Sinistafan, o Monstro (A Origem)

O barulho de pequenas explosões na porta de madeira maciça da sua mansão são tão retumbantes quanto os trovões que explodem pela tempestade lá fora.

Sinistafan está sentado em sua poltrona em frente à lareira e de costas para a porta que é espancada. Não está preocupado com a porta. Sabe que é apenas mais um idiota que se acha eleito de um Deus impotente que veio a sua procura achando que é a última esperança da humanidade. Mas, muitos antes dele ao longo desses mais de dois mil anos de sua vida nas trevas vieram com a mesma motivação e todos perceberam que o seu suposto Deus não estava ao seu lado quando ele os subjugou.

Apertou seu dispositivo de áudio e começou a deixar rolar “Ain’t No Love in The Heart of City” da Banda Whitesnake e procurou se concentrar na música. Evitando o aborrecimento que as batidas em sua porta provocavam.

Um estrondo maior aconteceu vários homens passaram por sua sala. Todos com uniformes camuflados do exército atual com armas de fogo potentes e um brilho arrogante no olhar. Entretanto, para Sinistafan não é arrogância aquele olhar, é prepotência. De onde eles tiraram a ideia que podem vencer essa batalha? Ele já não mostrou ao longo do tempo que a humanidade não é párea para o seu poder? Ele já não prometeu a todos que não irá feri-los a não ser que o ataquem? E em troca de não escraviza-los com seu poder, ele apenas exigiu três eleitos para se sacrificarem pelo povo a cada semana. Está sendo razoável, mantendo uma dieta com as presas que lhe são oferecidas, porque poderia acabar com essa quantidade em uma noite.

Seus anos de experiência lhe ensinaram que não adianta escravizar e comer humanos irracionalmente. Afinal se eles acabarem do que ele viverá? Mas, lá estão eles. Um exército de condenados prontos para morrer por uma causa. Que causa? Uma causa idiota e suicida, querendo a liberdade de não ser o seu gado. Será que eles não enxergam a sua benevolência?

“Monstro, hoje você vai morrer”. - Dizia uma voz metálica atrás de uma roupa blindada da cabeça aos pés, como uma armadura.

Por um momento ele se lembrou de sua antiga vida. Ele era o herói de sua cidade, sempre protegendo com seu exército os portões da vila provinciana em que vivia. Um dia bárbaros vieram em do mar em aparelhos feitos de madeira, coisa que anos depois outras pessoas disseram que os inventaram chamando de embarcações. Vieram com lanças, machados e em número muito superiores aos do seu exército. Dizimaram a vila. Estupraram as mulheres e crianças, penduraram os homens e comeram suas vísceras. Não pareciam humanos, agiam como animais. Seu exercido estava sendo dizimado. Ele lutava bravamente, já sujo de sangue dos inimigos, passou sua espada pelo braço de um inimigo e quando se virou para desviar do golpe com machado de outro pode ver um de seus homens tendo uma lança atravessada no pescoço e saindo na nuca. Tropeçou em uma pedra e caiu. Um inimigo veio com o machado e ele em um giro com as pernas conseguiu derrubá-lo, mas não a tempo de outro vir com a lança em sua direção, o golpe que seria mortal, o fez fechar os olhos. Mas, nada aconteceu. Abriu os olhos e o inimigo estava congelado a sua frente com a lança centímetros de seus olhos. Saiu assustado de perto dele e percebeu que tudo havia parado. Ele se mexia e via o sangue que tinha sido espirrado de um golpe de um de seus soldados no inimigo começara a jorrar e não tocar o chão ficando congelado no ar.

“Sinistafan, não tente entender, você enlouqueceria.” – A voz que era praticamente uma melodia veio de trás dele, assustando-o.

“Quem é você? Identifique-se. O que aconteceu aqui?”

“Simplificando a explicação. Todos aqui estão congelados no tempo. Exceto você e eu.”

“Por que? Quem é você?”

“Quantas perguntas. Humanos são seres tão curiosos. Tenho muitos nomes. Hoje me chame de Mikah, conhecido como viajante das chamas. Estou aqui para te ajudar a salvar o seu povo.”

“Por quê?”

“Por que estou de bom humor. E você é um guerreiro forte e destemido. Poderá fazer valer o poder que te darei se aceita-lo.”

“O que preciso fazer?” – Algo em sua cabeça dizia que aquilo era uma cilada. Mas, seu dever é proteger seu povo. É zelar pela integridade de todos.

“Você terá poderes acima de qualquer homem. Poderá se misturar as sombras, controlar a mente de qualquer ser vivo, mover objetos sem tocá-los. Terá habilidades com a espada que nunca sonhou e também será imortal. Nada no mundo irá te matar”.

“Qual o preço de tal poder?”

“O preço é algo que pode pagar. Basta garantir que sempre que eu chama-lo, me servirá com lealdade.”

“Nasci livre e morrerei assim. Se o custo deste poder, será ser o seu servo, me deixe morrer.”

“Tudo bem. Mas então antes de morrer irá ver cada pessoa do seu povoado morrer.”

Em um movimento Mikah, fez surgir a sua frente uma criança que já viu pelo povoado e liberou um dos soldados inimigos para mover-se. O soldado como se não tivesse pensamento próprio, apenas foi até a criança e começou a brincar com sua faca passando-a pelo rosto da criança, deixando um corte por onde passava e arrancando um choro desesperado.

“Pare Maldito” – Tentou se mover, mas estava preso por correntes invisíveis.

“Basta uma resposta”. – Mikah, assistia com um sorriso nos lábios.

O corpo pesado. Uma olhada ao redor para todas as mortes no campo de batalha. Não havia mais seu exercito para proteger sua vila. Ele precisava fazer algo. As lágrimas caíram de seus olhos enquanto a boca gritava que aceitava o acordo.

Mikah sorriu e estalou os dedos. A criança sumiu e o torturador inimigo caiu paralisado. Mikah tomou sua faca e com um golpe seco em seu peito começou a fazer um buraco. Puxou o coração do homem morto e levou-o para Sinistafan, recitando dizeres incompreensíveis.

“Coma-o”

“O que? Não vou comer um coração.”

A expressão de Milkah mudou. Ficou totalmente sombria e demoníaca.

“Coma agora ou te deixarei ver a vila ser destruída sem poder se mexer.”

Sinistafan pegou o coração e começou a mordê-lo. Cada mordida levava até o seu corpo energia. Seus olhos começaram a brilhar vermelhos, seus dentes ficaram pontiagudos e doíam, seu corpo ficava maior e as vestes rasgavam. Ele apagou com a dor da transformação.

Acordou com o campo de batalha totalmente silencioso. Percebeu que o silencio era morte. Todos estavam mortos e dilacerados. Flashes passaram por sua mente. Ele mesmo matando-os com as próprias mãos. Sentiu a cabeça doer e percebeu chifres no topo. Correu para vila para ver os habitantes e descobriu que Mikah o enganara. A vila estava queimada. Estava totalmente destruída. Todos mortos. Do mundo que conhecia, restara apenas ele.

Começou a vagar sem rumo e de repente percebeu que estava com fome. Mas uma fome, como a que nunca sentiu. Tentou frutas e cuspiu fora. Não sentia o gosto delas. Então, viu um mercador passando. Ele pode ouvir seu coração batendo a quilômetros. Isso atiçou sua fome. Seus sentidos racionais estavam sumindo e ele estava apenas preocupado em derrubar o homem. Esgueirou-se por trás da carroça, subiu nela com tanta leveza que só podia ser um movimento sobrenatural. Aproximou-se do homem e o atacou quebrando o pescoço. Enfiou as mãos em seu peito, abrindo um buraco de onde puxou o coração. E ali descobriu que o que serviu para lhe dar os poderes, acabara de se tornar sua maldição.

Os anos foram passando e ele foi aprendendo a dominar seus poderes e a fome. Começou a matar e usar de alimento todos aqueles que praticavam o mal. Era seu modo de compensar o que não pode fazer por sua vila. Mas, as noticias do justiceiro sombrio correram, e por onde andasse todos os conheciam e aplaudiam o herói que os salvava. Não se encontrava mais maldade no mundo. Foi bom para a humanidade. Mas e para ele? Sem ter os “vilões” para alimentá-lo sem culpa, ele precisava atacar os inocentes e foi a partir daí que o herói virou vilão. Temido por todos, sua fama corria todo o mundo. E começaram a vir os guerreiros dispostos a mata-lo. De certo modo esses eram bons porque podia comer seus corações sem culpa, pois apenas se defendeu. Mas, sempre foi um martírio comer inocentes. Pelo menos era até o primeiro milênio, a idade e a experiência nos deixam mais frios e foi assim que para Sinistafan, as pessoas deixaram de ser suas iguais e tornaram-se o seu gado.

A música terminara e agora tocava “War pigs” do Black Sabbath. Ele olhava para seus inimigos esperando que atirassem. Deu um passo na direção deles e os homens começou a chuva de tiros, atingiam sua pele, rasgando a carne e Sinistafan continuava andando e rindo.

“Vocês realmente vieram com isso?” – Gargalhou alto para todos eles exibindo o brilho vermelho em seus olhos.

Os rostos dos homens passaram a expressar puro terror. Aquele que usava a armadura de ferro jogou uma bomba que explodiu na face de Sinistafan o escondendo no meio da fumaça. Porém de dentro da fumaça saiu o monstro exibindo o peito nu machucado com vários buracos, o rosto deformado com um buraco na boca por onde se via os dentes mesmo com ela fechada. Conforme ele andava os ferimentos iam se fechando e o sorriso cada vez maior em sua boca. Os homens tentaram correr, porém o monstro os dominou mentalmente fazendo todos lutarem entre si. Apenas o homem da armadura estava fora de seu controle no centro de todas as lutas. Este homem era seu.

O som ia tocando “Now in darkness, world stops turning.” - O monstro atacou a armadura com um soco potente amassando-a no peitoral. - “Ashes where their bodies burning.” - Ele vai para cima do seu oponente dando um golpe certeiro sua cabeça fazendo o capacete voar e revelando um garoto, que não deve passar dos vinte e dois anos. - “No more war pigs of the power”. - Sinistafan corta a cabeça do rapaz e quebra a armadura. Arranca o coração do garoto e o come olhando para os outros mortos no chão.

Terminada a batalha, ele se senta novamente em frente a lareira. Escolhe “Fear of the Dark” do Iron Maiden no dispositivo de áudio e mais uma vez volta seus pensamentos para a única coisa que consegue se concentrar desde que descobriu sua maldição. O dia em que Mikah irá chama-lo e ele poderá lutar com todas as suas forças contra o demônio que o tornou este monstro.

Continua...

Wes G
Enviado por Wes G em 11/09/2015
Código do texto: T5377925
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