voz sumir.
Fica inconsciente muito tempo desta vez. Não consegue mais concatenar direito seus pensamentos tamanha é a dor que sente. Não usa mais mordaça, tanto porque a queimadura na garganta não permite. Ela sente a loucura se aproximando, sabe que está a um passo do abismo.
Ele aparece novamente, ela treme toda de pavor:
-"Quase pronta! Só falta a assinatura!"
Tira a máscara:
Com o cano fumegante ele queima seus dois olhos. Como um último grito antes de se afundar na loucura ela grita, sem soltar nenhum som, de dentro das trevas de que nunca sairá:
-"Alberto!"