A Pedra que Caiu da Lua - DTRL25
A fogueira ardia vazia, sem nada para assar. O ano estava difícil, a terra seca só havia produzido erva miúda e os animais, consequentemente, sumiram. Os mais velhos discutiam se rezariam mais canções para a chuva ou se levariam o povo em direção ao pôr do sol como fizeram sem sucesso na última seca, anos antes. Borg, um dos caçadores, estava sentado enquanto sua Dora catava-lhe os piolhos e outros parasitas da cabeleira. Piolhos não eram necessariamente considerados iguarias pelo povo de Borg, mas serviam para diminuir os roncos no estômago e também como uma alternativa às formigas e brotos de bambu que compunham o cardápio da tribo nos últimos meses.
Diferente dos outros membros do grupo que olhavam para a chama triste da fogueira, Borg olhava para a lua cheia e brilhante, alta no céu, a espalhar seu brilho azul pelo céu noturno. Borg pensava, enquanto a mulher catava seus piolhos, se os velhos não estariam errados ao rezarem para o sol. Será que a lua não poderia ajudá-los trazendo chuva se cantassem para ela ao invés do sol? O sol era quente, evaporava a água e esquentava o ar, a lua não, seu brilho frio e azulado esfriava a noite e refrescava os ventos noturnos. Balançou a cabeça, deveria afastar aqueles pensamentos. Os velhos haviam vivido muitas secas, sabiam o que estavam fazendo. Borg era jovem, acabara de se tornar caçador, aquela era sua primeira seca brava, não tinha como saber mais que os anciãos.
De repente um clarão vermelho toma conta do céu, iluminando tudo, do matagal próximo às colinas distantes. O que parecia ser uma pedra gigante pegando fogo vai descendo do céu até cair lá longe. Borg não perde tempo pensando, pega um dos galhos incandescentes da fogueira e corre em direção ao incêndio que acabara de começar no sopé da colina. Corre rápido por entre o matagal seco da floresta escura com sua tocha improvisada em uma mão e sua faca de osso na cintura. Chega em alguns minutos no brejo que ficava ao sopé da colina mais próxima, o incêndio persistia mesmo na umidade da lama fedorenta e nas poças de água podre do pântano. Borg avança com a lama quase nos joelhos e chega à pedra que caiu do céu. Do tamanho de um mastodonte, a grande pedra acinzentada estava aberta com o seu interior em vermelho vivo pulsando. “Uma pedra viva? O que seria aquilo?” Perguntou-se. Uma série de sons abafados que não faziam parte do barulho do fogo estalando nos galhos próximos, chega aos ouvidos de Borg. Gritos! Exclama baixo o caçador que constatava que, naquele momento, algo acontecia no acampamento da tribo. Dora! Lembra-se da mulher. Volta correndo em direção à fogueira da tribo, desta vez com a faca de osso em punho.
O cenário era de pura carnificina. Os corpos completamente destruídos dos membros da tribo. Não dava para diferenciar qual parte era de criança, adulto ou velho. Tiras de pele dependuradas nos galhos das árvores, miolos pisoteados no chão, um braço estraçalhado e jogado perto da fogueira. Tudo regado a sangue, por todos os lados. Vê um chumaço de cabelo que julga reconhecer… O escalpo de sua amada Dora! Fora arrancado brutalmente da parte superior do crânio, sem ajuda de lâmina alguma, apenas com a força mecânica de uma garra poderosíssima. Chora ao olhar o chumaço de cabelo ainda preso na pele da moleira que pertencera a mulher que amava. Range os dentes com força. Mataria a criatura que havia chacinado brutalmente sua tribo.
Segue a estranha trilha deixada pela criatura que parecia não ser deste mundo. Caíra da lua com aquela pedra, tinha certeza. O rastro pertencia a um animal de 6 pernas. As patas na verdade eram garras de pontas duplas, como as garras dos lagostins que habitavam os riachos, só que muitíssimo maiores. Começa a chover, Borg tenta desesperadamente manter a tocha improvisada ainda acesa, em vão, a tocha se apagara. Apesar da noite clara de lua cheia fica impossível seguir o rastro do monstro que caiu do céu. Borg não desiste, engatinhando no chão tateia o solo úmido com a faca de osso entre os dentes e o coração cheio de ódio. Sente uma lufada de ar quente em direção aos barulhos dos galhos se quebrando a sua esquerda. A criatura! Ele a vê iluminada pela luz pálida da lua, baforando ar quente pela boca de caranguejo. Estava certo, a criatura não era deste mundo.
Aquelas antenas e garras horríveis se pareciam com as dos insetos e crustáceos, porém em um predador duas vezes maior que um urso. As seis patas saiam do abdômen cascudo e oblongo parecido com o da lagosta, oculto parcialmente pela escuridão da mata fechada. Sem perder mais tempo analisando o adversário, Borg agiu rápido, furioso pela tribo brutalmente chacinada. E sua amada... “Dora, como pôde?!” pensou ele. A criatura pagaria por seu crime. O caçador se levantou rapidamente e correu em direção ao monstro com a faca em mãos. Pouco antes de chegar ao objetivo, porém, Borg se viu atingido por algo na parte lateral do corpo. A cauda pontuda e fina, com sua casca lisa de inseto, o atingira em cheio. Com o sangue quente, a dor era uma pontada firme que sentia perfurar suas tripas. Tenta avançar mas não consegue, se vê sendo levantado pela garra terrível que perfurava-lhe a barriga. O crustáceo gigante abria a boca cheia de quelíceras horríveis em direção a sua cabeça, o caçador notou aterrorizado que seria mastigado vivo! Ouvia estalos de dentro das entranhas da criatura que abrira as mandíbulas em um ângulo impossível. Antes de ser trucidado chegou a conclusão do porquê dos velhos não rezarem para a lua: Havia coisas horríveis morando lá.
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Tema: Criaturas fantásticas.