Eu simplesmente não sabia. Eu simplesmente vi que precisava correr. Correr muito se não quisesse ser alcançado. Eu não devia ter brincado daquele jeito. Eu não queria, meus amigos me obrigaram... Eu estava bêbado... Eu estava querendo aparecer para Sophia.
Me fodi.
Agora aquela sombra me segue. Eu preciso correr. Eu pude enxergar a assustadora silhueta, com alguns cabelos ralos contra a luz, lá em cima, no estacionamento, acenando para mim de forma tranquilamente horripilante. A cabeça arredondada e magra fazia contraste com o corpo esquelético. E agora, me seguia.
Sabe aquela angústia? Acordar no meio da noite com um pesadelo do caralho, muito real? Eu tenho vivido assim. Não durmo mais. Apenas corro, evito ambientes escuros. Arranquei todas as cortinas de meu apartamento. Evito chegar até as janelas, a praia do Arpoador lá embaixo já não me comove ou me maravilha. Com o medo que sinto... Parece que as ondas me chamam. Sei que se pular da sacada nunca alcançaria o mar. Mas tentaria... Estou magro. E nessa altura do campeonato, vivendo o que tenho vivido, acho que tudo é possível. Todo mesmo. Até aquilo em que eu desacreditava.
A festa estava bombando. A cerveja não acabava, as carnes continuavam queimando na churrasqueira, e lá estava Sophia. Linda, morena, e com aquela bunda rebolando enquanto tocava Anitta. Odeio a Anitta. Mas ela faz as mulheres dançarem de uma forma muito sensual, e que acaba mexendo muito comigo. Mas a Sophia, essa mexia diferente. Sentia meu corpo latejar, me sentia um tarado só de olhar para aquele quadril em movimento. Nas festas da empresa, como aquela onde esse pesadelo começou, ela sempre roubava as atenções. Mas acho que ela é caso do chefe. O Leandro não deixaria uma mulher dessa longe de sua enorme cara-de-pau de se aproveitar do cargo.
Mas aí, quando a cerveja acabou e todos estavam cansados demais para irem embora, Miguel propôs brincarmos como na adolescência. Pegou alguns pedaços de guardanapos, escreveu algumas coisas e espalhou pelo chão. “Vamos mexer com o copo?” perguntou aquele filho da puta. Ele também queria aparecer para a minha Sophia.
Então ele pegou o copo, aquele copo vagabundo de cerveja, que servem em botecos. Um copo de 300 ml, com alguns desenhos nas laterais, e colocou no meio das letras. E o que ele fez? Começou por ela. Perguntou se tinha algum espírito ali. Por alguns instantes ninguém falou nada. Umas oito pessoas ainda estavam na sala do apartamento do Marcelo, e as oito queriam brincar do Jogo do Copo. Alguns segundos depois, o copo e mexeu. Foi na direção do sim. Meu dedo, sobre ele, ficou gelado. Todos sorriram. Todos bêbados. Esse é o lado ruim de não ficar bêbado rápido: Aturar os outros bêbados.
Todos fizeram perguntas para o copo. Eu tinha quase certeza de que era alguém ali na roda, tentando assustar os trouxas que acreditavam. Mas aí... Aí a Lucineide quis levantar para vomitar. Junto com ela, Bianca e Sophia resolveram levantar-se também. E era a minha vez de questionar os tais espíritos. Em voz alta e disse: “Logo na minha vez vocês vão sair? O copo vai dizer qual a cor de suas calcinhas...” e então, sem que ninguém tocasse no negócio, o copo se moveu. Ele não foi em letra ou palavra. Ele apenas se moveu, e ficou girando. Girando... Girando... senti algo escorrer de meu nariz, e ao instintivamente colocar a língua para cima, senti o gosto salgado e com um toque metálico. Eu estava sangrando.
Leandro caiu numa gargalhada. Todos riram. Disseram que eu estava nervoso. Disseram que eu estava me cagando de medo. De fato eu estava começando a me preocupar. O copo tinha se mexido sozinho, e ninguém tivera tempo de o movimentar com fios. As meninas voltaram. O jogo recomeçou. Era a minha vez. E o copo não queria me deixar sair do jogo. Ele sempre ia até a palavra não. E formava palavras descompassadas. A última, foi uma frase “Nós juntos aqui!”
Para mim, Leandro estava manipulando. Queria me assustar. Mas assim que ele tirou a mão de cima do copo. Ele se espatifou contra a parede, tomado por uma força invisível. O silêncio tomou conta da sala, e todos acharam que era a hora de ir embora.
Fui ao banheiro ver se meu nariz ainda sangrava enquanto esperava o Uber. Olhei no espelho, e ao elevar a narina esquerda, para ver se ainda tinha filete de sangue, senti algo me espetar. Enfiei o dedo, e o que tirei de lá foi um caco de vidro. Um caco do tamanho de um fósforo. Caí para trás e derrubei as toalhas presas a porta. Me despedi de todos. Fui ao estacionamento. E lá foi a primeira vez que vi. Aquela figura... Magra... Me dando tchau. Não era possível ver seu rosto, apenas o pescoço magro, o corpo cadavérico, e a cabeça redonda com poucos fios de cabelos, e esses, arrepiados com o vento.
Ali eu vi que precisava de salvação... Estou preso no meu apartamento há uma semana. Cada vez o solo lá embaixo na Vieira Souto se torna mais charmoso e convidativo... Acho que é chegada a hora. Acho que não suporto mais viver no claro temendo a escuridão. Sinto uma presença atrás de mim nesse momento, enquanto digito essas palavras... Um frio... Uma dor. Ouço barulho de coisas quebrando na cozinha. Meu nariz volta a sangrar, e agora suja minha calça jeans. Sinto que... Acho que...
♦Fim
Me fodi.
Agora aquela sombra me segue. Eu preciso correr. Eu pude enxergar a assustadora silhueta, com alguns cabelos ralos contra a luz, lá em cima, no estacionamento, acenando para mim de forma tranquilamente horripilante. A cabeça arredondada e magra fazia contraste com o corpo esquelético. E agora, me seguia.
Sabe aquela angústia? Acordar no meio da noite com um pesadelo do caralho, muito real? Eu tenho vivido assim. Não durmo mais. Apenas corro, evito ambientes escuros. Arranquei todas as cortinas de meu apartamento. Evito chegar até as janelas, a praia do Arpoador lá embaixo já não me comove ou me maravilha. Com o medo que sinto... Parece que as ondas me chamam. Sei que se pular da sacada nunca alcançaria o mar. Mas tentaria... Estou magro. E nessa altura do campeonato, vivendo o que tenho vivido, acho que tudo é possível. Todo mesmo. Até aquilo em que eu desacreditava.
A festa estava bombando. A cerveja não acabava, as carnes continuavam queimando na churrasqueira, e lá estava Sophia. Linda, morena, e com aquela bunda rebolando enquanto tocava Anitta. Odeio a Anitta. Mas ela faz as mulheres dançarem de uma forma muito sensual, e que acaba mexendo muito comigo. Mas a Sophia, essa mexia diferente. Sentia meu corpo latejar, me sentia um tarado só de olhar para aquele quadril em movimento. Nas festas da empresa, como aquela onde esse pesadelo começou, ela sempre roubava as atenções. Mas acho que ela é caso do chefe. O Leandro não deixaria uma mulher dessa longe de sua enorme cara-de-pau de se aproveitar do cargo.
Mas aí, quando a cerveja acabou e todos estavam cansados demais para irem embora, Miguel propôs brincarmos como na adolescência. Pegou alguns pedaços de guardanapos, escreveu algumas coisas e espalhou pelo chão. “Vamos mexer com o copo?” perguntou aquele filho da puta. Ele também queria aparecer para a minha Sophia.
Então ele pegou o copo, aquele copo vagabundo de cerveja, que servem em botecos. Um copo de 300 ml, com alguns desenhos nas laterais, e colocou no meio das letras. E o que ele fez? Começou por ela. Perguntou se tinha algum espírito ali. Por alguns instantes ninguém falou nada. Umas oito pessoas ainda estavam na sala do apartamento do Marcelo, e as oito queriam brincar do Jogo do Copo. Alguns segundos depois, o copo e mexeu. Foi na direção do sim. Meu dedo, sobre ele, ficou gelado. Todos sorriram. Todos bêbados. Esse é o lado ruim de não ficar bêbado rápido: Aturar os outros bêbados.
Todos fizeram perguntas para o copo. Eu tinha quase certeza de que era alguém ali na roda, tentando assustar os trouxas que acreditavam. Mas aí... Aí a Lucineide quis levantar para vomitar. Junto com ela, Bianca e Sophia resolveram levantar-se também. E era a minha vez de questionar os tais espíritos. Em voz alta e disse: “Logo na minha vez vocês vão sair? O copo vai dizer qual a cor de suas calcinhas...” e então, sem que ninguém tocasse no negócio, o copo se moveu. Ele não foi em letra ou palavra. Ele apenas se moveu, e ficou girando. Girando... Girando... senti algo escorrer de meu nariz, e ao instintivamente colocar a língua para cima, senti o gosto salgado e com um toque metálico. Eu estava sangrando.
Leandro caiu numa gargalhada. Todos riram. Disseram que eu estava nervoso. Disseram que eu estava me cagando de medo. De fato eu estava começando a me preocupar. O copo tinha se mexido sozinho, e ninguém tivera tempo de o movimentar com fios. As meninas voltaram. O jogo recomeçou. Era a minha vez. E o copo não queria me deixar sair do jogo. Ele sempre ia até a palavra não. E formava palavras descompassadas. A última, foi uma frase “Nós juntos aqui!”
Para mim, Leandro estava manipulando. Queria me assustar. Mas assim que ele tirou a mão de cima do copo. Ele se espatifou contra a parede, tomado por uma força invisível. O silêncio tomou conta da sala, e todos acharam que era a hora de ir embora.
Fui ao banheiro ver se meu nariz ainda sangrava enquanto esperava o Uber. Olhei no espelho, e ao elevar a narina esquerda, para ver se ainda tinha filete de sangue, senti algo me espetar. Enfiei o dedo, e o que tirei de lá foi um caco de vidro. Um caco do tamanho de um fósforo. Caí para trás e derrubei as toalhas presas a porta. Me despedi de todos. Fui ao estacionamento. E lá foi a primeira vez que vi. Aquela figura... Magra... Me dando tchau. Não era possível ver seu rosto, apenas o pescoço magro, o corpo cadavérico, e a cabeça redonda com poucos fios de cabelos, e esses, arrepiados com o vento.
Ali eu vi que precisava de salvação... Estou preso no meu apartamento há uma semana. Cada vez o solo lá embaixo na Vieira Souto se torna mais charmoso e convidativo... Acho que é chegada a hora. Acho que não suporto mais viver no claro temendo a escuridão. Sinto uma presença atrás de mim nesse momento, enquanto digito essas palavras... Um frio... Uma dor. Ouço barulho de coisas quebrando na cozinha. Meu nariz volta a sangrar, e agora suja minha calça jeans. Sinto que... Acho que...
♦Fim