Vale Dos Suicidas
A dor que explodia em sua cabeça era imensa. Uma dor que atravessava de uma orelha a outra, queimando violentamente. Alan não conseguia pensar e nem abrir os olhos, simplesmente gritava e apertava a cabeça com as mãos, achando que com o grito amenizaria a queimação. Não sabia onde estava e quem era. A dor fazia com que esquecesse de tudo. Continuava a gritar e a apertar a cabeça. Para piorar um zunido ensurdecedor se alojara em seus ouvidos, não conseguindo nem ouvir o próprio grito. Ajoelhou-se no chão ainda com a dor e o zunido o torturando, mas agora um pouco menos. Não sabia como mas a dor diminuía. Apoiou as mãos no chão respirando rápido. A queimação persistia, mas já não era tão violenta. Ergueu a cabeça e abriu os olhos. Não enxergava nada, tudo estava embaçado e fora de foco. Piscou várias vezes e esfregou os olhos com as mãos. Em poucos momentos a vista foi entrando em foco.
Levantou-se devagar esfregando com a mão direita o topo da cabeça. A queimação se alojara lá dentro, mas agora ela já era suportável. Olhou ao seu redor. Não reconhecia o lugar. Estava em uma rua larga com poucas casas. Não sabia ao certo, mas aquele lugar não lhe era estranho. Olhou para o céu. Estava nublado, era de um cinza muito pesado. Parecia até que já era noite. Olhou a procura de alguém para poder auxilia-lo, mas a rua se encontrava deserta. Tirando um individuo que subia a rua de cabeça baixa. Alan andou na direção do estranho, e agora via melhor. Era uma garota que subia a rua. Usava uma jaqueta de moletom com o capuz encobrindo um pouco de seu rosto. Vinha cambaleando parecendo que estava bêbada. Logo chegou bem perto de Alan.
- Ei garota! - disse Alan se aproximando – Será que você poderia me dar uma informação? Eu não sei...acho que bati a cabeça....simplesmente eu não sei onde estou.
A garota levantou o rosto, e fitou Alan com os olhos arregalados. Ela usava uma maquiagem pesada em volta dos olhos que estava bem borrada. Pelo jeito tinha chorado bastante. Ela o olhava assustada. De repente começou a soluçar, e lagrimas correram pelo seu rosto.
- Era a única coisa que eu podia ter feito... - disse a garota enquanto soluçava e chorava. Encostou-se no portão da casa atrás de si com medo de Alan. Agora passara a gritar - Ele continuava a me tocar. Eu não aguentava mais, e a vaca da minha mãe não fazia nada a respeito. Eu fiz o certo! Eu fiz o CERTO!
Levantou as mãos na direção de Alan, que agora estava meio assustado com a reação da garota. Ela virou as palmas das mãos para cima e Alan viu que vertia muito sangue de seus pulsos. Olhou assustado para a garota e tentou tocar suas mãos. A garota gritou desesperada e saiu correndo. Olhava para traz de vez em quando e gritava. Chegou na esquina da rua e virou para esquerda sumindo da vista de Alan. Alan se encontrava além de perdido agora assustado também. Nesse momento a dor voltou repentinamente e explodiu dentro de sua cabeça. Alan gritou junto com a dor e caiu de joelhos apoiando as mãos no chão. Do mesmo modo que a dor chegou, ela se foi. Repentinamente. Mas agora algo ficara em sua mente. Um número. O número 57 permaneceu em sua mente após a dor. 57? Mas que porra de número é esse? Levantou-se devagar e balançou a cabeça de um lado pro outro.
- Não! Não tem nada solto aqui dentro! - disse sem muito animo para si mesmo.
Olhou para frente e viu o número 57 escrito em uma plaquinha azul na parede de uma casa. Reconheceu a casa na hora. Era aonde morava. O coração disparou. Finalmente me achei. Deu uma corridinha na direção do portão vermelho e baixo da casa. O portão estava trancado. Lembrou-se de um detalhe e remexeu no bolso de traz da calça. A chave estava lá. Procurou a maior delas e a enfiou na fechadura. Deu duas voltas e abriu o portão. Entrou e foi até a porta que dava para a sala. Estava aberta. Entrou e olhou envolta. Reconheceu todos os moveis e utensílios que havia na sala. Estava em casa.
- Mãe? Cadê a senhora? - gritou para o nada indo para a cozinha – A senhora não tem noção do que me aconteceu... mãe?
Entrou na cozinha e viu sua mãe sentada numa das cadeiras que havia na cozinha. Segurava um copo com a mão tremula. Os olhos estavam inchados e um pouco avermelhados. Havia chorado a pouco. Sentada do seu lado tentando consola-la, estava Thais. Thais era a vadia da sua namorada. Amava-a muito. Mas a maldita era uma vadia. Pegara-a o traindo varias vezes. Ela nem suspeitava disso. Alan ficou sabendo pelos amigos que tentavam alerta-lo. Decidiu checar e teve a maior decepção de sua vida. Ainda continuava com ela porque a amava muito. Era um puta de um otário, mas fazer o que? Ninguém manda na porra do coração. Ela estava com olhos inchados também e era possível ver algumas lagrimas escapando pelos olhos. Elas nem sequer notaram que Alan estava ali na porta.
- Ei! Vocês ai? - deu um grito e começou a sacudir a mão tentando pedir atenção – Alguém pode me contar o que tá acontecendo?
Elas nem se incomodaram em levantar a cabeça. Virou as costas balançando a cabeça negativamente. O que estava acontecendo? Atravessou a sala e foi até a escada que dava para os quartos e deu de cara com o desgraçado que era obrigado a chamar de pai sentado na escada com a cabeça apoiada nas mãos que tremiam. O coração disparou. Será que tinha feito alguma merda? Se fez não se lembrava... mas se tinha feito sabia pela feição do pai que ia tomar uma surra daquelas. A diversão de seu pai era essa. Surra-lo todo o dia até ficar mais animado. Subiu devagar os degraus da escada. O pai não dava sinal de que notara Alan ali. Depois de passar pelo pai desatou a correr escada acima. Atravessou o corredor rapidamente, abriu a porta de seu quarto, entrou e a fechou o mais rápido que pode, trancando-a por dentro. Fechou os olhos e encostou a cabeça na porta. Abriu os olhos assustado. Tinha acabado de lembrar da dor que sentira agora a pouco. Que merda era aquela? Devia ter caído por ai e batido a cabeça...só podia ser isso!. Olhou para traz e levou a mão a boca sufocando um grito. O coração parecia que ia saltar pela boca de tão rápido que batia. Alan se via ali. Esparramado em sua cama com o revolver do pai a seu lado. Sangue empapava toda a cama ao redor de sua cabeça. Meu Deus! Não era possível! Tinha cometido suicídio. Não! Não podia ser... Caiu no chão gritando desesperado e levando as mãos a cabeça. A dor o assaltara novamente. Era uma dor agudíssima que não o deixava pensar e nem enxergar. Era a dor que a bala que atravessara sua cabeça lhe proporcionava. Dor! Muita dor! Levantou e foi cambaleando até a janela que dava para a rua. Abriu os olhos e não conseguiu ver nada. Aos poucos tudo foi entrando em foco novamente. Sua mente clareava. Aquela garota... A garota do capuz... Tinha se suicidado também. Então ele estava morto! Não podia ser! Sua visão voltara ao normal. Olhou pela janela. O céu continuava muito cinza. Olhou para baixo, e agora não havia mais rua nem casas e sim um oceano imenso. Gritos invadiam sua mente. Gritos sofridos e assustados. Reparou que esse oceano não era composto por água mas sim por corpos. Corpos que se debatiam e gritavam, um passando por cima do outro. Agora Alan escutava seu nome sendo chamado. Cabeças sem rosto o chamavam. Alan sentiu uma vontade repentina de mergulhar nesse oceano. Não estavam chamando? Então! Faria a vontade deles. Subiu no parapeito da janela e abriu os braços. A dor voltou aguda, junto com um grito que escapou de sua garganta. Impulsionou o corpo para frente e caiu de olhos fechados. Foi agarrado por mãos frias em forma de garras. O puxavam para baixo junto com a dor que não o deixaria nunca. Um cheiro pútrido invadiu seu nariz, enquanto corpos gelados deslizavam por cima de seu próprio corpo. Enquanto gritava, Alan sentia mordidas dilacerando seu corpo. Estava sendo levado para o inferno.
Continuou gritando por alguns momentos até perceber que não havia mais dor, que não havia mais gritos, nem corpos gelados o puxando e mordendo. Continuava com os olhos fechados. Escutava sua respiração rápida na mesma velocidade que seu coração. Estava encharcado em suor. Sentiu o cano frio do revolver de seu pai encostado acima da orelha direita. Abriu os olhos e viu a parede de seu quarto o encarando. Tirou o revolver da cabeça e o olhou assustado. Era um pesadelo. Não havia feito. Largou o revolver com repugnância em cima da cama, foi até um cantinho e sentou no chão abraçando os joelhos. Estava vivo. Era tudo um pesadelo. Começou a soluçar e lagrimas escaparam de seus olhos. Era um pranto sofrido e dolorido de um garoto assustado que acabara de conhecer o outro lado da vida.