A Maldição Cigana

Os irmãos Rafa e Dudu são dois adolescentes que vivem na roça, no interior do Espírito Santo, num lugarzinho chamado Vale do Orobó. Na casa de Antoniel, pai dos garotos, todo mundo acorda cedo para trabalhar na lavoura, lá pelas quatro e meia da manhã. E nada de muita frescura: A roupa do batente, água no rosto, um pretinho no saco, a boia das onze e “simbora” pra labuta. Não pode passar das cinco, nem doente! E assim é todo dia, faça chuva, faça sol.
E foi bem na hora quando Dona Elizete costumeiramente se debruçava na janela pra ver os homens da casa de partida, que ouviu passos e uma batida vigorosa e persistente na porta.
– Ô de casa! – era uma mulher bem velha com roupas de cigana e dentes, em parte faltando, e em parte de ouro.
– Se aprochegue! Faiz favor!
– A senhora teria um poquim d’água pra me arrumar? – pergunta ofegante.
– Peraí que vou tirar do poço – em meio à espera, os cachorros não paravam de latir e rosnar, mais do que o costumeiro. – Taqui ó, fresquinha da Silva.
Os cachorros estavam presos no celeiro, todos os seis, como de costume. Todos cachorros bravos, acostumado a caçar os bichos do mato.
– A senhora me desculpe viu – disse Dona Elizete, enquanto a estranha tomava vigorosos goles d’água. –, eles tão acostumados não, com gente de fora.
– Tem problema não dona, o deles tá guardado. Deixa eu indo, só cuidado com a menina da porteira!
Ninguém entendeu nada, mas também, não tiveram coragem de perguntar. Cada doido com suas manias. Quando de repente, o pai deu uma grande gargalhada irônica, que constrangeu a todos em presença da visitante.
E assim foi-se a mulher por um caminho e os homens por outro. Levava três porteiras de distância, que dava uns sete a oito quilômetros de trajeto, entre aclives e declives. Seu Antoniel ia na frente de cavalo, e os meninos atrás a pé.
– Rafa, que diacho que a cigana quis dizer com aquilo?
– Sei lá, Dudu. Mió nem pensar muito nisso não!
– Estranho não amanheceu ainda, né?! Ta tudo um breu que só!
A mata cerrada permanecia escura, e não se enxergava nada a não ser o chão. Foi quando se deram conta que chegavam na primeira porteira. Cismados abriram a porteira bem de vagar, e o silêncio foi quebrado unicamente pelo rangido dos ferrolhos que faziam a madeira vibrar. Passaram por ela incólumes e igualmente pela segunda. Foi quando já não tinham mais receios, e cheios de confiança e risos aliviados abriram a última porteira. Trancaram-na e nada aconteceu.
– Mais que diacho de cigana desgramada! Matou a gente de medo – disse Dudu.
E riram muito daquilo. Foi quando ouviram um grunhido.
– É só uma coruja idiota!
Agora, um assobio muito alto como se os chamasse. Procuraram quem poderia ser.
– Deve ser papai querendo nos assustar – disse Rafa.
De novo, o assobio.
Gelado de medo, Dudu move o rosto de Rafa para o outro lado da mata, atrás dele: – Olha! Lá nos fundos, em cima da árvore! O que é aquilo?
Fitaram por um tempo até ficarem credos do que avistaram. Era uma menina, não tinha nem um metro de altura. Seus cabelos eram longos e como se nunca tivessem sido penteados. Não tinha olhos e da sua boca escorria sangue que manchava todo o seu vestido, que era sujo e cheio de rasgos. Os meninos tremiam feito vara de bambu, e não se mexiam paralisados pelo assombro. Quando de repente, um grande estrondo! Num relance, ao olharem um pro outro e de volta para aquela assombração, ela pulou sobre um monte de lenha empilhada, que voaram a metros de distância em pedaços.
Então ela correu como uma onça veloz em direção dos garotos. Eles levaram as três porteiras no peito até em casa. E a assombração não os perseguiu mais. Ao chegarem lá, já em prantos gritavam: – Mamãe! Mamãe! Socorro!
Não a achavam em lugar algum.
– Rápido, as chaves do celeiro. Vamos soltar os cachorros!
Era um celeiro antigo, mas de madeira forte, maciça. Na porta, três fortes correntes e um cadeado para cada corrente. Quando finalmente abriram... a mãe estava lá desacordada, e não tinha mais os olhos e nem a língua. Mais seu coração ainda batia. Olharam em volta, os cães estavam em pedaços, não sobraram ossos inteiros, apenas tripas e sangue por todo lado. Nas paredes, marcas de garras como de urso ou outro animal grande e medonho. No teto, um grande buraco, por onde a criatura teria passado. Atordoados, correram para que o pai os socorresse, mas dele nunca mais se teve notícia. Tempos depois, acharam a cabeça de Marrom, o cavalo de Seu Antoniel, lá perto da terceira porteira, em cima daquela árvore, más só a cabeça.