------Vingança Amaldiçoada------Parte Um------

Dizem que quando um corpo cheio de uma emoção ruim perde sua alma fica ainda, por um tempo, vivo e livre, a espera de algo que o deixe completo novamente...

Jason sempre foi muito perdido, tanto em casa, com sua avó, quanto na escola. Era alto, magro e passou quase toda sua infância e juventude sozinho. Era rejeitado pelos amigos por ser muito tímido e por ter um sério problema: os sonhos. Sonhos... sonhos? Jason não apenas dormia no meio das aulas, simplesmente caia no abismo mais profundo e sombrio de sua mente. Nestes sonhos, o pobre garoto era atormentado por corpos sem semblantes, ele não conseguia enxergar os rostos dos desgraçados que sempre o atormentavam. Acordava sempre atônito e gritando, descontrolado, com seu rosto pálido e boca seca, mas com um olhar... um olhar que deixava um clima negro e pesado a quem o encarava. Foi consultado incontáveis vezes por médios e psiquiatras, tendo sempre como diagnóstico:

- Não se preocupe, são apenas sonhos, você deve andar cansado, precisa dormir mais...

Não julgo esses inocentes, pois suas certezas são limitadas à mera razão.

Jason cresceu. Amigos, não tinha. Amantes, nunca pensou nisso, se achava tão feio e grotesco que sabia que espantaria qualquer companhia que poderia ter. Conformara-se com sua vida.

O tempo passou, e Jason já com 23 anos, não passava de uma criatura curvada, de olhos baixos e terríveis, carregando em sua boca um sorriso macabro como quem trama com muito gosto algo sangrento. Seus sonhos, deixaram de acontecer perto de seus 19 anos. Era verão, o clima estava seco e abafado. Uma linda jovem vinha correndo, deixando seus longos cabelos loiros esvoaçarem com o vento. Ela adentrava na belíssima fazenda do Tio Mark, na qual o jovem Jason passava alguns verões com sua rabugenta avó. A garota vinha ao encontro dos dois, cumprimentando-os:

- Como vão meus queridos? – disse ela com um sorriso alegre e festivo.

A avó se limitou em responder com um aceno de cabeça, já Jason nem se moveu, estava, visivelmente, perdido em pensamentos. A bela jovem, chamada pelo povo da pequena aldeia, de Megy, ergueu seu olhar para enxergar melhor seu primo.

- Oi? O que... o que está vendo? Por acaso não gostou? É que papai fez muito às pressas e ainda nem deu tempo terminar.

Megy se referia às telhas recém montadas para as quais Jason olhava sem olhar. Ele continuava mudo, como sempre, não expressava nada a não ser a mesma cara assustadora que se apossara dele já havia algum tempo. Ela insistiu:

- Faz um bom tempo não é? Huuum... Oito anos? Nove? Com quantos anos você está agora? E aqueles sonhos, querido primo, Você ainda os...

Ao som daquelas últimas palavras, Jason virou-se repentinamente, como um lobo atacando sua presa, fazendo a moça perder a voz e sentir lá no fundo de sua alma um sinistro arrepio.

- Faz muito tempo mesmo minha bela prima – falou sussurrante, o jovem, para a surpresa e grande alívio de Megy - Mas eu lamento não saber minha idade.

Ela notara que algo em suas palavras o havia tocado e, como ele não se referira aos seus sonhos, era óbvio o que teria sido.

- Mas como assim Jason? Como não sabe? – gritou Megy, disfarçando o que sentira a pouco - Vamos ver, sou dez estações mais nova do que você, meu primo, logo você teve estar com 23? 24 anos? Também não sei ao certo.

Calou-se ao perder mais uma vez as palavras, notando que o primo aparentemente a ignorava e havia voltado à antiga posição, mas, que seu hipnotizado semblante desaparecera.

O sol ia baixando, dando espaço a escuridão da noite. A não ser em dias de festa, a região inteira apagava as luzes antes mesmo do sino das nove tocar. A cidadezinha que outrora brilhava aos raios da aurora, agora se tornava num cenário digno de um arrepiante filme de horror. O vento mudara completamente, passou de calmo e pacato, para furiosos sopros de ar, fazendo das janelas das casas, moradas de inúmeros fantasmas. Nuvens de fumaça subiam do chão do cemitério que se encontrava atrás da igreja. Negro era este cemitério, estas nuvens, que pareciam estar vindo de fendas profundas do submundo, o deixava tão denso, que não se enxergava dois metros à frente. Repentinamente, um grito na noite! Megy acorda atordoada, levantando-se desesperadamente da cama tentando encontrar a fonte destes berros de dor. Os gemidos ecoavam por toda casa, ressoando, na silenciosa noite, até os limites da fazenda.

- Pelo amor do Pai, quem é esse possuído que grita tão assustadoramente em nossa casa? – sussurrou, em pânico, Megy, ao esbarrar violentamente no velho.

- Não sei que tipo de demônio produz um som tão aterrorizante como esse – falou em resposta, tio Mark.

Continuaram juntos sua busca por toda a casa. Subiram ao último andar, encontrando apenas sombras. Os gritos de terror e dor continuavam. Foram aos aposentos de hóspedes, em baixo e, para o total assombro deles, o responsável de tudo se encontrava no quarto de Jason. A porta estava trancada. Tio Mark correu até a sala e pegou seu antigo machado de cortar lenha. Os gritos iam diminuindo e no lugar deles, a sofrida criatura emitia um gemido muito baixo, mas que se podia ouvir do outro lado.

-Vamos lá maldita! Saia do meu caminho! – gritou o velho Mark em desespero.

Ao quebrar a porta com um último e cansado, porém violento golpe de machado, se depararam com uma grande sombra projetada pela penumbra de uma lamparina. Jason estava deitado ao chão frio, suas costas estavam curvadas, curvadas demais para um simples tombo da baixa cama. Megy quase pendeu ao ver aquela aterrorizante cena sendo segurada por seu pai, que atônito e muito alterado perguntou:

- Meu Deus, o que houve meu jovem? Por que aqueles gritos? O que aconteceu?

Aproximou-se no intuito de colocá-lo de volta na cama, mas notou todo o piso próximo a ela escorregadio. Havia algo, algo naquele chão, ele não sabia o que era. Desceu com algum esforço seu corpo até que suas mãos alcançassem o líquido que se espalhava. Cheirou-o e com um rápido movimento, subiu novamente e acedeu as luzes do quarto. A jovem Megy soltou um grito e depois chorou lamentando-se.

- Pa... Papai, todo esse sangue, esse sangue aí no chão, papai, ele vem do primo não é? Ele vem do Jason?! – gaguejou a garota com as lágrimas cobrindo-lhe o rosto – Ele está morto, meu pai? Diga-me que meu amado primo está bem, eu te imploro.

- Cale-se minha filha, deixe-me vê-lo.

E a um simples toque, o jovem acordou e quase que imediatamente tentou dizer algumas palavras, que pela sua fraca voz e em meio a uma violenta tosse, não se pôde entender muita coisa:

- Eu vi... Eu vi... Um rosto... O desgraçado... O rosto... Quer me matar... Aquele rosto maldito...

- Calma meu rapaz – disse tio Mark, olhando assustado para a filha e recebendo de volta o mesmo gesto.

Colocou , o mais gentilmente possível, o sobrinho na cama, examinou-o por completo e um novo espanto tomou conta dele. Não havia sequer um mínimo ferimento em seu corpo!

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- Soube que isso é obra daquele primo louco que vem de fora...

- Ele parece ser um assassino...

- Toda vez que o vejo sinto um arrepio na espinha...

Os comentários não cessavam, toda a vila comentava sobre o que acontecera na noite anterior dentro da casa do velho Mark. Tanto ele quanto sua filha eram bastante conhecidos na cidadezinha, então, logo que amanheceu e tendo ambos ficado acordados ao lado de Jason por todo o resto da noite, trataram de usar todos os seus mais curiosos conhecidos para buscar o mais rápido possível o xerife local. Jason ainda dormia, parecia ter tomado algum tipo de medicamento, pois seu sono era muito pesado.

- Nem parece que o pobre rapaz sofreu tanto na noite anterior – lamentou Mark lançando um olhar penoso para Jason.

Chegando o xerife Balcon à grande casa, foi quase que empurrado por Megy até o quarto, onde o jovem gritara tão horrendamente horas atrás.

- Muito bem Mark. – apressou-se o xerife – És-me um amigo muito caro, caso contrário não teria vindo aqui tão cedo da manhã. Do que se trata? Ouvi rumores muito estranhos. Este é o jovem moço de quem tanto falam?

- Receio não saber o que estes rumores falam meu caro, mas, se eles se referem a gritos, gritos macabros vindos daqui de meu antigo lar, não deixam de estar errados.

Os três foram em direção à sala de estar, onde o xerife escutou, não disfarçando seu espanto, toda a história. Pediu todas as informações possíveis sobre o garoto. Tendo isto e tudo mais o que precisava, foi ao quarto estudar o ocorrido. Não passou um terço de hora que Balcon estivera no cômodo, voltou à sala e mandou que lhe trouxessem o Dr. Johnnantan Duares, um famoso médico Inglês cuja origem era daquela pequena cidade e ele, naquele momento, passava suas férias lá.

- E então? Balcon, meu amigo? Concluiu alguma coisa? - perguntou o velho sem ouvir uma resposta.

Balcon estava com um olhar perdido, pensava em como era possível o garoto ter sangrado tanto, mas em seu corpo não haver nenhum ferimento, marca, ou cicatriz.

- Se não for isto, eu não terei nenhuma outra explicação lógica – pensou alto, o xerife.

- Lógica? Explicação? Queremos que o senhor pegue quem fez isso ao meu primo.

- Muita paciência menina, ainda não se sabe se há um alguém.

Os três ficaram repentinamente mudos. Só se ouvia a pobre avó, levantando-se em seu quarto.

- Ela sempre foi ruim de audição – comentou Megy – e, pelo que me lembro, ainda dormia com algodões no ouvido, a pobre não deve ter escutado nada.

Entrando pela porta entreaberta, o Dr. Johnnantan, educadamente, ofereceu-lhes sua saudação e mostrou um respeito dado apenas a reis. Era novo, muito alto, beirando seus metro e noventa, loiro e era muito sabido que, por detrás de todo aquele disfarce de médico, existia um homem rigorosamente forte.

- Meus caros senhores, linda jovem. Vim assim que recebi o recado, não estou ciente da situação e prefiro não ouvir comentários de curiosos. O que tem para me contar?

Dr. Duares cuidou para não perder nenhum detalhe da conversa. O xerife pediu seu auxílio, pois precisava saber se o sangue que havia no chão era o do rapaz. Colhendo as amostras necessárias, o médico se dirigiu rapidamente ao laboratório da cidade vizinha.

Os dias foram passando sem nenhuma surpresa. Jason apenas parecia estar dando sinais de alguma emoção, sinais de felicidade, para ser mais preciso. Sua prima não saia de seu lado e tentava, a todo custo, animá-lo. Pouco sabia ela, que seria a culpada pela ruína de seu amado primo Jason.

Ao fim da primeira semana, tio Mark recebe uma carta vinda do doutor. Nela havia o resultado do exame: todo o sangue espalhado pelo assoalho do quarto era de Jason. Balcon não sabia o que pensar, estava confuso e pôs-se a gritar.

- Duares, desgraçado - dizia ele – Limitou-se apenas em enviar o exame. Como pôde. Quanto à sua opinião? Hum? O que ele tem a dizer?

Em toda cidadezinha já era de conhecimento de muitos o real acontecimento. E, inevitavelmente, chegaria aos ouvidos do padre. Outro que se assemelhava a Mark, pelo respeito dado, Padre Tom, como era conhecido o Pároco Tomás Ezequiel. Já era de idade avançada e seus cabelos brancos indicavam a grandeza de sua sabedoria, que não era nada enganosa. Conhecedor de muitas ciências e até mesmo de artes que não são de comum estudo de sacerdotes. Tinha estatura de um anão e estava sempre apoiado a um estranho cajado de madeira com um peculiar formato na ponta de cima.

- Certamente, o sobrenatural chegou até aqui. Almas dos negros portões estão prestes a se soltar. – falou ele ao fim de uma meditação – preciso ver esse jovem chamado Jason.

Continua...