------Vingança Amaldiçoada------Parte Dois------
Balcon e Mark esperavam ansiosos pela chegada de Johnnantan. Dizia ele que traria alguém suficientemente bom para o caso. Repentinamente, a porta se abre lentamente não fazendo o mínimo ruído, por detrás dela aparece Megy, que tenta inutilmente esconder a expressão susto e surpresa.
- Filha minha, onde esteve? Especialmente hoje acordei assim que os primeiros raios da aurora adentraram em meu quarto, esperava nosso bom xerife. Não a vi sair. Por acaso dormiu fora?
- Agora não posso, amado pai, preciso cuidar de meus afazeres – respondeu a jovem evitando encarar o pai e esquecendo-se completamente da visita.
A jovem andava explodindo de felicidade. Um sentimento inexplicável, porque uma vez que ela fizera Jason mudar seu comportamento, agora, nem lembrava de sua existência, as tardes que eles passavam juntos ficavam cada vez menos freqüentes. Saía de casa repetidas vezes com destino sempre desconhecido pelo pai e começava a se trancafiar em seu quarto sem querer ver, nem falar com ninguém. Mas estava feliz, não tirava aquele belo sorriso do rosto. Seu pai confiava tão cegamente na filha, que deixava ela tomar conta de si. Já seu primo, Jason, apesar de não demonstrar nenhuma alteração no comportamento, dentro de sua desequilibrada mente ele implorava pela volta de Megy à sua vida. Ele já falava com seu tio e sua avó quase que freqüentemente e o aspecto de tua face já havia se transformado. Depois daquela noite, nada mais de pesadelos e dores. “Aquela deve ter sido a última vez”, pensava ele.
Ouvem-se batidas leves na porta da casa. Os dois homens se levantam em sincronia para receber o doutor com seu misterioso amigo.
- Oh! Padre queira entrar, não faça cerimônia, entre, por favor.
Padre Tom entrou na casa como alguém que acaba de entrar em um museu antigo. Olhava com olhos atentos até mesmo a xícara de café tomado pousada em cima da mesa. Não se demorou a sentar, sem um segundo convite, puxou uma das poltronas aconchegando-se nela. Falou abruptamente sobre muitos lugares nos quais ele tinha ido visitar, coisas que ele tinha visto e assuntos secretos que eram a muito de sua guarda. Passaram-se horas desde a chegada do padre e até então, ele não havia terminado suas histórias. Os raios do sol ficavam fracos e brilhantes, a noite chegava. Finalmente, Tomás se levanta vagarosamente e caminha pela sala sem nem ao menos suspirar.
- Agora, me perdoem meus amigos. Sejamos fortes nesta hora em que os demônios se apresentam em forma humana. A qualquer momento...
Sem entender absolutamente do que se passava na mente do sábio padre, os homens se encontravam em silêncio e pensativos para o que poderia estar para acontecer.
Segundos se passaram desde o ultimato do padre e um grito de terror ecoou como uma corneta ao fundo de um precipício, um grito tão alto e agudo que atormentou os animais da fazenda. Toda a comitiva, até mesmo o velho Mark que já ouvira aquele mesmo som semanas atrás teve um sentimento gelado correndo por seu corpo.
- É meu sobrinho, é Jason quem sofre novamente – alarmou-se o velho indo diretamente ao quarto.
- Não entre lá – reprimiu o padre – deixe que os demônios se mostrem primeiro, depois agimos.
Mal as sombras da noite dominavam e a lua cheia já brilhava como os olhos de um terrível felino escondido na escuridão. A noite era perfeita para fenômenos ocultos e macabros e Tomás sabia bem que o mal, aquele mal, vivia na escuridão, pois a luz revelava sua transparência, os denunciava a simples sombras. Os gritos aumentavam. A voz era aguda demais para sair da boca de um vivente qualquer. Os móveis da casa tremiam com o barulho.
- Nós temos que entrar padre – rugiu em fúria e medo tio Mark – ele está sofrendo, não está vendo?
- Não! Deixe todos os demônios se mostrarem não adianta pegarmos apenas um, todos deverão desaparecer - as palavras do padre saíram em um tom muito mais alto que o normal, visto que o barulho que o jovem fazia era muito alto e começava a mudar, como se muitas vozes falassem uma atrás da outra – tirem todos que estiveram na casa, quero apenas vocês aqui.
Já que todos os empregados vão embora antes mesmo que anoiteça, Mark correu aos aposentos da filha, pois a velha avó se ausentava. Chegou lá e o pânico, que tanto segurava, se apossou dele. Megy não se encontrava no quarto, apenas as marcas de sua passagem, cama por fazer e janela semi-aberta. “Sim, a janela”, pensou rapidamente ele. Uma corda feita com panos amarrados ia, do segundo andar até o gramado do jardim.
- Foi por aqui que ela fugiu, como fui tolo, como não notei suas últimas esquisitices – gaguejou o pobre velho sentando e colocando as mãos sobre a cabeça em sinal de desespero – que espécie de pai eu sou? Onde estará minha filha?
Seus lamentos e agonia foram cortados pelo chamado dos amigos.
- O padre já quer abrir a porta – disse Johnnantan apressado – onde estão as chaves?
- É apenas uma, e deve ser a que tranca esta maldita porta por dentro, é mais uma que terei que quebrar.
Sem muito esforço, o médico derrubou a porta fazendo aparecer aquela criatura horrível que gritava de dor e ao mesmo tempo falava coisas que não se podia entender, línguas estranhas. O jovem, possuído por algo certamente demoníaco, se curvava para trás como se levasse chicotadas com ferro e espinhos. Sob ordens do padre de ainda não ascenderem a luz do quarto, eles se aproximaram da terrível figura e conseguiram ver algo que deixaria o coração do mais bravo homem gelado de pavor: a pele do jovem afundava, deixando transparecer sua carne e jogando sangue em toda parte, logo em seguida voltava ao normal e mais desses fantasmagóricos ataques aconteciam.
Padre Tom, jogou-se valentemente em cima do garoto, para o espanto de todos, e pediu que cada um segurasse uma parte do corpo. O médico, mais forte, segurou a parte das pernas, o velho tio Mark segurou um braço, enquanto o xerife Balcon segurava o outro.
- Consegue me ouvir, Jason? Escute-me, enfrente estes demônios que o atormentam e venha ao meu encontro, escute-me. Transpasse os portões do inferno e chegue até mim como um último esforço da sua alma.
Mesmo depois todos os esforços, o sábio padre não conseguiu nenhuma palavra do original garoto, apenas as outras vozes ainda gritavam e falavam em línguas desconhecidas e macabras.
- Ele não consegue vir até mim – lamentou o padre – receio ter demorado demais, mas ainda há uma chance se eles forem os espectros que penso que são.
Levantando se e ficando de pé sobre a cama e o garoto, o padre abaixou seus braços fazendo gestos singulares com suas duas mãos e quase num grito em meio de uma guerra, ele recitou:
- “Spiritus Dei ferebatur super aquas, et inspiravit in facien hominis spiraculus vitae. Sit Michael dux meus, et Sabtabiel servus meus in luce et per lucem. Fait verbum halitus meus; et imperabo spiritus aeris hujus, et refrenabo equos solis voluntate cordis meis, et cogitatione mentis mede et mutu oculi dextri.”
Deu uma pausa como que lendo as reações do exorcizado, mas elas não mudavam, as vozes continuavam junto com gritos de sofrimento, então seguiu com mais força e claresa:
-“Exorciso igitur te, creatura aeris, per Pentagrammaton et in nomine Tetragrammaton, in quibus sunt voluntas firma et fides recta. Amen. Selah. Fiat.”
Ao fim de suas palavras e cansado, como se não tivesse parado de correr, o padre fixa seu olhar no jovem, e finalmente dá um longo e aliviado sopro. Havia terminado, o exorcismo tinha aparentemente dado certo, pois apenas o delírio do pobre rapaz era audível, as vozes tinham sumido. Todos se entreolharam perturbados, não esperando que nada mais acontecesse e cortando o novo silêncio que seguira, Jason, já quase morto, pede lentamente em um tom de sofrimento, por socorro. Sua voz era semelhante á de alguém que está beirando os portões de Hades, os últimos suspiros, uma lamentação de um pré-cadáver.
- Ajudem-me... Ajudem-me...
De volta à sala, os quatro, esgotados da façanha que acabaram de fazer, conversavam sobre o que se seguiria. Na profundeza de seus corações ainda residia um gelo terrível, que apenas a luz do novo dia poderia derreter.
- Que bom meus amigos, terminou! – comentou o Balcon com um sorriso incerto no canto da boca.
- Mandamos aqueles demônios de volta para o inferno. Que eles sofram por toda a eternidade. Miseráveis malditos – completou Mark, apagando de sua memória o sumiço da filha.
Mas o padre, mal se movia em sua poltrona. Ele colocava uma das mãos no queixo , pensativo e com a outra insistia em balançar o cajado. Era o tempo inteiro observado por Johnnantan, que em sua perspicácia e auto-controle, notou que algo não estava certo. “Terá mesmo o padre Tomás conseguido destruir o mal do rapaz? Por que ele estaria tão nervoso?” Não conseguia conter a curiosidade e preocupação, mas antes que ele pudesse se expressar , Tom começou:
- Não é o fim, saibam vocês. Vou resumir-lhes o que me vem: Esse Jason é, sem sombra de duvidas, um sensitivo, sendo sua, digamos, pele, muito fraca. É quase livre a passagem de espíritos pelo seu corpo. Demônios se aproveitam disso. Mas, enquanto a alma deste jovem permanecer, ele não será totalmente possuído. A casos em que esses abomináveis seres conseguem expulsar a alma do corpo das pessoas...Mas...Eu receito, realmente receio...
Levanta-se, sem aviso, apoiando-se no cajado. Um suor frio descia-lhe o rosto. “Malditos... malditos... amaldiçoados sejam”, pensava ele.
- O que? O que o senhor receia padre? Vamos, fale, senhor! – interrompeu Balcon.
- Os desgraçados estão destruindo a alma dele! Os ferimentos que viram surgir e em seguida inexplicavelmente desaparecer, são os ataques furiosos de espectros do inferno à alma de Jason. Não há outra explicação! Planejava esconjurá-lo, mas não obtive sucesso porque o coitado não conseguiu se comunicar no meio de tanto mal. Tentei um exorcismo, um exorcismo contra... contra vampiros.
“VAMPIROS?”, gritaram todos em coro, levantando-se de seus encostos.
- Vampiros são espíritos – continuou Tomás – seres humanos que se mataram ou cruéis assassinos que receberam como castigo vagarem entre os dois mundos. Com o sangue quente das pessoas conseguem manter um corpo funcionando e para isso precisam de carne viva. Neste momento, há uma disputa infernal dessas coisas dentro de seu sobrinho, amigo Mark.
- Disputa? Mas o que eles querem? Por que o Jason?
- Ele é um sensitivo, já expliquei, e dos mais poderosos, creio eu. Seu corpo é uma porta muito fácil de ser aberta. A chave? A chave são os sentimentos: medo, ódio, amor, tristeza. Quanto mais sensível Jason for a eles, mais fácil é de entrar.
Tio Mark, imediatamente teve um choque, lembranças passavam como um flash em sua mente. “Claro, claro, Jason chegou aqui muito calado e com uma face indecifrável. Mas... ao passar do tempo foi mudando, sim, algo fazia mudar sua atitude de invisibilidade, mais e mais ele aparecia, ele...”, em segundos, e lembrando da filha, exclamou por atenção, chacoalhando seus braços.
- Padre, Doutor, Xerife, meus amigos que aqui estão tão bondosamente me ajudando nesta terrível missão, o que tenho para lhes contar, pode ser um tanto revelador...
Contou ele aos amigos tudo o que viera a sua mente, todos os fatos que pareciam estar ligados, comentou também, mostrando naquela hora uma preocupação tocante, sobre o comportamento de Megy, perguntando se poderia ter algo conectado. As últimas palavras do jovem antes do primeiro desmaio, sobre um tal rosto visto por ele, também foram citadas. Sentou-se, em seguida, tentando ler o rosto das figuras ali presentes. Não houve nenhum seguinte comentário.
Jason caiu em um novo sono após sua mais demoníaca provação. Seu semblante era tranqüilo, mesmo ainda não tendo retirado por completo as características do recente ataque. Tinha sido transferido para outro cômodo, tendo este sido antes abençoado por Tomás Ezequiel.
Doze badaladas são ouvidas.
- Acho melhor os amigos ficarem, por esta noite! Já é tarde! – declara Mark – Acomodarei cada um em um quarto, tenho uma casa bem grande aqui. Ficarei com meu sobrinho, caso possa acontecer...Vocês sabem...
- Não! – interrompeu o padre – Acho melhor eu ficar no quarto com ele e caso seus medos se tornem reais, saberei o que fazer, não se preocupe.
- Sim... Sim! Não pensei nessa hipótese, neste caso, muito lhe agradeço. Ficarei, então, no quarto de minha filha, esperarei até que chegue. Doutor, fique no quarto de minha tia, é o primeiro
à direita no segundo andar e meu amigo Balcon poderá descansar em meu quarto. Peço a licença de vocês, estou cansado! Que os anjos nos dêem uma noite tranqüila depois do que passamos. Até amanhã!
Continua...