A INVÍDIA NO COTIDIANO MODERNO

Num domingo de manhã, Raul estava desolado, ele olhava a imagem na televisão, e não cria, ele não cria naquele fato. Ele sentia medo, frio, horror, pavor e assim que viu o que viu, fechou bem as portas do seu apartamento na zona sul do Rio de Janeiro.

Ele fechou as janelas, estava chovendo, então ele resolveu se agasalhar, vestir um bota de cano longo, colocar um gorro de cor escura na cabeça, e deitou. Ele realmente nunca pensou que saberia de algo assim.

Apesar de ser muito crítico, daquele tipo, que não livra a cara nem de sua mãe, se ela escrever algo unilateral demais para seu gosto, ele nunca pensou que alguém fosse capaz de perder a cabeça assim!

Já sinestésico Raul resolveu romper o silêncio e sair porta a fora, ele iria com certeza procurar Leonor. Ele tirou o gorro, tirou a bota, colocou óculos escuros, despenteou o cabelo, colocou um sapato preto, e foi embora...

Quatro horas depois ele se encontrava sentado num sofá azul e segurava uma almofada cinza chumbo, enfeitada por motivos geométricos, e um música clássica ecoava ... seu olhar estava mais calmo, e agora poderia viver! tinha feito a única coisa que deveria e poderia fazer.

Ele levantou e caminhou até a cozinha pequena daquela quitinete, olhou em volta e o frango ainda estava meio cru, então ele pegou uma garrafa de água, e bebeu gargalo abaixo, depois atirou o recipiente contra a parede, um caco oriundo do ato voltou sobre ele, cortando sua mão, aí ele chorou muito, não de dor, mas pela raiva incontida.

Raul sempre foi um homem contido, mas ultimamente sua personalidade controlada se esvaiu, aliás desde que Roberta casou com o Flávio e foi embora, ele ficou assim meio desconcertado; Roberta é a única filha do casal recém separados: Leonor e Raul.

Ela é escritora, e teatróloga, trabalha com teatro, e Flávio não tem nada a ver com arte, ele é bancário, e nas horas vagas joga futebol para se distrair das tensões do cotidiano urbano e cheio de desafios da metrópole: que cria e recria seus monstros.

Raul sabia que cedo ou tarde, sua filha seria mais que cerceada pelo marido, e realmente ela foi: Ela foi esfaqueada, e se encontra num Centro de tratamento intensivo, respirando por aparelhos, e ele veio a casa da ex-mulher apenas para comer algo e voltar para a companhia da filha, que na verdade, ficou na mão do sequestrador/esposo durante longas quarenta e oito horas, e quando Raul viu isso na televisão nem sabia ainda se tratar de sua filha - Pois o jornalista ao narrar a notícia dizia que uma das razões do sequestro de Roberta por Flávio, foi a sua última peça teatral escrita, ele queria assiná-la, queria que seu nome fosse colocado lá, ela não aceitou isso, e pagou caro!

O homem tentou estancar o sangue que não parava de sair da fissura mas resolveu olhar para aquele líquido vermelho como se olha para uma linda paisagem, ele pensava que sua menina perdera quase um litro de sangue, com o esfaqueamento, e agora está quase morta...o telefone tocou, ele andou cambaleando para atender: E de lá alguém disse a pior coisa que alguém poderia dizer a um pai.

Dois anos depois do acontecido Raul encontra-se sentado na primeira fila de um grande teatro: E vê os quinze atores reverenciarem sob aplausos o publico, ele tem lágrimas em seus olhos, e quando chamam seu nome , ele sobe no palco e recebe uma placa de bronze que diz: "ESTA PEÇA É DEDICADA AO MEU PAI" e mais abaixo com letras menores "A INVÍDIA NO COTIDIANO MODERNO - TEXTO E DIREÇÃO DE ROBERTA MEDEIROS

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 17/11/2015
Reeditado em 17/11/2015
Código do texto: T5451766
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