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A MÃE
 
 
Eram vinte e três e trinta, hora exata em que André olhou para o relógio. Estava muito frio naquela sala, mármore desgastado pelo tempo, cadeiras vazias, ramos de flores por todo o lado. Toda a gente já tinha saído, estava só com o caixão onde repousava a morta, a sua ditosa mãe. Falecera na véspera, após prolongada doença e agora estava quase a chegar a hora de fechar a porta, dando por terminado o velório.
Sentia sono, mais uns minutos e sendo meia-noite iria embora para casa.
Olhou para o corpo inerte, distraidamente, desviando depois o olhar para outro lado da sala.
Pareceu-lhe ver um movimento no tórax da defunta, fixou de novo a visão nessa parte do corpo da mãe, que se encontrava completamente coberto por um longo pano de linho. Nada, fora impressão sua.
Passados minutos, voltou a olhar para o corpo da mãe e de novo voltou a perceber um ligeiro movimento, como se estivesse a respirar. A tremer, a respiração suspensa, levantou-se da cadeira e debruçou-se sobre o caixão olhando de muito perto. Estendeu a mão e pousou-a suavemente sobre o estomago da mãe. Abafou um grito quando sentiu o tórax a movimentar-se para cima e para baixo. Era um movimento quase impercetível mas dava para perceber. Aterrado, de olhos esbugalhados, olhou para o lenço que cobria o rosto da mãe e percebeu que ela respirava pois o pequeno pano rendado de linho movia-se.
Então, tomado de pânico, num misto de alegria e pavor, agarrou a mãe pelos braços e sacudiu-a.
- Mãe… Mãe… Estás viva!
O corpo tombou pesadamente no caixão e com o peso deslocado, este tombou para o chão tendo a mãe rolado para o lado, meia embrulhada no lençol.
André agachou-se junto dela, abraçando-a chorando. Que fazer? Chamar alguém? Aonde, se de inverno não se via vivalma nas ruas e a capela do cemitério onde se encontravam ficava isolada?
Tentou colocar o caixão sobre o carrinho articulado, que entretanto também tombara, mas o peso era demasiado e não conseguiu erguê-lo. Desanimado, sem saber o que fazer, começou a chorar, agarrando a mão da morta. Estava gelada. Às tantas interrogou-se… Seria impressão dele e a mãe estivera sempre morta?
Voltou a tentar colocar o caixão no suporte, sem sucesso.
Com muito esforço, conseguiu içar o corpo da mãe para dentro do caixão e depois, exausto, deitou-se sobre a fila de cadeiras e acabou por adormecer.
Acordou passado tempo, não sabe precisar quanto e gritou de susto. O velhote que fazia o trabalho de coveiro e guarda do cemitério olhava-o, curioso, a curta distância.
Instantaneamente volveu o olhar para o caixão, ainda estava no chão mas vazio. «Onde estava o corpo?»
Foi isso que perguntou ao velhote.
- Pois é, meu caro senhor… Nem sei como explicar… Passava da uma da manhã, quando fazia a ronda, vi luz debaixo da porta e estranhei… Estava fechada e pensei que se tivesse ido embora e esquecido de apagado a luz…
Bati, ninguém respondeu… Pois você deve ter o sono pesado…
- Onde está o corpo? Não consegui colocar a urna sobre o suporte, é muito pesada… Depois, exausto, deitei-me aqui mesmo e adormeci…
- Pois essa é a grande questão… Quando cheguei, vi você a dormir aí, o caixão vazio e tombado no chão… De qualquer modo, fui a casa a correr pois a situação era muito estranha, moro a quinhentos metros daqui e telefonei a chamar de imediato a polícia. Eles devem estar a chegar…
André sentou-se com a cabeça entre as mãos, chorando desconsoladamente.
- Oh, não…Onde pára a minha mãe? Para onde terá ido?
 

 
 
 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 12/12/2015
Código do texto: T5478178
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