Esta noite Estarei Dormindo no Inferno
ESTA NOITE ESTAREI DORMINDO NO INFERNO.
Gama Gantois
Meu nome é Pablo Arroyo. Sou natural da periferia da cidade de Rio Negro na Colômbia. Como qualquer garoto pobre, sonhava em deixar aquela vida de miséria e humilhação. O descaso do governo colombiano, com a pobreza, não nos dava muitas opções de conquistarmos uma vida melhor, de deixarmos a periferia no passado. Só tínhamos três possibilidades de melhorarmos de vida. A primeira era ser um craque no futebol. Eu não levava o melhor jeito no trato da bola. A segunda opção era ser artista famoso. Não possuo um mínimo de talento. E a terceira possibilidade era ingressar no tráfico de drogas, naquele momento em alta no meu país, graças à ação do xará Pablo Escobar, que na verdade era um nacionalista e tinha como objetivo maior, inundar os Estados Unidos de droga, viciando a juventude americana. Dom Pablo, como gostava de ser chamado, considerava estar em guerra permanente com a Nação do Norte. Atraído pelo dinheiro, mas, principalmente pelo poder, passei a ser mais um soldado, no poderoso exército de Dom Pablo. Dom Pablo era um homem frio, que não hesitava em mandar matar qualquer pessoa que atravesse o seu caminho prejudicando o seu negócio. Matava Juiz, jornalista, policial, políticos pessoas inocentes, do povo que nada tinha haver com a sua luta. Sua força era a de um Estado paralelo dentro do Estado Colombiano. Tinha gente infiltrada no alto escalão do executivo, na policia, legislativo, judiciário. Inteligente, o patrão ajudava a população carente da Colômbia utilizando a ideologia antiimperialista para camuflar suas ações ilegais, ganhando apoio da maioria dos colombianos. Por exemplo, Escobar construía estádios de futebol, financiava alguns times da cidade, dizia tirar dos ricos para dar aos pobres, criando uma imagem de Robin Hood. Com isso, o povo de Medellín acobertava-o, escondendo informações e fazendo o possível para protegê-lo das autoridades.
Conhecido no mundo todo pelo seu primeiro e terceiro nome, foi um mito do narcoterrorismo e um dos homens mais ricos do mundo nos anos 90. Apelidado carinhosamente de “Don Pablito” ou “El Patron”, chefiava o Cartel de Medellín, traficando bilhões de dólares em cocaína com sua dócil política chamada "plata o plomo" (prata ou chumbo). Este era o perfil do meu patrão, Pablo Escobar.
Certo dia, fui incumbido de matar um cidadão comum, um pobre coitado, que sem saber atravessara o caminho de Dom Pablo. Ordem dada, ordem executada. Levei o canalha para um lugar na mata, com as mãos amarradas atrás da costa, cabeça coberta por um capuz preto, ordenando que ele se ajoelhasse. Era assim o nosso ritual de eliminar aquele que atravesse nosso caminho. Percebendo que ia morrer o condenado solicitou que morresse a cabeça descoberta, no que consenti. Olhando-me nos olhos, ele perguntou se não tinha como tirá-lo daquela situação. Respondi que não. Então, carregando nas palavras, me disse que um dia ele viria buscar minha alma para levá-la pessoalmente para o inferno, mas, que antes eu iria sofrer. Dei uma gostosa gargalhada e apertei o gatilho. Foi um tiro só que atingiu a sua cabeça. Para ter a certeza que cumprira a ordem do patrão, descarreguei, mais seis balas. Dali, fui me divertir num lupanar famoso de Antioquia com a consciência tranqüila por ter cumprido o meu dever.
A verdade é que depois da missão, minha vida nunca mais foi à mesma. Volta e meia sentia uns arrepios pelo corpo e a voz do assassinado, não saia dos meus ouvidos. Às vezes á noite ficava cismando até a chegada do sono. Certas ocasiões eu me questionava se não poderia ter salvado a vida daquela infeliz. Ele deixara viúva e três filhos menores.
Após o assassinato do candidato socialista á Presidência da República da Colômbia, pelo Patrão, Dr. Luiz Carlos. Galán, aquela altura, virtual Presidente eleito, da Colômbia, graças a sua popularidade, companheiro de partido de Pablo Escobar, a situação pra nós do Cartel de Medelín, não ficou nada legal. O povo colombiano começou a ter sua consciência despertada e passou a exigir do governo, uma ação mais contundente contra nós. Com a ajuda dos americanos, Exército, Polícia e do Cartel de Cali, inimigo mortal do Cartel de Medelín começa uma perseguição sem fim contra nós Aos poucos fomos perdendo as figuras mais importantes do cartel. Primeiro Foi Mariachi, principal colaborador do nosso chefe. Assim, a um a um dos principais colaboradores do Patrão foram sendo aniquilados. O fortalecimento da força contrária significava o nosso enfraquecimento. A partir dessa união de forças, o Cartel de Medelín, começa a sua decadência.
Percebendo que os ventos da legalidade, moralidade e da ética começavam a soprar na Colômbia, resolvi abandonar o narcotráfico fugindo para o Rio de Janeiro. Como não poderia deixar de ser foi abrigado pelo Comando Vermelho, que ideologicamente se afinava com o movimento colombiano. Acontece que foi a partir desse momento que a minha desdita começou. A principio não dei muito importância. Achava que era apenas um problema de adaptação. Com o agravamento do problema comecei a procurar ajuda médica. Eu não conseguia dormir. Passava as noites em claro. Procurei tratamento médico, tomei vários remédios tarjas preta, e continuava acordado. Via a noite ir ao encontro da madrugada e esta correr atrás do amanhecer, e eu, acordado, sem poder dormir. Fui a vários especialistas e o sono não vinha. Submeti-me a vários exames e os doutores nada encontraram de anormal. O meu caso era um mistério: Os médicos não sabiam explicar o meu mal e o pior, não achava uma solução para o meu problema. Foi dessa forma, que passei a freqüentar á noite, me entregando á bebida.Do álcool passei para as drogas pesadas e as mulheres fáceis. Esta vida na esbórnia debilitou minha saúde. Cansado e abatido não me restou alternativa que não fosse abandonar a vida boemia. Assim, passava á noite na televisão a procura de filmes, programas, tentando conciliar o sono Com a chegada do computador pra mim me pareceu à solução ideal. Passava á noite teclando ou buscando qualquer noticia sobre qualquer coisa. Só conseguia cochilar um pouco, quando o sol penetrava no meu quarto. Já não agüentava mais. Certa manhã depois de um breve cochilo, levei um bruto susto. Meu computador que não ficava nem por um instante desligado, lá estava na tela escrito: “Amanhã virei buscar a tua alma”. Como pode isto? Foi então que me lembrei da promessa daquele infeliz, colombiano que eu matei. Antes de morrer ele dissera estas palavras. Mas, como isto pode acontecer? Fiquei apavorado. Assim, a cada noite aparecia uma frase no computador. A última me fez me entregar à justiça brasileira para ser extraditado para o governo colombiano: Lá estava:
“Quem mata, não merece perdão, mas, quem mata inocente vai pro inferno. Amanhã estarás dormindo no inferno”, Não agüentei mais. Entreguei-me a justiça brasileira. Estou aqui no presídio de segurança máxima esperando as autoridades me extraditar para a Colômbia.
Amanhecia. Ao entrar na cela para conduzir o presidiário para aeroporto, os guardas levaram um susto. Viram o que não havia ninguém na cela. Diante do acontecido foram comunicar fato ao Diretor do presídio:
- Senhor diretor, tenho uma noticia desagradável
- Pode falar
- Não sabe aquele prisioneiro, Pablo Arroyo que ia ser extraditado para a Colômbia?
-Sim, o que tem ele?
- Amanheceu morto.
-Como morto?
-Morto, diretor. Mas, o pior é que ele não tem nenhum sinal de violência. Os nossos médicos não conseguiram diagnosticar a causa da morte. Sabemos apenas que ele está morto. Mas, o pior...
-Pior? Ainda tem o pior?
-Sim. Tem. Apareceu deixado sobre o corpo este bilhete,:
“Não me acorde. Finalmente, esta noite estarei dormindo no inferno”
-Estranho, guarda, muito estranho.
Quanto a mim, o narrador desta história, não acho nada estranho. È tudo muito simples. O assassinado cumpriu a promessa vindo buscar a alma do seu carrasco para levá-la para o inferno. Eu acredito nisto. E você?