Além da morte
Eu sempre tive medo da morte até que ela me olhou nos olhos. Um ônibus atravessou uma movimentada avenida arrastando muitos carros e motos, atravessou a vitrine de uma loja de roupa, e me esmagou contra a parede. Senti minha pele se romper, meus ossos se tornarem pequenos pedaços irreconhecíveis. Eu não sei ao certo quanto tempo fiquei no chão sobre meu sangue. Fui no meu próprios enterro e aviatei minha familia e amigos se consolando, e ao longe percebi um homem chorando muito, ele se jogou de joelhos no chão e se desculpava pela minha morte, alguns dias depois ele morreu com uma no pescoço. Mas ele sumiu assim que sua alma deixou seu corpo, porque eu ainda estava aqui? Me sentei sobre um túmulo muito antigo, inclinei meu rosto para baixo e supliquei por uma solução. De repente ouvi um choro de longe, saltei do tumulo e segui o som, caminhei lentamente sem lembrar que sendo um fantasma não teria como fazer barulho. Ao longe, dentro de uma pequena capela, estava uma garota sentada ao chão, encostada na parede, abraçando as pernas e a testa apoiada nos joelhos. Ela chorava desesperadamente sem se importar com algumas baratas que sorrateiramente se aproximavam dela e depois corriam para o lado oposto. Suas lagrimas explodiam no chão e formavam uma pequena poça sobre o chão sujo. Eu e ajoelhei diante dela, estendi o braço e toquei seu ombro. De repente ela jogou o corpo para trás, e esticou as pernas, seus olhos vermelhos estavam arregalados.
- Você pode me ver? - sussurrei.
Ela girou o rosto rapidamente como se estivesse a procura de alguma coisa ou de alguém. Aos poucos sua respiração se normalizou, ela se levantou, agarrou uma bolsa e se foi me deixando de joelhos completamente confusa. Eu me sentei e me encostei a parede, ela me sentiu ou outra coisa a assustou?
Arrastei meus olhos naquela pequena capela, não havia nada se movendo alem dos insetos e de mim. De repente um celular tocou quebrando o silêncio, uma mensagem surgiu na tela iluminada:"Me desculpa, não conta para sua mãe. Isso não vai voltar a acontecer. Eu confio em você."
De repente a porta se abriu e a garota estava de volta. Estava vestida de preto, cabelos longos e pretos, maquiagem pesada, aproximadamente 18 anos, e olhar triste. Ela agarrou o celular e apagou a mensagem sem ler, me deu as costas e ameaçou dar um passo mas desistiu, caiu sobre os joelhos e voltou a chorar. Ela arrancou uma faca da bolsa e começou a cortar os pulsos.
-Não-gritei- para, não desiste.
Saltei sobre ela e arranquei a faca de suas mãos, ela se jogou para trás e arregalou os olhos, ameaçou um grito mas a vóz não saiu, se arrastou pelo chão até bater os ombros na parede.
-calma- sussurrei- Eu não vou fazer nada.
Me afastei e me sentei em um pequeno banco do outro lado da capela.
-você esta morta? Você quer me matar? - ela gritou.
-Eu não quero machucar você. Eu quero te ajudar.
- Por quê?
-Eu não sei. -fiz uma pausa pensativa- Eu apenas quero.
Ela me lançou um olhar assustado e desacreditado, por um segundo eu pude ler seus pensamentos, ela acreditava estar enlouquecendo e não acreditava que alguém vivo ou morto tentaria ajuda-la.
- Eu também estou assustada, também estou sozinha.
Seu olhar ficou sereno, ela se identificou, ficamos por horas conversando, ela me contou que seu pai morreu quando ela tinha 10 anos, sua mãe se casou alguns anos depois, ela tem uma irmã fruto do novo casamento de sua mãe. Ela tem um gato que é seu único amigo. Quando não esta em casa com seu gato ou na livraria, costuma vir ao cemitério onde sente paz e tranquilidade. Nossa conversa se repetiu durante algumas semanas ate que ela se sentiu confortável para desabafar sobre seu padrasto.
-Ele é agressivo, sente prazer em ver as pessoas sofrendo e sangrando. Ele matou todos os meus animais de estimação diante de meus olhos enquanto eu estava amarrada de cabeca para baixo. - ela fez uma pausa triste - Ele sempre encontra uma forma de me machucar fisicamente e sentimentalmente.
- Sua irmã também passa por isso?
- Não. Ela se livrou por ser filha dele.
Eu senti seu sofrimento, e enquanto suas palavras se desfazia no ar, as paredes caíram e diante de mim subiu um quarto com pouca iluminação, Fernanda - a garota com quem eu conversava- estava com as mãos amarrada nas costas, deitada sobre a cama, apenas vestindo um biquíni preto. Sobre a cama um espelho refletia seu desespero, e revelava mais uma pessoa no quarto que eu ainda não havia percebido. Girei o rosto e avistie um homem em pé ao meu lado, ele estava com uma faca em uma das mãos e uma pena na outra e sussurrava.
-Qual você quer? - ele sorriu de forma sínica -vou deixar você escolar dessa vez.
-Eu quero a faca.
Eu não estava acreditando que ela escolheu a faca, ela esta ficando doida?
- Então você vai ganhar uma pena.
Ele se aproximou dela passando a pena suavemente por sua pele, ela começou a se desesperar, De repente ele saltou sobre ela apertando seu pescoço, ela se retorcia em baixo do corpo dele ate que ficou totalmente imóvel. Ele enfiou a ponta da pena dentro da orelha dela. Ela gritou e ele ria de sua dor. Ele a jogou no chão, colocou uma arma de choque em sua barriga ele a obrigava a ficar em silencio enquanto ele a estuprava. Cada suspiro, choro e respiração que fizesse qualquer barulho ele apertava o gatilho e ela gritava de dor e seu corpo estremecia com a eletricidade. De repente eu estava novamente na capela diante da Fernanda. Ela estava com os olhos arregalados.
-você viu?
- vi -respondi.
Ela jogou seu olhar para o chão, com gesto tímido e envergonhado ela pediu que onassunto terminasse ali, eu respeitei. Nos despedimos e ela foi para a faculdade de engenharia que estava prestes a terminar. Eu caminhei pelas ruas estreitas do cemitério tentando entender o motivo por eu ainda estar aqui e por ter conhecido a Fernanda. Me deitei sobre um túmulo que tinha um anjo de pedra com a mão estendida sobre mim, assisti o céu escurecer lentamente e o silêncio predominou. De repente ouvona voz da Fernanda. Joguei meu corpo para frente e corri em direção a sua voz. Ela gritava desesperadamente por ajuda. Avistei de longe ela correndo em minha direção, de repente ela caiu sobre os joelhos diante de mim, ela olhou para o túmulo ao meu lado, ela jogou o olhar de volta para mim ainda mais assustada.
- Você é....
Antes dela conseguir completar a frase um homem surgiu por entre as sombras das árvores e se lançou sobre ela apertando seu pescoço. Ela olhava para mim, tentava dizer alguma coisa, parecia não se importar com a falta de ar. Eu me aproximei do homem e o agarrei através da gola da blusa o puxando para trás, o corpo do homem bateu na parede do outro lado do cemitério e caiu ao chão. Ele se arrastou em minha direção , retirou imã faca da cintura e se lançou contra mim, estendia o braço e ele parou no ar, apertei os dedos e ele perdeu a respiração, desci o punho e ele caiu de joelhos. Os tulmulos começaram a girar atrás de nós, cada tortura contra a Fernanda, cada animal morto, cada gota de sangue que foi derramada, cada suspiro de dor, passou como um filme sobre nós. Ele reagiu, gritou sua inocência.
-você não me conhece, você não pode me culpar.
Eu apenas o observei, um homem que sempre esteve no controle da tortura, agora estava de joelhos implorando por compreensão, apelando por minha hanidade.
-Eu vou me tornar um homem melhor - ele implorou -eu juro.
Eu levantei o braço o arrastando do chão e o levantando acima de mim, milhares de corpos giravam em torno de nós, pessoas que ele havia matado no passado, eu senti seu medo.
-Eu poderia te matar.
- Não -ele implorou- por favor.
- Mas eu não vou. A morte é simples de mais para você.
Eu o lancei para cima.
- Eu não tenho o direito de tirar sua vida, mas vou fazer pior. Eu desejo que saiba lidar com a sua vida, a partir de agora.
O lancei contra o chão, ele bateu sua coluna na quina da escada, a dor retirou sua consciência. Girei meu gosto e Fernanda estava ainda estava com um olhar assustado, mas ela não podia me ver mais. Ela se afastou e eu observei onresgate levar o homem, e Fernanda conversar com a polícia sobre tudo que ele fez e inventou uma historia estranha sobre como ele se acidentou. O policial disse que o padrasto de Fernanda tinha muitas denuncias e que responderia por todas elas. Um garoto da idade de Fernanda surgiu no portão do cemitério a abraçando.
- Eu estava saindo de casa quando sua mãe me pediu para te procurar, esta tudo bem?
Eu senti a atração entre eles, e senti a aproximação da mae de Fernanda que a abraçou. Eles sumir por entre as portas do cemitério me deixando para trás ainda confusa. Depois de algum tempo Fernanda voltou ao cemitério, ela sentou em meu tumulone conversou comigo como se soubesse que eu ainda estava aqui.
- Oi. Em poucos dias muitas coisas mudaram. Meu padrasto ficou tetraplégico e agora esta dependendo das pessoas para tudo, ele esta fazendo terapia, pois não aguenta esta situação. Ele sempre fez o que queria comigo, agora depende de enfermeiras para dar comida, banhos, e trocar suas fraldas. Isso o esta matando por dentro. Eu fui visita-lo e o perdoei, acho que é o certo a se fazer. Minha mae se separou dele e ele não ganhou nada. A minha irmã faz terapia para superar o pai que tem, eu não sabia, mas ele a torturava também. Mas diferente de mim, ela não consegue o perdoar. Jason, o garoto que esteve aqui aquele dia me pediu namoro, eu relutei em aceitar, mas confesso que ele esta e fazendo muito bem. Tudo esta bem agora, você conseguiu me ajudar, mais do que você imagina. Você se lembra de quando sofreu aquele acidente? Você estava grávida, felizmente conseguiram salvar seu bebe, infeliente não encontraram ninguém da sua familia para cuidar do bebe. Mas encontraram uma mulher maravilhosa que cuidou como se fosse filha dela.
Ela sorriu e saltou do túmulo.
- Agora eu sei o porque você precisava me ajudar. Porque você é mais que meu anjo, você é minha mãe.
Eu queria gritar e dizer que eu estava aqui, mas eu apenas a observei chorar silenciosamente, ela retirou um botão de rosa do bolso, o cheirou e deixou uma única lagrima cair sobre ele.ela colocou a rosa sobre o tumulo e sussurrou.
-Obrigada mãe, eu te amo.
Eu a observei se afastar, Jason a aguardava no portão do cemitério e com ele estava uma criança que correu para Fernanda a chamando de mãe. Os três se abraçaram e se afastaram. Agora eu estava livre, e pude ir embora, mas todo ano, na mesma data eu voltava para ouvir as novidades sobre a ida da Fernanda, eu visitava o homem que a maltratou e o observo vegetar sobre uma cama. E fico horas falando o quanto minha filha esta feliz. Afinal, se a Fernanda pode perdoa-lo, por que eu não posso? A vida é Irônica, a única pessoa que ainda visita esse homem sou eu, e a morte é mais Irônica ainda, a única pessoa que pode me ver e que eu posso conversar é ele. E hoje eu posso ver nos olhos dele um sentimento que eu nunca imaginei. A gratidão, por eu o deixar vivo. Porque hoje ele se retratou com a sociedade, e reconquistou sua filha. E mesmo na cama, ele pode ser algo que ele nunca foi. Um ser humano. E no fim, todos tivemos uma segunda chance, seja na vida, seja na morte.