Mistérios da natureza- DTRL 25
"A natureza possui mistérios que até hoje não foram revelados."
João M. Brandet
*
João tinha acabado a faculdade e viajou para o interior com o objetivo de pesquisar tipos exóticos de plantas e insetos. Ele sabia que lá haviam vários.
Logo que chegou foi prontamente recebido por sua mãe que ficou muito feliz de lhe ver. Seus muitos irmãos e primos também fizeram festa por sua chegada.
Depois de terminada a alegria por sua chegada, ele reparou que seu pai e seu tio não estavam presentes. A mãe logo justificou que eles haviam ido até a cidade com objetivo de comprarem alguns mantimentos. Chegariam no dia seguinte.
João assentiu com a cabeça e sorriu ao lembrar de como foi mágico a sua primeira ida a cidade. Ainda na infância. Sua mãe perguntou o porque do sorriso. Ao saber o motivo a mulher também começou a lembrar coisas do passado. Foi nesse clima de nostalgia que todos lancharam.
- Já vou indo. - falou João quando acabou de comer o delicioso bolo que sua mãe havia feito - Vou procurar algumas plantas e insetos hoje mesmo. Esse horário é bom que ainda está claro.
- Espere até amanhã, pois nesse horário das seis horas os espíritos das matas e das águas saem pra passear e não seria bom se encontrar com eles.
João não acreditava muito nisso. Pelo menos não tanto quanto no passado. Para ele a crença de que existiam espíritos das matas e das águas se baseava na falta de conhecimento sobre os mistérios da natureza. Porque ele tinha aprendido na faculdade que tudo tinha uma explicação lógica e que mitos como esses eram uma forma de explicar de uma forma mais simples fenômenos que não eram compreendidos. Mas ele não iria falar isso a sua mãe, por isso apenas concordou e deixou para o outro dia.
*
Tobias estava cansado, pois estava remando desde cedo. Mas apesar do cansaço estava feliz, porque ia conseguir um bom dinheiro com a venda das frutas e da farinha da mandioca produzida em sua propriedade. Com esse dinheiro poderia comprar uma máquina de costura nova para a sua mãe. Assim ela poderia fazer roupas novas para todos irem para as festividades da comunidade.
Enquanto remava, pensava que se tivesse ido com seu pai não estaria tão cansado. O rapaz sabia que seu pai já devia ter chegado na cidade. Ele havia saído um pouco mais tarde, porém havia ido por uma das novas estradas recém construídas. Tobias preferiu ir pelos rios. Apesar do cansaço não se arrependia.
O rapaz não gostava de ir pelas estradas novas recém construídas por dois motivos. Primeiro porque para ele suas estradas eram os rios. Sentia que os trairia se pegasse as estradas. Porque durante toda sua vida seus caminhos foram traçados nos rios. O segundo motivo tinha a ver com sua irmã . Que não estava mais com ele.
Sua irmã se chamava Marina. Foi uma criança muito curiosa e que gostava muito de tomar banho no rio. Se fechar os olhos Tobias ainda consegue ver sua irmãzinha correndo, ainda de camisola para as águas turvas do rio. As águas eram a alegria dela. Por ironia foram essas mesmas águas que foram responsáveis por a tirar de sua família.
Mesmo fazendo tanto tempo, Tobias nunca vai esquecer o dia em que sua irmã desapareceu nas águas do rio. Era um dia como qualquer outro, mas em um momento de descuido da mãe a menina desapareceu no rio. Todos estranharam, pois Marina nadava muito bem. Outra coisa estranha foi o fato de nunca terem encontrado o corpo da menina.Por causa desse último detalhe, muitas pessoas acreditaram que a menina havia sido "encantada".
"Encantadas" era o termo que o curandeiro da região usava para se referir as crianças que mesmo depois de mortas continuavam em nosso plano, graças a influencia de seres mágicos que as encantavam. Essas crianças geralmente habitavam as florestas e os rios e poderiam até realizar pedidos e zelar pelos humanos.
Tobias se lembra, que logo no início, algumas pessoas até disseram que alcançaram bênçãos graças a sua irmã. Mas isso foi no começo, depois as próprias pessoas que disseram que ela estava encantada se esqueceram dela . E seus pais e outros irmãos aceitaram a morte dela e tentaram da melhor forma suportar a dor. Todavia, o rapaz continuava acreditando nisso. Era uma forma de manter a irmã viva em seu coração e de a sentir com ele toda vez que trafegava pelo rio.
Quando ele passou pela entrada do Igarapé uma música o tirou de seus pensamentos. A música parecia ser cantada pela voz de uma mulher e parecia ter um efeito hipnótico sobre ele. Alguma coisa dentro dele desejava ir atrás da voz. E ele foi, sem se importar com as mercadorias e com o pai que já devia ter chegado na cidade.
Quando chegou ao local. Levou um susto grande ao ver uma bela jovem penteando os cabelos enquanto cantava. Ela tinha a pele morena e os cabelos encaracolados. A bela mulher sorriu ao ver ele. Fez gestos o chamando.
Era como se algum feitiço estivesse sobre ele. Não conseguia resistir aos encantos da mulher e antes que percebesse já estava fora da canoa. Nos braços dela. Beijando seus lábios.
Sentia como se a realidade tivesse virado somente um sonho cada vez mais distante. A realidade somente o atingiu junto com as garras da mulher.
Tobias sentia muita dor no braço em que a mulher havia enfiado as garras e sentia que o fim se aproximava, pois a criatura estava pronta para o afogar.
Por mais que tentasse o rapaz não conseguia se mexer e nem gritar. Era como se fosse um boneco de pano nas mãos daquela perversa mulher. O máximo que conseguiu fazer foi tentar respirar mesmo quando já estava embaixo d´água.
Sentia que tudo ficava mais escuro. Achou que fosse morrer e se sentiu preocupado com a família. Seus pais que já haviam perdido um filho. Antes de apagar sentiu uma mão gelada lhe tocando.
Quando abriu os olhos novamente misteriosamente estava de volta na canoa. Deitado com os remos ao seu lado e com as mercadorias nos lugares. Ao olhar para o braço viu que não havia nenhuma marca no local onde a mulher havia enfiado as garras. Pensou em encarar tudo aquilo como um sonho, mas uma flor que estava em cima de um dos bancos o fez mudar de ideia.
Aquela flor não estava lá. Olhando mais atentamente a identificou como uma das flores favoritas de sua irmã. Marina realmente continuava cuidando dele.
Com a imagem da irmã ainda na mente se dirigiu para cidade. Durante todo percusso sentia o doce olhar de Marina nele. Quando chegou na cidade não resistiu e contou para todos que vinham comprar sua mercadoria o que havia ocorrido. Contou como sua irmã havia lhe salvado. Contou como a menina continuava cuidando dele. Todos pareciam acreditar na história. Menos seu pai.
Para que seu pai acreditasse na história, tentou pegar a flor no bolso . Mas quando fez isso reparou que a flor havia sumido. Sorriu e pensou que talvez sua irmã não quisesse que o pai visse a flor. Era para ser uma coisa só entre eles.
*
A mãe de Rosa sempre lhe disse que era perigoso tomar banho no Igarapé em horários de meio- dia e seis da tarde, pois eram nesses horários que a mãe d' água estava escovando os cabelos. E ela não gostava de presença humana nesses momentos. Uma vez sua mãe até chegou a dizer que a mãe d' água enfeitiçava as pessoas que a vissem nesses horários.
Quando era bem novinha Rosa morria de medo e obedecia a mãe sem questionar. Mas quando cresceu a curiosidade nasceu. Passou a se perguntar como era a mãe d'água e até como seria essa escova. Tinha noites que até sonhava com isso.
Mesmo tendo muita curiosidade de ir ver a mãe d' água se pentear, a menina somente teve coragem de ir fazer isso aos doze anos. Em um dia em que todos haviam saído, menos sua prima Rita.
A sua prima que também era curiosa a encorajou. Quando as duas saíram de casa faltam quinze para o meio- dia. Elas pegaram o caminho mais curto da floresta. Um caminho que a mãe de Rosa sempre pegava quando ia lavar roupas.
Mas dessa vez parecia que algo estava errado. As meninas sentiam que estavam andando a muito mais tempo que o normal. Exatamente por causa disso, sentiram um alivio imenso quando viram o Igarapé. Elas correram até ele.
As meninas sentiram um arrepio quando ao chegarem ao local que era para está o Igarapé encontrarem somente mais árvores. Ficaram com medo de estarem delirando por causa do calor e com mais medo por se sentirem perdidas.
- Acho melhor a gente voltar pra casa- falou Rita com a voz fina de medo
-Também acho.
As meninas tentaram achar o caminho de volta, mas parecia que de alguma forma sobrenatural as árvores haviam mudado de lugar e tudo parecia diferente. As coisas complicaram ainda mais quando começaram a ouvir risadas que não pertenciam a esse mundo. E se sentirem vigiadas por olhos maus.
- Olhe pegadas. Talvez se a gente as seguisse chegasse ao Igarapé. Lá a gente poderia pedir ajuda ou pegar um caminho mais fácil.- falou Rita apontando para pegadas que levavam a uma parte que elas aparentemente já haviam percorrido
Rosa sentiu um arrepio e se lembrou de algo que sua mãe falava sobre uma criatura que morava nas florestas. Pelas características e devido a todo contexto, aquelas pegadas eram obra do Curupira, ou como era conhecido o pai do mato. As seguir com toda certeza não era uma boa ideia. Assim como não foi uma boa ideia querer ir ver a mãe d' água se pentear.
Pelo que a mãe falava do pai do mato, ele não era tão bom como aquela figura folclórica retratada nos livros escolares. Ele amava brincar com a mente das pessoas e as fazer desaparecer. Por isso, segundo a mãe, que muitas pessoas se perdiam nas florestas e nunca mais eram vistas.
Baseada em tudo isso, a menina tentou convencer a prima a não seguir as pegadas, porém a menina parecia decidida a fazer isso. E não teve nada que a fizesse mudar de ideia. Nem mesmo a escuridão que parecia tomar conta do caminho a cada vez que andavam. Mas apesar de tudo era melhor a acompanhar do que andar sozinha. Durante o caminho gritavam, mas ninguém respondia.
Um barulho de galho se quebrando despertou a atenção das meninas. Ao virarem para trás não viram nada, mas ao voltarem a olhar para frente tiveram o maior susto de suas vidas. Atrás das árvores rostos estranhos as encarava.
As criaturas eram altas e em seus rostos tinham sorrisos maldosos e olhos vermelhos. E riam como se as meninas fossem a piada. Rosa gritou e tapou os olhos. Aquilo era um pesadelo. Era a única explicação.
Quando abriu os olhos e procurou pela prima não a viu. A menina havia sumido de como por mágica. Aquilo a fez correr de forma desesperada, gritando o nome da outra. Com medo que as criaturas a tivessem levado.
O suor fazia seus cabelos grudarem em sua testa. Seu coração estava muito acelerado e estava quase sem voz de tanto chamar a prima.
- Rosa - uma voz assustadora a chamou. Não era a voz da prima
Rosa virou lentamente na direção da voz e gritou ao ver uma daquelas criaturas que estava atrás das árvores. A criatura tentou estender a mão e a tocar, mas antes que conseguisse isso Rosa se colocou a correr novamente.
Correu, correu e correu. Até que um ganho a fez tropeçar. Tentou se levantar, porém não conseguiu. Se sentia fraca demais.
- Se afaste de mim!- gritou a menina para a criatura que se aproximava - Socorro!
A criatura não respondeu no início. Apenas a encarava com seus estranhos olhos vermelhos e tentava a todo custo tocar nela. Quando o ser abriu a boca e Rosa viu os dentes pontiagudos entendeu que tinha que fazer algo rápido. Com toda certeza a criatura planejava a comer viva.
Diante de tudo isso pensou rápido. Pegou uma pedra pontuda que estava ao seu lado e enfiou no pescoço da criatura. Um líquido preto espirrou em sua cara. A criatura gritava em uma língua desconhecida. Depois de um tempo os gritos pararam e o silêncio reinou. Parecia que até os passaram haviam parado de cantar.
Depois de vários segundos de silêncio, uma risada de arrepiar ecoou por toda mata. Naquele momento Rosa soube que algo estava terrivelmente errado.
*
No dia seguinte logo pela manhã Joaquim, o pai de João chegou cheio de histórias da cidade. Falou de parentes distantes, falou de como o preço do porco estava alto e de outras coisas. Mas o que realmente chamou a atenção de João foi um caso referente a um rapaz que foi salvo de ser afogado pela mãe d´ água. O pai contava como se tivesse certeza da veracidade do caso.
- Deve ter alguma explicação. - falou João com convicção
- As nossas matas e nossos rios tem mistérios que mesmo com muito saber você nunca conseguirá desvendar. - falou seu pai de uma forma séria. Que fez João se calar.
Mesmo mais tarde naquele dia, enquanto andava pela mata, a frase de seu pai voltava a sua mente. Como um lembrete. Isso fez João se questionar sobre alguns conceitos que havia aprendido.
João pensou que talvez entender a natureza fosse mais que aprender qual planta era gimnosperma e qual era angiosperma. Talvez a natureza fosse bem mais que árvores e bichos. Estava pensando em tudo isso quando um barulho chamou sua atenção. Guardou no bolso a lupa que estava usando para examinar as folhas e foi na direção da sua casa chamar ajuda. Aquele barulho podia muito bem indicar algum bicho selvagem.
*
Rosa não sabe dizer quando tempo passou. Depois que matou a criatura apagou ao som da risada macabra. Mesmo quando estava desacordada, de alguma forma, conseguia ouvir os risos. Era como se fossem dentro de sua cabeça.
A menina não sabe dizer em que momento as risadas pararam ou em que momento teve forças para abrir os olhos. Quando fez isso olhou e observou que a criatura ainda estava morta. No mesmo lugar. Só que estranhamente era como se seus olhos estivessem derretendo e sua pele descamando. Rosa foi para o mais longe possível dela.
Passado o susto inicial, a menina se lembrou da prima e passou a chama- lá, passou a chamar pelos pais e a pedir socorro. Cada vez mais alto, com o máximo de força que tinha. Porém, não obteve nenhuma resposta. Quando ouviu passos se aproximando sentiu a esperança crescer e foi em direção a eles.
Os passos pertenciam a um grupo de cinco pessoas. Uma dessas pessoas seguravam uma espingarda. Todos olhavam de modo assustado para ela. Encarando principalmente a mancha preta do sangue da criatura.
Rosa caiu de joelhos e antes que percebesse estava contando toda história para eles. De uma forma aflita e sem muito nexo. Falava desde a sua vontade de ver a mãe d´água se pentear até o sumiço da prima. Depois de um tempo sabia somente falar o nome da prima e falar de como havia matado uma criatura mostruosa, apontando para o local onde o corpo estava. As pessoas pareciam não entender uma palavra do que dizia. Mas um dos homens seguiu na direção em que apontava.
O grito não tardou a vim. Rosa não estranhou, a criatura morta realmente era assustadora. O que ela estranhou foi o fato do homem vim com alguma coisa nos braços. a menina não podia acreditar que alguém iria querer carregar o corpo daquele ser.
Quando o homem estava mais perto, Rosa sentiu um arrepio e gritou. A menina pensava que aquilo apenas podia ser um pesadelo, pois o corpo nos braços do homem era de sua prima e não de nenhum ser sobrenatural. Em desespero não conseguiu nem se mover. Apenas gritava e dizia que não era real.Não podia ser real. Mas uma risada macabra que a menina conhecia bem a fez saber que aquilo não era um pesadelo. Antes de apagar Rosa se perguntou se os outros haviam ouvido também.
*
João nunca vai conseguir esquecer do que ocorreu mais cedo. Do caso da menina que matou a prima achando que estava matando um ser sobrenatural. Durante a noite toda não conseguiu dormir pensando naquilo. Toda vez que fechava os olhos via o corpo da menina e lembrava das coisas que a prima assassina havia dito. Mas acima de tudo lembrava da risada macabra que todos ouviram. Como se alguém achasse tudo divertido.
De quem era a risada, assim como o que realmente havia ocorrido eram mistérios que talvez nunca tivessem uma solução.
No tempo que ficou sem dormir o rapaz ainda relacionou a história das duas primas com o caso que seu pai havia contado. Do rapaz que dizia ter sido salvo da mãe d' água. As duas estavam relacionadas, pois mostravam que as florestas e os rios abrigam criaturas e segredos que talvez o homem nunca consiga entender. E ela sempre foi e sempre será palco de histórias como as que ouviu. E que tudo podia se resumir na frase de seu sábio pai:
-As nossas matas e nossos rios tem mistérios que mesmo com muito saber você nunca conseguirá desvendar.
Tema: Criaturas Fantásticas, Paranóia e talvez um pouco de estradas desertas( os rios que em muitos lugares da região Norte são as estradas)
*
Nota da autora: Bem, nessa edição resolvi falar de algo da minha região. Falar de um terror um pouco diferente e baseado nas crenças e nos mitos daqui. Por isso pode ser que não tenha ficado muito assustador como meus contos anteriores.