A Longa Estrada Barrenta -DTRL25
Não importava o quanto eu pensasse nisso, o dia de hoje é o melhor em toda a minha vida. Mas a noite, eu tinha meus desafios, alguns que nunca esperei fazer antes, como por exemplo: Sair à noite com meu modesto carro e seguir em uma estrada barrenta e deserta. Porém nada era mais satisfatório do que sair daquela maldita cidade onde eu era constantemente encarado, e reencontrar a garota dos meus sonhos.
Lembro nitidamente da primeira vez que a vi, seus cabelos loiros mexiam desengonçadamente a cada subida e descida daquele balanço na praça. Quando a vi, ri ao longe, imaginando o que uma garota tão crescida estava fazendo em um brinquedo de criança, obviamente, se balançando. Movido por uma atração misteriosa, me aproximei até ficar diante dela, e sem falar nada, sentei no balanço ao seu lado. Como pensei que me balançar como ela seria entediante. Tomei um forte impulso e a cadeira subiu ao seu auge, as correntes velhas e enferrujadas separaram-se da estrutura e me lançaram com cadeira e tudo. Dolorido levantei ao som dos risos dela. Pensei em ficar com raiva, mas só pensei, por que quando virei-me para encara-la, seu sorriso iluminou toda a escuridão de minha alma, lembrando a mim, quem eu era, então eu sorri, pela primeira vez em uma semana estressante.
Começamos a nos encontrar naquele horário, que era exatamente a hora em que eu saia de um curso para uma prova importante. Conversávamos todos os dias, e riamos. Quando não tínhamos assuntos, apenas falávamos sobre o clima ou sobre as coisas ao nosso redor, as vezes simplesmente repetíamos o que já tínhamos conversado, como se fosse a primeira vez. Apenas curtíamos a presença um do outro, e o melhor: Ela não se importava nem um pouco com o que as pessoas falavam de mim.
Tudo estava indo bem, até bem demais, eu já estava me sentindo alguém melhor, mais iluminado e altruísta. Já que estava feliz, queria ver todos felizes. Mas, o dia de nossa separação chegou, eu já imaginava como me sentiria, imaginava a dor de vê-la partir, mas doeu ainda mais, para falar a verdade. Então me decidi, aquele seria meu último anoitecer com ela, então faria o meu melhor. Pedi para ela esperar, corri para casa, pegando todo o dinheiro que havia juntado, e gastei, com gosto, cada centavo em um parque de diversões na cidade vizinha. Foi divertido, mas nada comparado a minha primeira vez naquela mesma noite.
Nos mantemos conectados pelas redes sociais, e cada vez que as redes migravam, nós íamos também, sempre nos procurávamos antes de qualquer outro na criação de um perfil. Não me passava a mesma alegria de quando conversávamos pessoalmente, mas ainda era satisfatório e divertido. Não há palavras para descrever minha alegria agora. Estou apenas alguns quilômetros de reencontra-la.
A estrada nem me parece tão assustadora quanto haviam me falado. Árvores sem folhas e com uma aparecia acinzentada, uma presentinho visual do inverno, e uma completa escuridão. Se eu estivesse a pé, ficaria morrendo de medo, admito. Sou cético, mas nunca duvidei muito de criaturas que saem das sombras atrás de fazer o mal, principalmente quando elas são humanas. Mas... Para minha maior felicidade, eu estou com meu carro, qualquer coisa que eventualmente apareça na minha frente terá ao menos algumas costelas e uma perna quebrada.
A imagem de um caminhão andando do outro lado em minha direção surge em minha mente.
- Ha. Que besteira. Um caminhão não caberia aqui. – Disse a mim mesmo em tom de deboche.
Luzes abrem-se logo a minha frente. No desespero piso no freio, mesmo sabendo que o choque ia ser inevitável, sinto o impacto inicial, mas ao piscar os olhos, a estrada ainda estava a minha frente. Arregalo os olhos. Preciso de foco, chega de pensamentos dispersos, não posso sofrer um acidente antes de chegar naquela cidade e ver Alicia. Olho meu reflexo pelo retrovisor, tentando diagnosticar o quão sonolento eu estou.
- Venha querido, vamos dormir juntos. – A voz sensual de uma mulher desviou minha atenção, olho assustado para o lado esquerdo e, para meu espanto, não estava mais em meu carro.
Forcei minha mente a acordar, sabia que era um sonho, mas um estranho que não conseguia sair mesmo sabendo sua natureza. Eu me encontrava em um corredor bem iluminado, com o espelho pregado na parede a minha frente, retratos de pessoas sem rosto e apenas uma porta aberta, dando para o quarto escuro de onde a mulher me chamava.
- Venha, o que está esperando? – A voz soou mais uma vez.
Ri de mim mesmo, se as coisas saíssem como eu esperava. Eu iria me assustar por algum motivo, acordar repentinamente no volante e teria passado apenas um instante. Tudo estaria bem. Me recompus, e seguia na direção em que a voz me chamava. Quando entro no quarto, vejo de imediato uma mulher sentada numa cadeira, se enchendo de perfume e vestida com uma lingerie vermelha. Uma fraca luz igualmente vermelha iluminava seu rosto através do arredondado espelho da mesa. Aquela visão era nostálgica. Mas não me lembro de conhecer uma mulher tão bela e sedutora. Suas feições e contornos eram irresistíveis. Mas, eu estava dirigindo, não poderia me entregar a uma ilusão, mesmo estando ciente que deveria seguir o sonho. Uma hora iria acordar, e sinceramente, espero que seja no mundo físico.
Ela subiu de quatro na cama enquanto vinha rebolando em minha direção, com olhos e movimentos felinos e sedutores. Senti um calafrio, ela estava fazendo tudo que me deixaria excitado, mas nesse sonho, isso me assustava. Ela segura minha mão e vai me puxando para a cama, de maneira cuidadosa e gentil. Deito-me sem rodeios, o show estava para começar e eu estava a ponto de acordar. Esse pensamento me manteve confortável até o momento que ela subiu sobre mim, abriu meu zíper e pôs-me para dentro de si. A sensação de imediato foi enlouquecedora, nunca senti tanto prazer passando por todo o meu corpo em vida, e nunca imaginei que sentiria em sonhos, ainda mais em um sonho que poderia acabar com minha vida, caso não acordasse logo.
Ela começou a rebolar devagar, intensificando gradativamente, e, quando dei por mim, ela pulava e se remexia como uma égua selvagem. Abri meus olhos, e para meu espanto, aquela bela e irresistível mulher ia se deteriorando, tomando formas animalescas e estranhas a minha mente. Olhos que fechados entravam para dentro do crânio, pelos que cresciam a cada rebolar, ossos que giravam e quebravam a cada gemido do animal. Aquilo veio em direção a minha boca, e, no susto, me vi novamente na estrada.
Gargalhei tão alto quanto pude. Eu estava certo, tudo não passaria de um instante. O sonho mais estranho que já tive, mas não tinha tempo para refletir nele, preciso manter o foco na estrada. Dessa vez não sai do caminho, mas numa outra, posso não voltar. Então, tive que deixa-lo para o eventual esquecimento que se seguiria naturalmente.
- Eu irei chegar em meu destino. – Repeti para mim mesmo, sem parar. Auto-sugestões positivas sempre me ajudaram a me sentir seguro e confiante.
- Eu irei chegar como a mulher mais bonita da festa. – Escutei a voz de minha falecida irmã, e quando pisquei os olhos, a estava ajudando a fechar o vestido.
- Mulher? Onde existe algo de mulher em você? – Perguntei automaticamente, seguindo o fluxo da memória.
- Ei, sua criança imatura. Sua inveja não irá tirar meu brilho. – Disse com seu lindo sorriso convencido. Quanta saudade eu tenho de vê-lo na vida real? Não sei, mas vê-lo neste sonho, me instigou a continuar seguindo-o e recriando a cena. Era um momento curto, lembro-me dele.
- E por que eu vou ter inveja de uma menina que quer parecer bonita para os outros? Deveria querer ficar bonita para si mesma. – Disse com um sorriso debochado. Ela realmente estava linda, eu reconhecia, mas não queria inflar ainda mais o ego daquela ególatra. Embora, se pudesse voltar, diria que ela era perfeita, aos meus olhos e aos de todos. Espera... Eu posso fazer isso agora.
- Ha Ha... Falou o garoto que repete as falas clichés... Muito confiável.
– Disse repetindo o mesmo sorriso que dei a ela. Porém, nela ficava mais bonito. Nós dois rimos. E o carro do pai de sua amiga chegou. – Então tchau. – Disse rapidamente e foi se dirigindo para a porta.
Sem pensar duas vezes, segurei sua mão e dei meu melhor sorriso.
- Você está linda hoje. Não, perfeita. Aos meus olhos e aos de todos os outros. Sempre foi. – Disse com os olhos cheios de lagrimas. De maneira nenhuma eu ia deixar aquela noite ter o mesmo desfecho. Ela sorri surpresa e envergonhada.
- Eu sei. – Por fim sorriu, permitindo que seu ego aflorasse mais uma vez, e foi sorridente ao carro do pai de sua amiga. Pensei em aproveitar isso, quem sabe eu poderia mudar o desfecho. Talvez alguma força maior estivesse me dando uma chance de mudar tudo, ao menos no mundo dos sonhos.
Me senti incrivelmente tentado a segui-la e tentar fazer algo para ver um final diferente, mesmo que isso me custasse um acidente no outro mundo.
Uma mão segurando meu ombro me impede de ir adiante
- Você não pode mudar nada. – Uma voz tremula e dolorida afirmou, logo ao meu lado direito. Seu vulto correu atrás da minha irmã, e eu despertei.
Olhei assustado para os lado enquanto freava. E me olhei pelo espelho do carro. Estava soando frio, e o carro estava abafado. Por algum milagre eu ainda não havia batido em nada, mas não poderia continuar do jeito que estava. Decidi manter o carro ligado, ligar o ar-condicionado interno, e dormir um pouco. A ideia de sofrer um acidente já não me parecia tão tentadora, agora. Demorei a pegar no sono ainda um pouco abalado com a dor desperta pelas memórias do passado, e quando finalmente dormi, passei bons minutos naquela escuridão tranquila em minha mente. Nenhum som, nenhuma imagem, nenhum pensamento, apenas a calma e paz que não sentia a um bom tempo.
Finalmente recuperado, levanto-me em um salto e me olho para o grande corredor a minha frente.
- Corredor” – Pergunto-me atordoado. Olhando para os lados, vejo alguém no escuro, alguém no quarto ao lado. Fui me aproximando com cautela, e ele se tornou cada vez mais visível. A princípio não o reconheci, mas não demorou para eu reconhecer aquelas cicatrizes em seus braços.
- Você! Seu monstro! Você matou minha irmã! – Gritei furioso, sem pensar duas vezes, e peguei uma faca que estava sobre a cômoda, ao mesmo tempo que ele mostrou a dele. Esse seria nosso duelo? Minha única vingança era a porra de um sonho no meio da estrada?
- Por que eles não acreditaram em mim? Ninguém acreditou, e olhe. Você está livre para conseguir o que quiser, enquanto eu tenho que sofrer por suas ações. Seu assassino! – Continuei gritando, enquanto lagrimas caiam de meus olhos. Eu sei, que nada mudaria se eu o machucasse aqui, na porcaria de um sonho, mas...
Avancei sem pensar direito, e ele veio em minha direção sem perder tempo. O primeiro que acertar será o grande vencedor dessa porcaria sem sentido. Tentei cravar a faca em seu peito, mas algo que criou o som metálico a repeliu. O maldito estava usando proteção metálica por debaixo da roupa preta? Ataquei novamente, o golpe parecia certeiro no pescoço amostra, mas eu acordei no último instante.
Segurei minha respiração enquanto batia no volante. Quando me acalmei, percebi que o carro ainda seguia pela estrada. Por acaso eu sou um motorista sonambulo? Eu deveria treinar mais essa habilidade.
Gargalhei na quase falha tentativa de aliviar o estresse. Droga, por que fiquei tão irritado? Era apenas um pesadelo. Eu vou encontrar a pessoa que transformará a minha vida em um sonho. Sorri e finalmente a tensão se foi. Bastou eu lembrar do sorriso de Alicia que tudo pareceu mais claro, inclusive a noite. Já deveria estar amanhecendo.
Continuei pela estrada, com um leve sorriso confiante. Aqueles sonhos eram apenas um pressagio de boa sorte, eu, agora, estava decididamente deixando tudo de ruim para trás naquela cidade. Um novo capitulo, de uma nova história iria se revelar. Mal consigo descrever a alegria que esse modo de pensar me trouxe, que foi logo substituído pela estranheza de ver um coelho pregado a sangue frio numa arvore. Os pelos brancos de sua barriga estavam cobertor por seu próprio sangue seco. Ignorei, e dei mais uma acelerada no carro. Certamente, não queria cruzar com quem fez aquilo.
O sol já estava nascendo ao horizonte leste a minha frente, já podia sentir a aproximação da nova cidade onde minha amada estava. Mas, a angustia apenas aumentava. Quanto mais me aproximava da cidade, mais corpos de animais eu via a beira da estrada. Seria algum aviso? Que tipo de cidade era essa? Não posso acreditar que Alicia esteja envolvida com isso, provavelmente quando eu falar sobre, ela sinta ainda mais estranheza do que eu. Ri, enquanto acelerava mais um pouco. Mal posso esperar para ver o sorriso dela ao me reencontrar.
Mais e mais corpos surgem a beira estrada. Até que uma pessoa entra no caminho do meu carro. Pisei fundo no freio, mas a alta velocidade não ajudou, girei o volante na tentativa de desvia da pessoa, mas o som da batida veio, e pouco antes do impacto fechei os olhos.
Uma brisa se seguiu, passando por todo o meu corpo, cai bolando naquela estrada de terra, e quando abri os olhos, tudo estava escuro novamente. Olhei atordoado ao redor de mim. Mal conseguia ver um palmo a minha frente. Meu carro deveria ter desligado a luz. Mas e o sol? A luz de velas ilumina minhas costas, viro-me apenas para ver cinco velas escuras formando um pentagrama investido para minha direção, onde apenas as três mais próximas a mim estavam acesas. No centro estava um velho tabuleiro ouija que reconheci de imediato, graças ao pentagrama vermelho malfeito que desenhei na primeira vez que joguei. Foi uma experiência que destruiu parte do meu ceticismo ao ver aquele copo andando sozinho. Porém, existia uma diferença, o nome de Alicia estava escrito a dois dedos abaixo do tabuleiro com tinta vermelha, a mesma que usei no pentagrama. As últimas duas acendem revelando o corpo de uma mulher deitada de bruços. Reconheci aqueles cabelos loiros espalhados pelo chão e corri até ela. Parei ao ver uma enorme ferida em suas costas. Ouvi seus gemidos, abaixei-me, mas temi toca-la e piorar ainda mais seus machucados. O que diabos está acontecendo?
O que parecia ser Alicia, ergueu o rosto do chão, deixando uma mancha de sangue. Fechei os olhos, enquanto, confuso, deixei lagrimas escorrerem. Senti meu corpo se mover por conta própria, e quando abri os abri. Vi meu reflexo nos olhos de uma criatura grande e esquelética, que me encarava de cima do meu capô.
Temas: Estrada deserta e criaturas fantásticas.
Ps: A melhor apreciação está naqueles que entendem os argumentos implícitos. Você conseguiu entender a historia?