THESE BITCHES ARE WITCHES

__uma homenagem ao terror trash oitentista__

Há sempre de haver lendas contadas por velhos e criaturas vistas por outros . Do medo surgem monstros, da escuridão o terror , da sombra a perseguição . Boatos , alucinações , gritos de socorro sufocados pela razão , enquanto isso , corpos são deixados pelo chão , recolhidos e queimados como indigentes ; e na fumaça dormem histórias de terror .

Chovia. Lá fora caia água do céu, aqui dentro, sangue . Todas as emoções e sentimentos revertiam a razão em medo, e o medo escorria pelas paredes e se espalhava pelo chão. Rios de lágrimas e sofrimento. Monstros humanos e pesadelos reais. Os gritos das ruas que detém a lama de sangue e o choro de crianças órfãs e seus carrascos, prontos para o patíbulo. Sem futuro, sem esperança, mas com a alegria que se aprende a tirar da morte.

Os pingos da chuva na janela e a fumaça dos escapamentos na noite fria . De cima observo o movimento de sexta , os bares lotados , bolsas de sangue que me mantêm jovem . No elevador, a música chata de motel , no saguão, o cheiro de cigarro , as flores plásticas sintetizando a vida que jamais terei de volta . Com um sorriso no rosto, fecho a conta .

Passei por mortos e feridos, presas fáceis do sistema avassalador. Saboreei o aroma das mazelas e me comprazi com o sofrimento alheio. Minha veia pulsando com a necessidade de caça, e a jovem destemida à minha frente. Balancei a cabeça, dando a ela uma chance de fuga, mas imprudente resolveu me desafiar. Desejo de sangue na boca. Um verdadeiro desperdício deixar que os vermes a mastiguem. Ventos uivam pelos pingos de água das calhas da cidade velha. O cabelo negro da jovem dança ao odor de carne podre. Perfeita em seu habitat natural.

Bem diante dos meus olhos não vejo nada mais que tentação , pecado da gula que me pega pelas presas . A morte é atrativa , e ela sabe que não poderá fugir , prefere o desafio , me encara e seus os olhos aventureiros dão com o perigo . A proposta da morte , ela me diz , não é nada original . Você nasce para morrer , o propósito é se fazer ser lembrado . Mesmo assim , ouço seu coração batendo forte , quase arrebentando as costelas , tenta controlar a respiração , tenta se mostrar calma , quer dominar o medo . Quando a tenho em meus braços , em convulsões , agradece . Sabe que não a deixarei dormir para sempre , que o passo seguinte será longo e febril .

O pessoal , em particular o carinha de óculos fundo de garrafa, está se borrando todo , posso sentir o cheiro de merda , que tudo bem , pode estar saindo de qualquer lugar desse pedaço de esgoto a céu aberto . Pois bem , o que é isso tudo se não uma lenda urbana? Diz Verônica , e ainda afirma que não foi uma história muito boa , mas está abraçando a si mesma , e quando um pedaço de madeira estoura na fogueira, dá um pulo . Pergunto se ela precisa de um pedaço de papel para limpar a bunda branca de patricinha . Ela me mostra o dedo do meio, com as unhas vermelhas roídas . Quero saber quem será o próximo .

Mas não há um próximo. Assustei como os diabos esses babacas com a minha história de terror. Aí fico pensando que devo ser um grande contador de histórias, pois tenho que concordar com a patricinha fedida, não foi uma grande. Pouca ação, ainda menos sangue. Observo Verônica, tem olhos escuros e estão arregalados. No crepitar do fogo, eles tomam um brilho assustador. Não é bonita, nem feia. O garoto de óculos parece que precisa se limpar, ou mijar, mas está com medo demais para ir ao mato sozinho. Ele me olha como que pedindo clemência, mas de mim não receberá nada mais que desprezo. Um casal de namorados se diverte em trocar beijos barulhentos, um pouco mais afastados de nós. Outros se olham expectantes. Vão me deixar contar outra história ou alguém irá se mobilizar? Alguém sugere que se contem piadas.

— A piada vai ser a morte de vocês!

Eles pulam assustados! Eu rio alto. Mas o riso é de desespero. O que eu estou fazendo aqui, no meio dessas crias? Quem me convenceu a vir? Aquela velha maldita e seu controle financeiro sobre mim. Sinto-me velho demais, incrédulo demais para ser bom para eles. E isso me diverte como o juízo final. A lua ruge seu brilho sobre nós. Se fosse um lobo, uivaria.

Mas há uma história que não sabem , há uma pequena cabana um pouco mais adiante , digo a eles , de madeira e sem energia elétrica , com um pequeno gerador nos fundos . Isso não é uma lenda , é um fato , pessoas foram mortas , um casal e seu cachorro de estimação . Os corpos nunca foram encontrados e o assassino se entregou , mas sem provas tiveram de o soltar .

O casal em meio aos beijos perguntam o por que do assassino ter se entregue . Um babaca , diz a garota , enquanto o rapaz dá crédito ao que acabei de falar .

— Já ouvi sobre isso . Dizem que a cabana ficou assombrada pelas almas das vítimas .

Verônica desdenha , besteira , ela diz . Se minhas histórias não os assustam … o que me dizem de ir até lá , sugiro em meio ao crepitar do fogo e ao som dos grilos . O garoto de óculos limpa suas lentes grossas na manga flanelada de sua blusa .

— Não é assim que as coisas começam mal nos filmes ? Ele goteja .

Algumas cabeças concordam. O vento balança seus cabelos, enfatizando seus medos. Encaro a todos desafiadoramente. O garoto de quatro olhos tremula sua branca mão pelo ar, como que espantando seu medo, os joelhos apertados. Uma criatura de causar pena. Vejo outro fazendo o sinal da cruz. Coloco-me de pé e falo que eles são um bando de maricas. Os rapazes sentem-se insultados em sua masculinidade. As garotas não gostam de ouvir a verdade.

— Quem vem comigo?

Relutantes os garotos também se levantam. O quatro olhos agarra o cotovelo para parar de tremer. O casal de namorados também está de pé, e Verônica. Ela vêm até mim, me encara com raiva e dá uns bons passos para dentro do mato.

— Hey, garota.

Ela me olha e eu aponto para a outra direção. Com passos duros ela nos alcança. A trilha é fácil de seguir, mas a cabana não fica na trilha. Se ela existir, estará bem escondida pela vegetação. Ansiedade aflora em mim. Me pensar perdido aqui é delicioso. Ainda ouço as garotas que resolveram ficar no camping nos chamando, dizendo que aquilo era loucura. Atrás de mim, os dentes do quatro olhos bate loucamente...

Não tínhamos andado muito quando começamos a ouvir gritos aterrorizados. Claro que houve medo e pânico , só que ninguém queria demonstrar . É só uma piada , pensam todos. Os gritos ecoam pela mata , as corujas levantam voo como que fugindo do perigo . O garoto de óculos deixa escapar seu medo cinéfilo .

— Eu disse, é assim que tudo começa a dar errado .

Os gritos seguem em ecos à nossa volta , depois um urro animalesco . Todos se esquecem das diferenças e se juntam num grupo infantil e assustado . Segue-se um tiro , latidos , é quando todos correm sem rumo , passos rápidos nos seguem moendo a vegetação . E o medo da morte está estampado nos rostos , ainda que no fundo exista a possibilidade de tudo não passar de uma piada , ninguém se atreve a parar .

Eu corro por correr, só curtindo a sensação de poder que tenho sobre eles. Meus olhos seguem Verônica. Ela se embrenha na mata, rápida, mas não o suficiente para que eu não possa acompanhá-la, rindo de seu medo; escárnio me corrói por dentro.

— Precisa de papel agora, belezinha? — Gritei.

Ela parou em seco e voltou andando em minha direção, fervendo de raiva. Isso é tudo culpa sua, berrou. Seu idiota! Não tive tempo de sorrir quando ela me acertou um soco bem dado no nariz. Perto de nós está a cabana , surrada e rota , cravada na mata , as janelas quebradas e folhas secas numa trilha que levaria até a porta . O sangue escorre pelo meu nariz , então ouço Verônica questionado a localização dos outros .

— Cadê todo mundo ?

Somos só nos dois agora , digo , me afogando com o sangue .

— Essa é uma puta piada de mal gosto , cara . Me diz o que tá acontecendo aqui !

— Coisa boa que não é , certo ?

Então lhe conto sobre o demônio . Sobre o demônio que habita a floresta , dizem que, na verdade, o assassino do casal de namorados e do cãozinho foi possuído por esse demônio .

— Ouvi dizer que essa cabana foi uma de suas moradas , do demônio . Dizem que todo demônio um dia foi anjo , e dizem que muitos anjos um dia foram humanos .

Quando algo movimenta a mata , Verônica num ato espasmódico , agarra meu braço.

— O que foi isso agora ? Diz ela , apertando-se contra mim .

Dizem que foi esse mesmo demônio que assombrou aquele maluco da revista , continuo .

— Esse cara é um lunático bêbado e fracassado . Você não acredita nele , acredita ?

— Com certeza que sim. Uma amiga inclusive, tentou fazer uma história com ele, mas acabou morta… sob circunstâncias misteriosas.

— Isso é um absurdo! Esse cara deve ter matado ela quando ela percebeu a fraude que ele é.

— Se é isso que você acredita... Aquele demônio tinha o coração mais negro que o próprio diabo. Dizem que o diabo lhe rendia louvores. Ainda rende...

Vejo Verônica estremecer com o vento cortante e sussurrar que era tudo bobagens. Meu peito goteja de sangue e eu já estou com medo de uma hemorragia mais séria.

— Que diabos você tinha que me socar?

— É tudo culpa sua!

Não seja idiota. Desde quando eu pedi pra você ou algum dos seus amiguinhos me seguir?

— Você pediu sim, seu imbecil! - Ela responde e continua me fuzilando com os olhos. Seu desafio se transforma em pavor quando ouvimos a porta da cabana se mexer e abrir.

O quatro olhos surge empunhando um pedaço de madeira , e nos mira com uma lanterna .

— Que diabos é isso no seu rosto , xarope de karo ?

Ele pede que entremos , diz que algo o seguiu até a cabana . Pergunto dos outros . Ele nada sabe . Disse a ele que isso já não estava mais parecendo um filme oitentista . Concordou com a cabeça .

A cabana nada mais era que madeira e pregos enferrujados . Havia um colchão , panelas e uma lareira que já estava acesa. Decidimos que era melhor passarmos a noite por ali . O quatro olhos nos mostra um velho gravador de fitas que ao que parece, já não funciona mais. Começo a cantarolar "Freddy's comming for you" . Verônica me fuzila com os olhos . Diz que isso não tem graça .

Quatro olhos está inquieto, presumo que de medo, mas ao passar dos segundos, ele me olha desafiante, como se quem tivesse cagado nas calças fosse eu. Algumas coisas começam a me inquietar. Como diabos ele tinha chegado na cabana antes de nós? E que azar tínhamos dado se nos separar e nos encontrarmos justo aqui? Até onde vi, ele seguia atrás do grupo, e era asmático. Não poderia correr tanto assim. Esse esquisito bem deveria estar estirado no meio do caminho. Verônica sente a minha agitação, mas deitada em cima da minha blusa de frio, mantém os olhos fechados, tentando descansar. Desde que chegamos o quatro olhos ainda não havia se sentado. O que diabos estava acontecendo?

— Você está com frio, ele me pergunta.

— Não. Respondo.

— Posso aumentar o fogo, se quiser…

— Não.

— Como você pretende aumentar o fogo? Pergunta Verônica.

— Cortando mais lenha. Ele nos reponde sinistramente.

De trás das costas tira um machado enferrujado. Claro que vou demorar um pouquinho mais com essa lâmina ruim, ele nos sorri abertamente.

O quatro olhos bate com o cabo do machado no chão de madeira , bate quatro vezes . Pergunto o que ele está fazendo . Mais quatro vezes . Verônica me olha de forma interrogativa . Mais quatro vezes, só que desta vez o som não vem do machado .

— Chegou a hora da festa . Diz o quatro olhos , com a voz grave e distorcida .

O machado faz um arco e passa ao lado da minha cabeça , desvio por pouco e ele acerta a parede de madeira . Empurro quatro olhos com as mãos e ele cai sentado . Batidas tomam conta da casa, é como se estivéssemos dentro de uma caixa . As paredes tremem violentamente, a ponto de quase se desmancharem. Verônica, em choque, abre a porta para correr , e é quando vejo que estamos cercados . Saídas de lugar nenhum, criaturas fantasmagóricas de pele purulenta tentam entrar na cabana . Puxo Verônica que está paralisada para dentro . Ela grita e se desespera .

— Isso é uma puta de uma droga , uma puta de um camping de merda !

Seu grito se transforma de desespero em dor quando o machado acerta seu ombro e ali fica cravado . Acerto um soco no nariz do quatro olhos que parece nem se importar , ele me ataca agarrando meu pescoço e me tirando do chão . Seus olhos estão negros , sinto suas mãos quentes me marcando , cheiro de enxofre em sua respiração pesada . Estou quase apagando , a visão turva , quando um tipo de reza toma conta do lugar , o quatro olhos cai de joelhos enquanto desabo no chão . Vejo Verônica caída ao lado da mesa , o gravador ao lado de sua mão manchada de sangue , a tal reza vem dele . Lá fora, agora, o silêncio . A reza continua , numa língua que não conheço . Me arrasto até Verônica , o lugar está encharcado com seu sangue quente . Seu rosto pálido me olha num pedido de socorro .

— Que droga de acampamento você foi me meter . Murmura ela fracamente . Concordo .

— Minha mãe , ela sempre disse que você não era boa coisa , Lucas .

Novamente concordo tirando uma mecha de cabelo suado de seus olhos .

— Por que eu sempre me apaixono por babacas?

São suas últimas palavras . Lhe dou um beijo em seu último suspiro .

O gravador continua . Agora um aviso . '' Não entrem , e se entrarem nessa maldita floresta , que deus esteja com vocês ''.

A fita acaba num estalo .

Maldade em dobro é sempre uma emoção a mais. Escrito com meu bom amigo, John Neal.

Edivana e John Neal
Enviado por Edivana em 07/08/2015
Reeditado em 25/08/2015
Código do texto: T5338285
Classificação de conteúdo: seguro
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