A sombra na escuridão.
“Crianças obedientes dormem à noite.”
-Que idiotice, eu tenho que parar de ler essas porcarias na internet.
Já era quase meia noite quando Felipe foi dormir. Apenas treze anos, mais achava que tinha vinte. Ou mais, quem sabe. A verdade é que já se sentia um adulto. Nem tinha mais medo do escuro. Pegou o smartphone e twittou: “Alguém mais leu essa idiotice que publicaram no blog assassinos da net? Que besteira. #SóCriançaTemMedoDoEscuro”.
Pôs o smartphone debaixo do travesseiro. Já estava quase sem bateria. Desligou o abajur e deixou a escuridão tomar conta do quarto. Fechou seus olhos e foi dormir. Pelo menos tentou.
Ainda sem enxergar nada abriu os olhos e olhou para o relógio digital que tinha na mesinha de cabeceira. Viu quando o horário mudou de 23:59 para 00:00. Agora sim era meia noite, tinha exatas 6 horas de sono. Talvez menos, pois até conseguir dormir levaria um tempo. Sua mãe fazia de tudo para que não se atrasasse. Não tinha desculpas, se o smartphone falhasse aquele maldito relógio infernal despertaria sem falta ás 6 da manhã.
Assim foi, alguns segundos piscando e forçando os olhos. A escuridão foi aos poucos dando lugar as sombras ocultas que os olhos cansados começavam a mostrar. Dentro de seu quarto. A cada minuto podia ver melhor. Seu guarda roupas, suas roupas sujas amontoadas num canto. E aquilo. O que era mesmo aquela sombra parada ao lado daquele amontoado de roupas?
Forçou um pouco mais os olhos e não pôde distinguir. Lembrava um pouco uma pessoa. Um pouco não, muito. Parecia que havia alguém ali. Parado. O observando. E quanto mais forçava os olhos, mais parecia. Aquilo começou a lhe incomodar. Não era nada. Ele sabia que não era nada, mas mesmo assim não conseguia tirar o olho. Sentiu seu corpo soar frio, e sua pele estava gelada. Olhou para o abajur e pensou em acende-lo. Que bobagem, pensou ele. Por que? Ele não tinha medo do escuro, já não era uma criança. Tinha várias garotas na escola. Varias “ficantes”. E o que diriam seus amigos se soubessem que ele estava com medinho do escuro. Que piada. Mas mesmo assim ele observava. Atento.
Tentou desviar o olhar e virou seu rosto para o relógio. Quase uma hora. O tempo era seu inimigo naquele instante. Quanto mais tempo ele ficasse pensando na sombra, menos ele poderia dormir. E no outro dia ele iria parecer um zombie. Ele não queria aquilo, precisava descansar. Fechou seus olho e tentou mais um pouco.” Dorme, dorme, dorme”. Pensava insistentemente. Não adiantava. A cabeça dele era seu principal inimigo. Naquele momento arriscou pensar em outra coisa. Mas seu inimigo lhe trouxe outro pensamento. A maldita história do blog que havia lido. “Esquece isso. Esquece.” Mas sua cabeça só pensava na história, e consequentemente na sombra. Estaria ela ainda lá?
Resolveu dar mais uma olhada. Podia ver melhor agora, mas a escuridão ainda era grande no quarto. Para sua surpresa, agora eram três sombras. Aquilo o assustou profundamente. Não podia ser. Lembrou-se do que tinha lido há alguns dias atrás. De que ás vezes, se você ficar acordado no escuro seu cérebro passa a imaginar coisas. Ele estava imaginando tudo aquilo. Só podia ser. Mas quem sabe, se ficasse olhando para às sombras por algum tempo conseguisse ver o que era. Seus olhos se acostumariam com a escuridão e ele poderia distinguir melhor o que eram aquelas sombras. Olhou para o relógio. Já eram duas horas. Como assim? Havia perdido uma hora. Agora não adiantava mais. Nem que ficasse até de manhã olhando para aquilo. Já estava obcecado para descobrir o que eram aquelas sombras. Seria parte do guarda-roupas? Ou quem sabe a luz que batia na janela e imprimia aquele formato esquisito na parede? Logo descobriria. Sentou-se na cama, agora com o olhar fixado nas sombras. Espremeu suas pálpebras e ali ficou. Olhando. Observando. Cuidando. Aos poucos as sombras foram se tornando mais claras. E cada vez mais. E cada vez mais nítidas. Até que se revelaram. Seus pais. Ambos parados. Pregados na parede. Imediatamente ele pressionou mais suas pálpebras, não podia ser. Maldito cérebro maluco. Irritado, pensava e logo os pensamentos se tornaram uma fala de raiva.
- Que merda por que eu não consigo ver. Que merda!
Assim que disse isso ele olhou para o abajur e apertou o botão. Queria acabar logo com aquilo. Chega daquela palhaçada. Saberia de vez que era um idiota e que seu cérebro estava pregando-lhe uma peça. Infelizmente para ele, a luz do abajur não ascendeu. Apertou algumas vezes mais e nada. Então a terceira sombra, aquele que sempre estivera ali moveu-se. E naquilo que parecia ser uma mão havia um objeto. O garoto demorou para entender que aquele objeto era uma lâmpada.
Pela manhã o jornal local noticiava a barbárie. Três membros da mesma família morta.
Talvez se tivesse ligado antes o abajur. Talvez se tivesse acreditado antes. Talvez. Mas a nossa maior ruina é sempre nosso ceticismo. Acenda a luz.
CRIANÇAS OBEDIENTES DORMEM À NOITE.