Boca do inferno! Não, não se está fazendo  referência ao escritor Gregório de Mattos Guerra, a maior expressão do barroco tardio, no Brasil. Talvez até semanticamente, através de uma analogia muito remota, pois o referido poeta possui esta alcunha por denunciar, através de suas obras, as mazelas da sociedade; atrocidades e abusos dos poderosos. Era de uma família rica e nobre, mas no final da vida, além de virar uma espécie de mendigo, perambulando pelas ruas, bravejava apontando os malfeitos e amaldiçoava o poder.
No meio da turbulência provocada pela torrente de seus maus  pensamentos, numa semiesquizofrenia proveniente de uma estafa pelo excesso de trabalho e cobrança impiedosa do superior imediato, resolveu desesperadamente que a única maneira de se livrar de todas as tormentas, era se desligar de tudo e de todos definitivamente, e recomeçar a vida em uma outra cidade, que fosse tranquila e lhe desse paz de espírito.
Foi o que fez, não cumpriu nem o aviso prévio, desprender-se de tudo representava libertação, alegria por estar vivo, há muito não sentida. Começar um próprio negócio como técnico em eletrônica o enchia de orgulho de si mesmo.


Comprou uma casa branca, simples,  com janelas azuis, no centro de uma mata nativa, onde, pelo terreno, passava um rio. o imóvel possuía um porão para abrigar sua tão sonhada oficina.
Paradoxalmente, em meio a toda calmaria, não conseguiu dormir, por uma semana. Quando começava a pegar no sono, acordava sobressaltado.
Numa dessas madrugadas, foi desperto por um miado muito forte, quase um urro de fera, ao abrir os olhos, deparou-se com um homem trajando um casaco fosforecente de capuz azul e um gato escuro no colo,


observando de pé, na frente da sua cama. Não sentiu medo. O estranho falou:
- Alguém o chama no porão! 
- Quem? Minha ex-mulher? Agora ela quer voltar?!
- Desça e verá!
imediatamente desceu as escadas e notou uma luminosidade vinda debaixo do assoalho, percebeu que a tal luz escapava por frestas do que seria um bueiro de madeira quadrado. Quando abriu, teve uma surpresa: um fogo interminável e intenso.


- Este fogo não vai queimar sua casa, na verdade, é uma ilusão humana sobre o que resolveu-se chamar de inferno. Ele só queima os ímpios. o mesmo fogo é a  razão de sua mente angustiada. Na verdade, o inferno com fogo faz parte do imaginário coletivo, é oriundo do secular lixão de Guerrena, que existiu em Jerusalém na época em que viveu  Jesus Cristo. Todo o lixo da cidade ia para o aterro de Guerrena, mortos iam para Guerrena, os condenados pelo governo, depois de pena capital, eram incinerados em Guerrena. Era um lixão tomado pelo fogo.
- Mas o que farei com esse inferno? O que tenho a ver com isso?!
- Você não terá outra escolha, o diabo quer que vc atraia pessoas para cá e jogue em sua boca, pois só se fortalece assim. Não se preocupe, que se houver e você acreditar em Deus e vida após a morte, jamais deixará que seja punido, afinal, estará sendo justo. Comece pelas pessoas de quem deseja se vingar, como vingança não é um sentimento nobre, comece pelas que mereçam ser arremeçadas na boca do inferno!

E tome cuidado para que nenhuma delas consiga empurrá-lo em seus lugares. De qualquer maneira, mesmo que isto hipoteticamente ocorra, infinitamente, você voltará para cá!
- Eu não vim pra ser escravo de ninguém, nem do diabo!
- A escolha é sua, amigo, ninguém pode fugir da própria sina, não importa em que lugar esteja, sua sina vai te encontrar e te pegar! E sua sina é esta!
E desapareceram no ar, dono e gato.


LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 22/10/2015
Reeditado em 15/02/2016
Código do texto: T5423297
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