3 - Vivendo a Morte!

(Recomendo ler os contos “A Colheita” e “O Ceifeiro”)

O tempo passou e na matemática da Morte, nenhum "x" fica sem resultado, essa conta é sempre exata, então, se estiver na hora, não tem conversa, não tem desculpa, eu levarei sua alma. E pra quem acha que a foice que carrego é apenas decoração, se engana, ela é o meu instrumento de trabalho, portanto se precisar usa-la, eu usarei, se precisar cortar sua cabeça, eu farei isso sem piedade e com prazer..., o julgamento não sou eu quem faz, apenas sigo o cronograma..., se perguntar se vai para o céu ou inferno, sinto muito, isso eu não posso lhe dizer, mas se pensar bem, a resposta você já tem, não acha?

Meu corpo já estava tomado de marcas, faltava pouco para que o meu rosto passasse a ser apenas uma figura disforme e sem vida; irônico dizer “sem vida”, afinal eu era a Morte; mas como ainda mantinha vivo em minha memória os tempos de cidadão de bem, trabalhador da roça e colhedor de laranja, às vezes eu ainda tinha lapsos de consciência, principalmente quando lembrava de como tudo começou.

Minha mãe assassinada por mim e depois minha esposa e meu melhor amigo, tá certo que eles estavam tendo um caso, mas será que era pra tanto? Me lembro como se fosse ontem, mesmo já tendo passado mais de cem anos, depois que sai da casa da minha mãe, com as minhas mãos cheias de sangue, fui direito para casa; “minha casa”, a quanto tempo não sei o que é isso; enfim, ao chegar, fui direto para o quarto e lá estavam os dois na cama, cheguei justamente quando estavam no ato, ela com os seios amostra, abraçada ao corpo dele e ele explorando com aquelas mãos imundas todo o seu corpo, no fundo eu já sabia que isso já estava acontecendo a um bom tempo, mas não queria perde-la, não queria ficar sozinho, então me sujeitei a fingir que não havia nada. Mas neste dia eu estava possuído, se eu havia assassinado minha mãe, a criatura que eu mais amava nesta vida, porque não finalizar o trabalho e matar aqueles dois “filhos da puta”, assim, o primeiro a me ver chegar foi Jaziel, pois ele estava bem de frente a porta, mas como ela estava em cima dele, seus reflexos não foram suficientes, então, o primeiro golpe com a foice foi direto na jugular de Gorete, “VLAP”, sem que ele se desse conta, ela já estava sobre ele, coberta de sangue e com a garganta cortada, “Agora chegou sua vez Jaziel...” e antes que pudesse completar a frase “Não pelo amor de Deus, não faz iss...”, desferi um golpe certeiro em sua testa, “não faz isso? Era isso que ia dizer meu amigo? Eu já fiz...”, depois disso, me lembro de novamente subir na cômoda que ficava ao lado da cama e escrever no teto a palavra “Fuja”.

Hoje eu sei que o “apagão” que tive naquele dia foi porque a Morte precisava de mim com a alma ainda pura e consciência limpa, ao mesmo tempo que precisava também que eu mesmo fizesse o serviço. Aquela noite foi longa, a Lua cheia no céu, minha cabeça cheia de dúvidas, a garrafa de cachaça que levava comigo, não funcionou muito bem, pois nem bêbado eu consegui ficar, era o efeito da maldita herança, depois de me tornar a Morte, nada me tirava a sanidade e contraditoriamente, isso me deixava louco, pois eu não dormia mais, não comia mais, não descansava mais, passei a trabalhar como jamais havia trabalhado, mas trocaria tudo aquilo por alguns alqueires de terra e a lida nas plantações de laranja, não tenho dúvida disso.

Mas agora minha vida era essa e eu não podia fazer mais nada pra mudar..., tenho algumas dúvidas ainda, principalmente o fato da Morte ter me escolhido para substitui-la e depois disso desaparecer, pois até onde eu sabia, não existia um rodizio de Anjos da Morte, além disso, ainda tinha o fato de eu não saber porque depois das minhas três primeiras mortes eu não escrevi mais a palavra “Fuja” no teto ou em qualquer lugar que fosse depois de ceifar a vida de um condenado, enfim, enquanto isso vou seguindo a minha vida com a minha capa preta; por enquanto sem capuz, pois eu ainda podia ver meu rosto e queria aproveitar cada minuto até que eu me transformasse em um mostro por completo; com minha foice e algumas gargantas cortadas.

(Recomendo ler agora os contos "os Poderes da Morte" e "Rascunhos de um Plano", pois irá esclarecer algumas dúvidas)

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Moises Tamasauskas Vantini
Enviado por Moises Tamasauskas Vantini em 14/10/2015
Reeditado em 16/10/2015
Código do texto: T5414566
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