O filho da desgraça
Você acorda com o rosto dolorido. Sua cabeça parece que foi pisoteada por uma manada de elefantes. Suas pernas doem e suas mãos estão ligeiramente doloridas. Há terra em suas unhas. Momentaneamente você se recorda que na noite anterior havia saído com seus amigos. Bar. Bebidas. Cigarro. Uma ponta de maconha. Mais bebidas e cigarros. Piadas sobre um de seus olhos ser preto e o outro verde. A dor de cabeça se torna mais forte. Você sente que vai desmaiar. Está ficando tonto. Ressaca? Talvez. Falta de sexo? Com certeza! Então, você se levanta e caminha lentamente até o banheiro que fica de frente ao seu quarto. Cada passo é dado com o máximo de cuidado para que sua cabeça não exploda literalmente no meio do trajeto. Dentro do banheiro, você abre a torneira da pia que trocou recentemente. A anterior era velha demais e havia manchas pretas por toda ela. De repente você nota que a pia nova também possui algumas manchas pretas. Pequenas é verdade. Mas possui. “Filho do cão!” Você xinga o vendedor que lhe mandou a pia. “Tomara que a desgraça lhe encontre!” Resmunga. Lava o rosto. Escova os dentes. Abre o armário do banheiro. Pega o cigarro e acende. Traga sutilmente e sente-se mais calmo com o vendedor. Mas faz uma nota mental de que deve passar na loja de materiais de construção e dissecar o “desgraçado, infeliz!” Senta no vaso sanitário e caga. O odor sobe e se mistura com a fumaça e o fedor do cigarro. Você se sente em êxtase. Fazia dias que não cagava como estava cagando naquele momento. “Desgraça, podia cagar todos os dias assim!” Reclama. “Vou comprar laxante! Cagar é ótimo!” Se levanta, abre a descarga e pensa no que fará em seguida, enquanto a merda escorre pelo buraco do vaso sanitário. Joga o cigarro junto. Abre o chuveiro e entra debaixo da água fria. “Puta merda! Desgraça de dor de cabeça.” A água cai em seu corpo e você se limpa. Externamente. Dentro de você algo acontece. Em seu íntimo. Você sente que tem algo acontecendo. Há mais verdades em você que em todo o mundo, pensa, enquanto bate punheta imaginando a Lucia, uma qualquer do seu trabalho. Uma bunda bem gostosa. Tetas grandes. Buceta arroxeada. Cabelo curto, crespo. Imagina-se tirando o pau para fora, enquanto ela abocanha avidamente seu órgão e o engole. Você sente a quentura de sua garganta. Ela engasga e tira de volta. Se levanta e coloca seu pau dentro dela. Você a sente. Molhada. Quente. Aveludada. Levemente retraída. Você esfola a rebimboca da parafuseta e a deixa extasiada. Gozada. Suja. “Caralho! Na porra da parede de novo! Desgraça!” Xinga, enquanto limpa a porra da parede do banheiro com papel higiênico. Se seca. Vai até o armário do banheiro, novamente. Sua cabeça dói. Se olha no espelho da porta do armário. Está velho. Sente isso. “Infâmia de vida!” Reclama enquanto pega um comprimido. Engole-o sem água. Fecha o armário. Volta para o chuveiro e desliga-o. Então você se vira e olha para a porta do banheiro. “Que porra é essa!” Seu coração dispara, você começa a tremer e acaba por se esquecer da dor de cabeça. Uma gota de água perdida do chuveiro, cai. Ploc, faz, ao se chocar com o chão. Você escora o ombro na parede fria. “Que merda, caralho!” Xinga. Havia um rosto lhe observando, parado na porta, a espreita. Você pode ver apenas a sombra dele e sentir seus olhos frios depositados em você. Fez frio e seu sangue congelou. Lentamente, você caminha até a porta do banheiro. Pé ante pé. Segura a toalha envolta em seu corpo. Você treme, assustado. Vagarosamente, empurra a porta do banheiro e olha para fora. Não havia ninguém ali. Olha para o lado oposto do corredor. Nada. Outra gota de água cai no chão do banheiro. Ploc. “Desgraça!”. A porta do seu quarto se fechou com um estampido seco. Você se assusta mais ainda e volta para o banheiro. Tranca a porta. “Que merda! Que merda! Que merda!”. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Tic tac. É nítido o barulho do ponteiro do relógio vindo da sala. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Passos. Você ouve passos. Alguém vem em direção ao corredor. Vem devagar, como se arrastasse os pés para se locomover. Os passos são pesados. Lentos. Você se encolhe atrás da porta do banheiro, trancada. Os passos se aproximam ainda mais. Tic tac. Tic tac. Passos. Tic tac. Tic tac. Passos. Passos. Tic tac. Tic tac. Crec, crec! O trinco da porta do banheiro se move vez. Tic tac. Créc. Créc. Duas vezes. Tic tac. TicBAM! Uma pancada na porta do banheiro e um grito que se transforma em uma gargalhada no final de tudo!
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!
Você amolece. Seu corpo enfraquece. A vista se turva e você desmaia.
II
As noites acabaram por se tornar uma tortura. Você tende a passa-las acordado. Tem medo de que o episódio se repita. Tem sempre um episódio novo em sua vida, desde o dia do banheiro. Você procurou um padre que, o mandou rezar algumas rezas de que nada adiantaram. Foi a um pastor que o visitou. Levou um pouco do seu dinheiro. Alguns pertences que “estavam impregnados de magia negra”, entre eles o vinil do Elvis, que você havia ganhado da sua vó, que havia ganhado da mãe dela. Mas nada adiantou. Dois dias depois do pastor, você havia se deitado para dormir. Estava mais calmo aquele dia, sentia que podia ficar calmo. O pastor o havia tranquilizado. Os únicos barulhos provinham da cidade e do relógio. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Estava quase caindo nos braços de Morpheus, quando sentiu sua cama se afundar do lado oposto ao que estava deitado. De repente fez mais frio do que deveria estar fazendo. Seu quarto caiu num breu maior que o natural. “Fuuuu” sopraram em seu ouvido. Rapidamente você se levanta e acende a luz. Está tremendo. Sua respiração ofegante. Hunf, hunf, hunf, hunf, hunf! Não havia nada no quarto. Nem mesmo uma mosca. Nada. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Desde então, você não dorme mais as noites. Seus dias têm sido um caos. Emagreceu. Não tem fome. Cochila na maior parte do tempo. Não desenvolve seus trabalhos com a mesma desenvoltura de antes. Seus amigos insistem em saber o que está acontecendo e, você não se incomoda em não dizer absolutamente nada. “Desgraça! Já é noite de novo!” Reclama enquanto acende o cigarro olhando o céu lá fora. Sente-se preso em um ritual macabro. Está morrendo aos poucos e não sabe como se salvar. Definha com o passar das horas, como o maldito relógio da sua sala. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Você dorme e ela vem. A escuridão ao seu lado é terrível. Você corre dentro dela tentando encontrar luz, um porto seguro. Não há nada ali. Nada. Então tudo muda. Você começa a cair. Há gritos. Gritos. Pedidos de socorro. Crianças gritando. Você sente o fedor de carne humana queimada com enxofre. Merda com sangue podre. Você as vê. Presas em paredes. Acorrentadas. Mulheres, homens, crianças, animais e bebês. Todos presos por pulseiras de ferro com pregos. Uma parede infinita de corpos pendurados. Há fogo. Fogo que as consome lentamente. Tosta suas carnes pela eternidade. Você ouve. Tic tac. Tic tac. Tic tac. Olha para a direita. A parede se perde até onde você consegue enxerga. Para baixo a mesma coisa. E para a esquerda. Então você a vê. Ela vem coberta por um vestido amarelo aos farrapos com sete rendas. É possível ver em cada renda, no passo que ela se move, mãos saírem de dentro delas. Crânios. Vísceras. A primeira renda é de bebês. Não bebes comuns. Eles têm olhos diferentes. Tem olhos pretos como o carvão, pele amarela e seus corpos parecem ser de couro de jacaré. Ela caminha em minha direção. Não consigo ver seu rosto. Fede. Fede a carne humana podre. Você tenta correr. Está preso. Preso.
– AAAAAAAAHAHAHAHAHAHAHA! – Ela gargalha na sua cara. Você então vê. Seus olhos. Aqueles malditos olhos não eram seus. Eram dela. Olho preto. Olho verde. Você se mija de medo. Sabe disso porque sente o líquido escorrer por suas pernas. Os bebês!
– Desgraça! – Você ainda tem forças para xingar.
Ela então para mais próximo a você. Mexe em seu vestido. Você vê os bebês em seu vestido. Ela têm o bafo da morte. O sorriso de um cão raivoso e os olhos ... os mesmos olhos dos bebês. Os olhos deles são iguais aos seus. – Você me chamou. Eu vim!
FIM