O FIM DE UM MUNDO
Key West, Flórida - 03 de julho de 2010
Com uma música de blues ao fundo, um sujeito carrancudo de barba mal feita bebe um copo de cerveja de marca barata. Sentado em frente à bancada do bar, pensa em como realizar sua próxima matéria. Já vira muitos casos de loucos prevendo o fim do mundo, mas nunca uma menininha de nove anos. Jason Vinny é um jornalista de 32 anos que escreve matérias excêntricas para a revista Acredite se Puder. E que agora, estava agora na Flórida em busca de conteúdo para as páginas da edição de julho. O estranho é que ele mesmo não crê no que escreve. Na verdade, acredita somente em duas coisas, em cervejas baratas e nas garotas fáceis.
Madalena é uma menininha loira de olhos azuis que Perdeu os pais ainda bebê em um acidente de carro, e a partir de então, foi criada pela avó. A menina estava atraindo a atenção de toda a Flórida após certa manhã acordar dizendo que conversou com Jesus, e que ele a alertara que o mundo acabaria dia 25 de dezembro daquele mesmo ano. Muitos veículos de comunicação entrevistaram a menina, que ao comentar a situação, sempre se emocionava. Sua convicção era tão grande que conseguiu deixar até os menos crédulos apavorados. Entretanto, não ao jornalista Jason Vinny da pequena revista de circulação regional Acredite se Puder.
- Você por acaso sabe onde mora a menina amiga de Jesus? – Perguntou Jason sarcástico ao barman.
- Madalena? Se for ela, você não terá trabalho em encontrar, a cidade é pequena, siga a direita e verá uma multidão. Há, antes que me esqueça, se eu fosse o senhor não brincava com essas coisas. – Disse enquanto enxugava um copo.
- Ok, obrigado pela dica. – Falou Jason Vinny colocando uma nota de um dólar embaixo do copo antes de deixar o bar.
Do lado de fora, o jornalista já ligava o carro para sair quando o barman se aproximou do veículo.
- Ei, se você for da imprensa, é melhor correr, fiquei sabendo que a avó da menina está recebendo os jornalistas. Alertou.
- Não me importo se ela não quiser falar, afinal loucos prevendo o fim do mundo aparecem todos os dias.
- Não como Madalena, eu garanto, você irá se surpreender. – Disse o velho olhando para o terço pendurado no retrovisor do carro.
- Espero que sim! – Disse rindo. – Há, e essas bolinhas eu deixo aqui porque as mulheres se amarram. – Finalizou, enquanto dava a partida no carro. O senhor assustado se afastou lentamente esboçando um sinal da cruz com a mão direita.
A casa era grande, e a sua volta, um pequeno cercado branco, típico das residências daquela região. Jason tinha certeza que era o local que procurava. Afinal, centenas de pessoas se conglomeravam ao seu redor.
- Ei, você de chapelão, é aqui que mora a menina que previu o fim do mundo? - Disse a uma senhora gorda que tentava, de forma curiosa, enxergar alguém dentro da casa com um binóculo.
- Sim, sim, é aqui mesmo! Mas a avó da menina está deixando entrar só dois jornalistas de cada vez, por isso o tumulto. - Respondeu.
- Ok, e você é jornalista ou da família?
- Não, e a maioria não é. Estamos só curiosos sobre ela, dizem que tem poderes! Queria tanto poder vê-la! – falou empolgada
- Que mulher imbecil e bisbilhoteira. Se eu pudesse, estaria num bar relaxando e não me intrometendo na vida alheia. – Pensou.
Entrar na casa não seria fácil, o quintal estava entupido de gente. E pra piorar, o jornalista precisou parar o carro no outro quarteirão, foi o local mais perto que conseguiu uma vaga. Jason já havia feito matérias no interior, e sabia como conseguir espaço. Ergueu o seu gravador com o braço rijo, e disparou a gritar:
- Imprensa! Imprensa! Imprensa passando! – As pessoas da cidade iam se afastando admiradas. – Bando de caipiras, esse pessoal de cidade pequena ainda endeusa a mídia. – Sussurrou pra si mesmo.
Estava quase lá. Restava apenas mais um até que ele chegasse à porta da frente.
- Ei grandão, aqui é a imprensa, saia da frente!
- Vá se ferrar! – Exclamou o rapaz negro, muito alto e forte, que o empurrou para o chão.
- Seu maldito filho da puta! – Disse Jason tentando se levantar, já cerrando os punhos para uma briga. Porém, antes de sobrepor-se completamente, a porta da casa se abriu.
- Parem, por favor! – Vociferou uma senhora. Todas as pessoas que estavam próximas se calaram. Mas o silêncio durou pouco, pois logo os flashes das câmeras começaram a brilhar.
- Madalena irá falar apenas com mais dois por hoje. A menina está assustada, vocês são uns monstros! – Disse a avó olhando para Jason e o rapaz negro que estavam bem à frente da porta.
- Vocês são jornalistas? – Perguntou.
Jason esqueceu por um minuto a raiva, se enrijeceu, e confirmou com a cabeça. O brutamonte ao seu lado também disse que sim. E com isso, ela os arrastou para dentro da casa, fechando novamente a porta atrás deles.
Jason deixou que o outro rapaz fosse à frente, não queria mais briga. Achava verdadeiramente que a matéria não valia uma luta com um Schwarzenegger negro. Enquanto a senhora levava o outro jornalista para um quarto, Jason levantou-se e começou andar pela casa. Sentiu-se bem na cozinha ao ver as garrafas com bebidas finas.
- Com certeza eles não estão a fim de grana. – Pensou enquanto alisava uma taça de cristal, que ele mesmo se servira de vinho. Coçava a cabeça, e tentava imaginar que razão uma velha de 70 anos e uma menina de nove teriam para inventar aquilo. De acordo com suas pesquisas, as duas haviam herdado uma fortuna, e não tinham outros parentes.
- O que está fazendo aí seu folgado! – Gritou a velha o fitando da sala. – É a sua vez de falar com Madalena, venha antes que eu me arrependa.
No quarto da menina, Jason reparou que ele não tinha aparelhos eletrônicos, e que ao contrário de toda a casa, era simples.
- Por favor, senhora...
- Antônia. – Completou a velha.
- Senhora Antônia, eu poderia falar com Madalena a sós? É importante que ela não seja influenciada nas respostas.
- Tudo bem. – Disse desconfiada, e olhou para a menina. – Madalena, grite meu nome se quiser que ele saia, eu estarei do outro lado da porta. – Respondeu se levantando e saindo do quarto. A menina parecia à vontade. Estava sentada a cama com um vestido branco até os joelhos, e laços também brancos enfeitando o cabelo. Seus olhos, grandes azuis, eram de certa forma, confortantes.
- Então você é a menina que falou com Jesus?
- Na verdade ele que falou comigo.
- E por que tem certeza que era Jesus? Não poderia ser um sonho? – Disse Jason, se sentindo pressionado pela voz doce da menina.
- Não era, e não poderia ser. Tenho certeza que ele veio me passar essa mensagem para que eu alertasse todos os povos.
- Você vai à igreja?
- Não, nunca fui. Na verdade quase não saio, tenho aulas particulares em casa.
- Você está me dizendo que não lê a bíblia, nunca foi à igreja, e Jesus veio te falar que o mundo vai acabar no natal deste ano? Por que você? – Perguntou ainda descrente. Porém nesse momento Madalena se levantou, foi até a cadeira que Jason estava sentado. Segurou suas mãos, e olhou fixamente dentro de seus olhos.
- O temor do Senhor é o princípio do conhecimento. Mas os insensatos desprezam a sabedoria e a instrução. – Seus olhos se tornaram totalmente alvos, e Jason teve a sensação de que a menina levitada. Num impulso, assustado a empurrou. Madalena deus alguns passos para trás e bateu as costas no armário, o que causou um grande barulho.
- Me descul.. – Antes que o jornalista terminasse, a porta do quarto se abriu violentamente.
- O que está havendo! Saia da minha casa agora, seu tempo acabou! – Disse a avó da menina indo em direção a ela.
- Que merda eu fiz! – Pensou enquanto ia em direção ao carro. Antes de continuar, ainda no quintal da casa, virou-se para olhá-la mais uma vez. Buscou contemplar precisamente a janela do quarto da menina. Sentiu as pernas tremerem ao perceber que ela o mirava insanamente, com os olhos penetrantes e um pequeno sorriso na face. Respirou fundo, e seguiu em frente, precisava escrever a matéria aquela noite. Jason a mandaria à redação no outro dia, e já eram 19 horas, precisava partir.
A notícia da menina foi escrita do mesmo modo ateísta como estava acostumado com as outras. Ela foi publicada da edição especial da revista em julho, que mostrava os profetas do século 21. A vendagem foi boa, e Jason foi até cogitado para alguns prêmios, mas não ganhou nenhum. Mas isso nem o incomodava tanto, o pior mesmo era a sensação estranha que sentia quando se lembrava de Madalena.
Brady, Texas - 25 de dezembro de 2010
Jason está comemorando seu natal da forma como sempre faz. Em um bar, bebendo e explicando para a pessoa que o serve, como é ruim escrever matérias sobre paranormais.
- Não sou um maldito escritor de ficção. E muito menos acredito em alienígenas, monstros no armário, pessoas que entortam colheres, ou coisas assim. – Resmungava num bar em uma pequena cidade do Texas.
- Você acredita que em julho fiz uma matéria sobre uma menina que me disse com toda convicção do mundo que o mundo acabaria hoje? – Deu uma risada sarcástica. – Bem que poderia acabar, estou tão bêbado que não sentiria nada.
- Dizem que o álcool é um bom anestesiante. – Disse o Barman se divertindo.
- Sei não, se o mundo acabasse em fogo eu iria explodir com maior intensidade, isso sim. – Riu Jason. Ele estava prestes a pedir mais uma dose de uísque quando foi interrompido.
- Cabummmmmmm! – Uma explosão muito forte estrondou do lado de fora do bar, e as vidraças que os separavam das ruas se estraçalhou. Um pedaço grande e pontiagudo de vidro atingiu a perna do barman, que começou a gritar de dor no chão.
Jason olhou para fora e viu o caos, fogo por todos os lados, o chão se abrindo, pessoas gritando e carros explodindo.
Assombrado, levantou-se e sutilmente foi se dirigindo para fora. Nas ruas escutava choro de crianças, mulheres sibilando, e bolas de fogo brotavam do chão. Boquiaberto, estava rendido, seu ceticismo havia sido despedaçado.
- Meu Deus, era verdade! Por favor, me desculpe, eu imploro. Salve minha alma, eu não sabia, sou apenas um cretino infeliz. – Dizia chorando como uma criança. Jason soluçava, sua vida toda de incrédulo passava pela sua frente. Estava com medo.
- Eiiii! Cuidado! – Escutou a voz do barman, que ainda estava caído dentro do bar. Ao olhar para o lado, pode ver rapidamente uma esfera de fogo indo a sua direção. Jason explodiu em pedaços. A única coisa que sobrara foi seu relógio, que com o impacto caiu ao lado do barman. Ele marcava 23h59.
Algum lugar no Texas - 26 de dezembro de 2010
Uma TV é ligada. Uma jornalista, bem trajada, está anunciando as duas últimas manchetes do dia:
“-... E o mundo não acabou! Mais uma previsão falsa. A menina Madalena, da Flórida, estava enganada. Só nos resta esperar quem será o próximo profeta que irá tentar adivinhar o dia em que o nosso mundo será pulverizado. Entretanto nem tudo é felicidade, um vazamento de gás, próximo ao bar Stone Bier, na cidade de Brady, deixou 14 feridos e um morto, tudo indica que a vítima fatal era o jornalista Jason Vinny, da revista Acredite se Puder...”.