EU CONSIGO VÊ-LOS
Eu consigo vê-los. Até mesmo converso com alguns. Com o passar dos anos comecei a me acostumar, mas confesso que até hoje fico apreensivo quando vejo algum deles pela primeira vez, nunca sei o que vou encontrar e já vi várias vezes eles fazerem coisas macabras com pobres inocentes. Sei que a mim eles não podem atingir, mas tenho que assistir impotente todo tipo de atrocidades que cometem.
Não pensem que os vejo somente a noite, muito pelo contrário, eles estão sempre entre nós, penetrando e se fundindo ao nosso mundo como uma névoa densa envolve as árvores de uma floresta.
A primeira vez que vi um deles nunca vou esquecer, era um lindo dia de sol e eu estava sentado na areia contemplando o mar distraidamente, enamorado com a beleza da natureza a minha volta. Uma criança de uns dez anos veio correndo em minha direção, cheguei a me encolher achando que se chocaria contra mim, mas para meu completo horror e surpresa, ela simplesmente atravessou o meu corpo como se eu não estivesse ali.
Começou a ficar cada vez mais comum cruzar com eles, mas eles pareciam não me notar ou simplesmente não se importavam. Ao contrário do que você possa imaginar, eles não tem aparências monstruosas, são exatamente com nós. Só sei que existem bons e existem maus. Mas é impossível distinguir uns dos outros somente ao olhar.
Com o passar do tempo alguns começaram a notar minha presença, depois começamos a conseguir nos comunicar, mas não é um tipo de conversa normal, é algo diferente, tipo uma conversa em silêncio, é difícil explicar mas imagine algo como ouvir a voz do outro dentro de sua mente.
Foi quando notei que muitos deles também tinham medo de mim que deixei o receio de lado e consegui desenvolver o meu dom até a plenitude. Para falar a verdade, acho que consigo me fazer notar por qualquer um deles, mas como eu disse: muitos tem medo e me ignoram completamente por mais que eu me esforce.
Me habituei com eles convivendo entre nós, mas alguns tem a alma tão negra e perversa que parecem verdadeiras crias do demônio. Sentem prazer em fazer mal aos outros e matam homens, mulheres e crianças sem distinção, muitas vezes com requintes de crueldade. Acredito que se alimentam do medo dos outros e até se divertem tendo a minha presença como uma triste testemunha muda dos seus atos. Semeiam a falsidade e a desesperança.
Pensei diversas vezes em escutar os conselhos dos mais antigos e passar a ignorá-los como a maioria dos meus semelhantes faz. Mas depois de muito refletir, resolvi continuar a conviver e me relacionar com eles, pois as provas de amor e bondade de uns superam em muito a maldade dos outros.
E afinal, quem sou eu para julgar? Pois levei muitos anos para entender um pouco sobre os mistérios da existência e descobrir que sou apenas um humilde espírito convivendo com os seres humanos.