OS IRMÃOS ARAWAN - DTRL24
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Status: CONCLUÍDO.
Missão (atualizada) | CA3 (CURA ARAWAN 3)
Relatório da missão no rodapé.
Mensagem do Dr. Pedro R. Tavares.
D - 24.09.25
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Dia 15, de Novembro, 2020
Lembro como se fosse hoje quando conheci os irmãos Arawan. Felipe Arawan e Roberto Arawan, gêmeos idênticos, foi o que me contaram, pois no momento em que coloquei os olhos neles não pude ver a menor semelhança. Conheci ambos adolescentes, com 15 anos de idade. O estado clínico de Felipe foi o que mais me impressionou, era monstruoso!
Podia ver que o caso causava repulsa entre meus assistentes. Não conseguia entender, por que médicos, homens racionais, inteligentes, cientistas, teriam medo de um quadro totalmente novo no mundo da medicina? Obviamente eu estava cego, encantado com o que acontecia. Bem, não quero me adiantar, então vamos voltar um pouco…
A senhora Maria Arawan teve uma gravidez saudável, comum e, até onde eu saiba, tranquila. Ela e seu marido, Júlio Arawan, tinham uma qualidade de vida boa, como qualquer família de classe alta média. Ficaram felizes com a notícia de que teriam gêmeos. Nunca antes houvera caso de gêmeos no histórico familiar. Os exames rotineiros de acompanhamento de gravidez de Maria eram sempre excelentes. Aparentemente não havia nada de errado com os bebês no ultrassom.
Então chegou o grande dia!
O primeiro a sair para o mundo foi Roberto, nasceu com três quilos e meio. Era um bebê forte, saudável, diria-se que perfeito, o médico mal lhe tocou e ele abriu o maior berreiro. Então foi a vez de Felipe nascer e com ele veio outra surpresa, desta vez desagradável. O médico viu logo de cara que tinha algo de errado. O bebê tinha um problema no olho direito. Na verdade, Felipe não tinha o olho direito, em seu lugar havia uma pálpebra roxa escura. Fora isto estava bem, nasceu com três quilos, e seria idêntico ao irmão não fosse a falta do olho.
Júlio ficou enfurecido, não acreditava que algo tão gritante houvesse passado despercebido pelo médico. Também achei extremamente curioso e intrigante, por isto resolvi entrar em contato com o obstetra. Seu nome era Ronaldo Cardoso, me atendeu muito bem, mas senti que ao mencionar o nome Arawan, mesmo passado quinze anos, ele ficou incomodado e assumiu uma postura cautelosa. Levei nossa conversa de forma cirúrgica, não queria assustá-lo. Minha paciência foi recompensada. Em dado momento ele fez uma revelação espantosa. Disse que sentiu algo estranho nos dois garotos, mas não soube me explicar o que exatamente. Insisti e ele me narrou o que sentiu ao tirar os irmãos Arawan de dentro da senhora Arawan.
Transcrevo agora suas exatas palavras:
"Achei que fossem tumores, dois tumores grandes! Sei que é loucura, mas senti isso, senti no instante em que tirei Roberto, e depois a mesma sensação quando tirei Felipe, foi horrível".
Consegui pegar o máximo de arquivos e fotos dos exames a que Felipe e Roberto foram submetidos. Como Ronaldo também concluí que não havia nada de errado com o pré-natal, nenhum indício de anoftalmia ou outra doença oftalmológica. A falta daquele olho era inexplicável!
Júlio e Maria não aceitaram isto e, na época, processaram o hospital. Ganharam, mas a vitória não lhes trouxe paz.
Pouco depois dos irmãos completarem um ano de vida outra coisa estranha aconteceu. Maria viu que desapareceu um dedo na mão de Felipe. O dedo mindinho não estava mais lá. No lugar havia uma espécie de ferimento cicatrizado, de cor púrpura.
Júlio me contou que a mulher chegou berrando com o filho no colo. Levaram-no ao hospital e Felipe foi submetido a uma gigantesca bateria de exames. Mas não encontraram nada. Nenhuma explicação que pudesse responder aquele fenômeno. Esperavam encontrar alguma informação a partir do exame de sangue, mas o resultado deu negativo.
Procuraram diversos médicos, mas nenhum deles foi capaz de lhes dar qualquer resposta. Felipe não parecia sentir nenhuma falta do dedo, nem mostrava qualquer sinal de que estivesse sentindo dor.
Com o passar dos anos outro fato muito curioso veio à tona. Os irmãos Arawan não aprendiam a falar. A fonaudióloga tentou acalmar os pais, lhes disse que os meninos costumam demorar mais para falar do que as meninas.
Sim, é verdade, meninos são mais preguiçosos e, se me permitem, não mudam muito quando chegam na fase adulta. Por isto que sempre preferi contratar mulheres.
Os pais ouviram a doutora, e seguiram suas instruções. Entretanto, por mais que os estimulassem a falar, eles não falavam. Continuavam a se comunicar apenas por meio de ruídos e gritos. Com dois anos e meio de idade levaram os dois a um especialista, este lhes garantiu não haver nenhum problema fisiológico que impedisse seus filhos de falar.
Foram a pisiquiatras, pisicólogos, mas não adiantava. Eles não falavam. E pior, Felipe continuava a perder partes do corpo.
Com cinco anos de idade Felipe já não tinha a mão esquerda, três dedos da direita e metade do pé direito. Roberto continuava perfeito, não sofria os sintomas do irmão.
Maria me contou que quando eles eram crianças, por volta dos sete anos de idade, os pegou em um momento bastante fraternal. Roberto estava inclinado na cama de Felipe, segurando a mão que restara do irmão, junto ao peito. Ambos se olhavam, e, mesmo sem falar, era como se estivessem se entendendo. Talvez uma dessas coisas que acontecem só com os gêmeos. Ela começou a chorar ao me contar isso. Tentei consolá-la, então ela me afastou e disse que eu não tinha entendido. Ela não estava chorando por pena deles, mas por outra coisa. Eu não entendi, perguntei pelo que chorava então? Ela respondeu que olhava para os dois e via a doença. Eu concordei, sim os dois são doentes, mas ela balançou a cabeça outra vez e disse que não, que eles não eram doentes, que eles eram a doença em si. Então me fez uma confissão perturbadora. Disse que já pensou muitas vezes em levar os dois para um passeio de carro, comprar uns doces, porque eles adoram doces, e depois envenená-los e queimá-los. Foi isso mesmo que ela me falou, que seus filhos precisavam ser queimados. Que alguém precisava fazer isto urgente pois eles eram uma doença, uma doença contagiosa, que logo se espalharia pela terra e a devastaria.
A senhora Arawan estava sofrendo. Isto era óbvio para mim. Infelizmente, precisamos afastá-la de seus filhos. Júlio concordou. A mulher estava abalada, e esses pensamentos sombrios poderiam culminar em algo terrível.
Durante sua estadia em minha clínica os irmão Arawan foram muito bem tratados. Felipe, quando chegou, não conseguia mais sair da cama. Não lhe restavam as pernas, os braços, o nariz, os lábios e o olho. Roberto nunca deixou de sair de seu lado. Em fevereiro Felipe teve uma aparada cardíaca e morreu. Não consegui descobrir o mal que o afetava. Minhas câmeras nunca pegaram nada, e nem ninguém tampouco viu uma única vez a doença devorando as partes de seu corpo. Era como se a doença só resolvesse atacar quando ninguém estava olhando. Frustado, achei que estava acabado, não havia mais necessidade de deixarmos Roberto sob observação, o quadro dele nunca foi grave como o de Felipe. Roberto era apenas um adolescente que não falava. Estava pronto para deixá-lo partir quando percebi que ele se coçava insistentemente em uma região do lado direito do pescoço. Estranhei e pedi que me deixasse ver o que lhe afligia. Qual foi minha surpresa quando vi um calo arroxeado ali. Precisei que dois homens segurassem Roberto, pois se não parasse de se coçar, do modo violento que o fazia, logo poderia acabar com um ferimento sério. Para o seu próprio bem nós o sedamos e o amarramos na cama. Fiz diversos exames no nódulo em seu pescoço e o que descobri foi surpreendente. Era um olho, havia aparecido um olho por baixo de sua epiderme. Nunca em toda minha carreira vi algo tão assustador. Precisei manter Roberto sedado, pois mal recobrava os sentidos começava a se coçar.
Decidi que o melhor a fazer seria operar. Júlio, apático, autorizou a operação, mas parecia não se importar com mais nada. Sua mulher havia acabado de cometer suicídio.
Já na mesa de cirurgia o horror daquela doença veio à tona. Quando me preparava para fazer a primeira incisão o olho no pescoço de Roberto se abriu. Tomei um grande susto, e deixei o bisturi cair. Aquele olho olhava para mim. A pupila dilatada, como se estivesse implorando para que eu não o arrancasse dali. Uma de minhas assistentes desmaiou. Precisei conter um de meus homens que, não fosse por meus outros assistentes, teria feito uma besteira, pois, em um acesso de loucura, queria destruir olho, e não se importava se isso fosse custar a vida de Roberto.
Interrompi a operação no mesmo instante e levamos Roberto para um quarto e o deixamos em observação. Os dias passaram e Roberto não despertou mais. Não consegui formular um diagnóstico. Aquilo não fazia sentido. Apenas uma coisa ficou clara. Roberto estava morrendo. Seus batimentos cardíacos diminuíam progressivamente. Tentei contatar o pai, mas o senhor Arawan não foi mais encontrado, o homem sumiu, abandonando o filho à própria sorte em minha clínica.
O olho pareceu mais tranquilo e outra protuberância começou a surgir no pescoço de Roberto. Percebi que um rosto ia surgindo aos poucos em seu pescoço. Infelizmente Roberto Arawan acabou entrando em óbito por volta das seis horas da noite, teve uma parada cardíaca, não pude fazer nada por ele. Mesmo após sua morte o rosto continuou a crescer e vi que tomava a forma da face dos irmão Arawan. Eu estava absolutamente encantado com aquilo. Não me julguem mal, por favor, sou um homem da ciência, e o que presenciava, do ponto de vista científico, era magnífico! Nunca vi nada parecido!
Depois que Roberto morreu o processo se acelerou. O rosto se tornou uma cabeça, depois veio o pescoço… os ombros. O corpo de Roberto definhava enquanto um novo surgia. Tentamos nos comunicar com aquele novo ser, mas, como os irmãos Arawan, ele também parecia ser incapaz de falar.
Por fim saiu completamente, desfazendo seu vínculo com Roberto. O corpo de Roberto estava irreconhecível, ninguém diria que aquele resto de tecido e ossos um dia fora um ser humano.
O novo ser precisava de um nome e simplesmente o chamamos de Arawan.
Arawan era uma cópia exata de Roberto.
Ele tinha os olhos negros, brilhantes e curiosos. Parecia reconhecer o lugar onde estava. Parecia saber quem nós éramos.
Então ele falou.
Sua voz era doce, melodiosa como uma canção. Era a voz mais bonita que já ouvi. Todos meus assistentes ficaram encantados com Arawan. Inclusive eu. Os dias passaram e nós continuávamos com Arawan. Cuidávamos dele como se fosse um rei, como se fosse nosso imperador. Nós o idolatrávamos como a um deus! Nem prestamos atenção quando as partes de nossos corpos começaram a sumir.
Não sei bem como consegui sair daquele transe. Recordo que queria entrar no quarto de Arawan para ouvi-lo falar mais uma vez, não cansava de escutar sua voz. Quando entreabri a porta vi Luísa, uma de minhas assistentes, sentada na cama de Arawan com ele inclinado junto dela, como se a estivesse pedindo em casamento. Pude ver que ele lhe segurava o braço, devia estar beijando sua mão. Por algum motivo senti um ódio mortal de Luísa, minha vontade era de estrangular seu pescoço. Então olhei melhor e vi que a mão inteira dela estava dentro da boca de Arawan. A mandíbula dele se movimentava de forma ritmada, como um inseto que devora uma planta. Travei na hora, chocado com o terror daquela cena. Olhei para a mão que segurava a maçaneta e vi que me faltavam dois dedos. Fiz um esforço tremendo para não gritar. E então vi que meu braço esquerdo terminava na altura de meu cotovelo.
Sai correndo dali, havia algo de errado com meu pé direito também, mas eu não quis olhar. Passei por outras salas e vi meus assistentes mutilados, uns sem as pernas, os braços, outros sem os olhos, os lábios e as orelhas. Todos, sem exceção, apresentavam um semblante calmo, como se estivessem encantados, hipnotizados.
Tentei despertá-los, tirá-los do transe, mas não consegui. Saí de minha clínica. Precisava chamar ajuda. A rua estava deserta, o relógio em meu pulso marcava duas horas da tarde. Mas de que dia? De que mês? Eu não sabia. Quanto tempo tinha ficado preso em minha própria clínica?
Vi um táxi e o chamei. O taxista não parou. Minha aparência deve tê-lo assustado. Eu estava um trapo! Sentia muita fome e sede. Entrei em uma loja de conveniência e gritei por ajuda. Ninguém respondeu. Fui até as prateleiras e peguei um gatorade, precisava me hidratar. Depois fui até o balcão e comecei a procurar por doces. Sentia fome de doce! Infelizmente só encontrei dois bombons. Os tirei de suas embalagens e os engoli sem mastigar, quase me engasgando no processo. Precisava de mais. Pulei o balcão e encontrei uma caixa fechada de doces caída do outro lado. Enchi minha boca com o máximo de açúcar possível. Só então meus olhos viram o jornal aberto em cima do balcão. Uma chamada e uma foto bizarra estampavam a primeira página. A foto tirada contra o sol mostrava a silhueta de três homens sem os membros superiores, e, em letras garrafais lia-se: "A NOVA PESTE SE ALASTRA". Li apenas o começo da matéria e compreendi tudo. A doença de Arawan tinha saído de minha clínica, e havia se espalhado como um vírus.
Faz um ano que vivo recluso em meu apartamento, saio apenas para buscar mantimentos. Não encontro mais doces. Mas não importa, existe algo mais eficaz que o doce. Comer sempre faz parar a coceira, mas ela sempre volta. A cada dia fica mais forte. Algo deu errado comigo. Os outros perderam suas consciências, eu não perdi a minha. Continuo sendo capaz de manter meu raciocínio de forma ordenada. Saí completamente de meu transe. Sou um homem livre, vejam só, não é maravilhoso? Livre e consciente de que todos os dias preciso comer carne humana para continuar vivo. Não sei mais por quanto tempo ainda poderei suportar. Minhas investigações não avançam. Posso ver no espelho que a qualquer momento o nódulo em meu pescoço se abrirá. Já deixei tudo preparado para quando isto acontecer. Guardo um suco especial em minha geladeira. Quando ele abrir, tomarei meu suco, e irei dormir. Deixei escondido em um armário de meu quarto três caixas com meus estudos sobre os irmãos Arawan e sobre o máximo do que pude descobrir sobre a doença que batizei de "Arawan 3". Torço para que um dia isto possa ser útil, torço para que ainda existam pessoas sem a doença, gente qualificada que possa encontrar uma cura.
att,
Dr. Pedro R. Tavares.
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Relatório do grupo de busca no apartamento:
Caixas não encontradas no local indicado.
Possível origem confirmada após investigação na clínica DPRT.
24 amostras de DNA coletadas.
Nome oficial alterado: Arawan 3
Número de perdas durante a missão: 9
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Tema: Doenças