Retorno
A rosa vermelha parecia brilhar no fundo daquele túnel misterioso. Não tenho bem certeza se era de fato uma rosa... bem poderia ser um rubi. Mistério e sedução. Prazer. Penso agora que não passava de um lampejo vermelho. Vermelho de sangue, de raiva, de olhos cheios de ódio.
Afastei com vigor as teias que, pegajosas, pareciam querer me segurar do lado de fora, longe da escuridão. Quão pegajosas são as teias que nos seguram? “Tanto quanto nossa vontade de nos livrarmos delas”, respondi para mim mesmo.
O sentimento de asco que me acometeu ao me desvencilhar das brumas sólidas e grudentas desvaneceu passos adiante. Assim que o breu úmido e opressor tomou tudo a minha volta, muito tempo depois, passei a pensar diferente. Não eram, então, mãos prudentes e carinhosas tentando me proteger do que havia ali?
Mas e havia ali algum mal? Só podia! Nenhum bem pode se esconder em tal lugar.
Tentei tatear as paredes. “Que paredes? “ Pensei ter ouvido esta pergunta mais de uma vez enquanto espichava os braços na direção do nada. “Que paredes? Que paredes?” A pergunta parecia martelar meu cérebro a cada segundo e a cada tentativa vã de tocar em algo sólido.
Continuei tentando, me esforçando para ignorar as vozes que me afligiam. Depois de dois passos vigorosos, finalmente, minha mão esquerda pareceu tocar um dos limites do túnel. Líquido. Era líquido.
Denso, morno... quase convidativo. Quando tentei puxar a mão de volta, ante a surpresa que vinha do escuro, algo pareceu querer me segurar. Senti, juro que senti, como se mãos suaves tentassem manter meu braço onde estava.
Num puxão um pouco mais forte, consegui meu intento. Aquilo que não me ameaçava, mas me metia medo, finalmente me soltara. O som foi de sucção. Mas não estava no chão.
Ou eu estava na horizontal... ou a parede de mingau preto e grudento estava na vertical.
Aquilo me intrigava. Mais ainda intrigado eu ficava ao não mais a rosa perceber, ou o rubi, ou os olhos vermelhos de sangue.
Levei a mão atrevida até perto do meu rosto. Queria sentir o cheiro. Que cheiro? Não senti absolutamente nada. Como assim, não tem cheiro? Foi ai que percebi que nada naquele lugar que tinha tudo para feder exalava cheiro algum. Como se eu estivesse em lugar nenhum.
Nenhum tão cheio de nada que parecia lotado de um vazio imenso, profundo, largo.
Não seria isto, exatamente, que eu buscava?
Comecei a gargalhar. Foi uma risada tão intensa que logo ficou dolorida. Não conseguia parar de rir. O ar me faltava. Arfando, tentava puxar um pouco daquele ar quente e denso para poder rir mais um pouco, e sufocava mais e mais. Meus olhos lacrimejavam. Lágrimas e mais lágrimas desciam pelo meu rosto. Senti o gosto salgado delas quando chegaram a minha boca. Senti a dor torturante quando meu próprio líquido salobro passou pelas rachaduras de meus lábios.
Parei de rir. E chorei.
Não, eu não estava sonhando. O riso era só mais um engano. Um engodo, um escárnio de mim mesmo. Pareceu-me mais uma gargalhada funesta diante de meu próprio esquife.
Eu procurei e achei. Porque quis. Percebi que desdenhei as grotescas teias grossas que me apartavam da entrada. “Morram”, pensava eu, com medo de dizer em voz alta aquilo que me vinha à cabeça e morava dentro de meu espírito. Mas foi tempo passado.
Muito suor rolará por meu rosto. A flor se foi... o rubi nunca existiu...
Apenas os olhos vermelhos permanecem para me apavorar e não me deixar esquecer.
E eu só quero que o tempo passe, que o tratamento termine e que, se um dia conseguir voltar ao lugar de onde vim, aquelas teias estejam lá para me envolver novamente.